Acórdão nº 0918/05 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 02 de Fevereiro de 2006

Magistrado ResponsávelBAETA DE QUEIROZ
Data da Resolução02 de Fevereiro de 2006
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

1.1. O SECRETÁRIO DE ESTADO DOS ASSUNTOS FISCAIS recorre do acórdão do Tribunal Central Administrativo (TCA) que anulou o despacho conjunto de 13 de Dezembro de 2002 dos Ministros de Estado e das Finanças e do da Economia, o qual resolvera unilateralmente o contrato de concessão de benefícios fiscais celebrado em 24 de Outubro de 1994 entre o Estado, representado pelo ICEP - Investimentos, Comércio e Turismo de Portugal, e A…, com sede em Barcelos.

Formula as seguintes conclusões:«A)O presente recurso jurisdicional tem efeito suspensivo, nos termos dos artigos 102° e 105° da LPTA;B)Reconhecendo a informação do ICEP - em que se louva o acórdão recorrido -, dificuldade em apresentar argumentos técnicos que justifiquem não ser imputável à A… o incumprimento contratual em questão, não pode concluir-se, sem mais, pela não imputabilidade da promotora do investimento no incumprimento verificado, e por todos aceite;C)O acórdão recorrido não efectuou, assim, uma análise crítica da prova - a informação nº. 2733/2002, de 03.09.2002 do ICEP -, não se pronunciando sobre a contradição, antes evidenciada, e que impunha uma diferente selecção da matéria de facto;D)Apresentam-se, deste modo, violadas, respectivamente, as alíneas c) e d) do art°. 668° do CPCivil: por o fundamento contido no acórdão quanto ao reconhecimento da dificuldade de justificação técnica da não imputabilidade da A… se encontrar em oposição com a decisão; e por o Tribunal ter deixado de se pronunciar sobre uma questão que devia apreciar;E)As informações oficiais, em que o parecer do ICEP se integra, só têm força probatória quando devidamente fundamentadas, nos termos do art°. 76° da LGT;F)Ora, expressões como as referidas pelo ICEP em que se declarou que "os desvios na realização do investimento eram devidos a uma evolução desfavorável do mercado não imputável à entidade promotora" ou a "alteração de circunstâncias no mercado de execução do projecto, não antecipável à data da candidatura e claramente não ultrapassável pelo promotor" e que fundamentam a parte decisória do acórdão, apresentam-se como meros juízos valorativos sem apoio factual, e, portanto, não fundamentados e sem base objectiva, contrariando o citado art°. 76° da Lei Geral Tributária;G)Pelo que, a informação em causa não pode, legalmente, constituir a base da decisão tomada, não podendo, também, ser considerada como fundamento decisório, assim se violando, por outra via, a al. c) do n°. 1 do art°. 668° do CPC;H)Assim, perante esta fragilidade da "factualidade" ordenada no acórdão não pode afirmar-se, para efeitos da al. a) do art. 10° do DL 289/92, de 26.12, e das als. b) e f) da Cláusula a do Contrato, que o incumprimento contratual se ficou a dever a facto não imputável à A... SA, devendo, por isso o douto acórdão ser revogado.

Termos em que (...) deve ser lavrado acórdão alterando o efeito do recurso de devolutivo para suspensivo, e deve o presente Recurso Jurisdicional ser julgado procedente, revogando-se o acórdão recorrido, com todas as consequências legais».

1.2. Contra-alega a recorrida, defendendo, em primeira linha, a manutenção do julgado, concluindo deste modo:«1.

São improcedentes as alegações do agravante;2.

O Tribunal a quo efectuou uma correcta e adequada valoração crítica da prova;3.

A informação do ICEP n.° 2733/2002 de 03.09.2002 foi adequadamente ponderada e é credível;4.

A decisão agravada não poderia deixar de particular relevância o conteúdo factual de tal informação;5.

É irrelevante e improcedente, a este propósito a invocação pelo agravante do artigo 76.° da Lei Geral Tributária;6.

A informação do ICEP não foi valorada por "fazer fé", mas sim no âmbito de uma livre e adequada formação da convicção do julgador.

7.

Deve o agravo ser considerado improcedente, mantendo-se assim a decisão recorrida.

SUBSIDIARIAMENTE, e em ampliação do âmbito do recurso:8.

O ónus da prova dos factos constitutivos do direito de proceder à cessação unilateral do Contrato de concessão de benefícios fiscais, nos termos da alínea a) do artigo 10.° do DL 289/92 cabe à administração tributária;9.

O acto recorrido não se fundamenta, como devia, na alegação de razões de factos atribuíveis a uma conduta culposa da recorrente;10.

Pelo que inexiste fundamentação para o Despacho que procedeu à resolução unilateral do contrato, tornando-o anulável.

11.

A decisão a quo ao não decidir conforme se conclui de 8. a 10. violou as seguintes normas: - Artigos 55.°, 74.°, 75.° e 77.°, n.° 1 da Lei Geral Tributária - n.° 4 do artigo 12.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais - artigo 10.º, alínea a) do DL 289/92 de 26 de Dezembro - alínea d) do n.° 1 do art. 668.° do Código de Processo Civil Termos em que, deve o agravo ser julgado improcedente, mantendo-se o acórdão recorrido, ou se assim não se entender, deve o Despacho recorrido ser anulado por falta de fundamentação, revogando-se nesta parte o acórdão recorrido».

1.3. O Exmº. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emite parecer nos seguintes termos: «1. Questão prévia do efeito fixado ao recurso.

Nas suas alegações o Exm° Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais suscita a questão prévia do efeito atribuído ao recurso, que entende dever ser o efeito suspensivo.

Afigura-se-nos que nesta parte deve proceder a argumentação do ilustre recorrente.

Com efeito neste tipo de processos (recurso contencioso do indeferimento total ou parcial ou da revogação de isenções e outros benefícios fiscais) o Tribunal Central Administrativo (tribunal recorrido) julga em primeiro grau de jurisdição, por isso o regime adequado é o dos recursos de agravo interpostos em primeira instância.

Por isso o recurso sobe mediatamente nos próprios autos (art. 734º, n° 1 do Código de Processo Civil) e tem efeito suspensivo (art. 105°, n° 1 da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos).

Assim e atento o disposto no art. 687°, n° 4 do Código de Processo Civil deve proceder a alegada questão prévia, fixando-se ao recurso o efeito suspensivo.

  1. Do objecto do recurso propriamente dito: O recorrente imputa ao Acórdão recorrido os seguintes vícios:

  1. Violação do disposto no art. 668°, als. c) e d) do Código de Processo Civil porque o acórdão recorrido não efectuou uma análise crítica da prova, designadamente da informação 2733/2002 de 03.09.2002 do ICEP, e porque o fundamento contido no acórdão quanto ao reconhecimento da dificuldade de justificação técnica da não imputabilidade da A... se encontra em oposição com a decisão; b) violação ainda do referido art. 668°, n° 1, al. c) do Código de Processo Civil porque a informação do ICEP em que se baseou a parte decisória do Acórdão não está devidamente fundamentada, apresentando-se como mero juízo valorativo sem apoio factual e base objectiva, contrariando assim o art. 76° da Lei Geral Tributária e não podendo por isso constituir base da decisão tomada.

    A nosso ver não lhe assiste razão.

    Vejamos.

    Nos termos do art. 668°, al. c) do Código de Processo Civil é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.

    Como ensina o Prof. José Lebre de Freitas, no seu Código de Processo Civil anotado, vol. II, pag. 670 "entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta (....). A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora da ineptidão da petição inicial (art. 193-2-b)".

    Porém, da análise do acórdão recorrido não se vislumbra qualquer contradição lógica ente os seus fundamentos e a parte decisória, nem vício de fundamentação que seja causa de nulidade.

    Alega o recorrente que da factualidade dada como provada pelo Tribunal - em que o parecer do ICEP de 03.09.2002 assume especial relevância -, decorre que não se pode afirmar que o incumprimento contratual da entidade recorrida (A..., SA) no âmbito do contrato de benefícios fiscais concedidos nos termos do Decreto-lei 289/92 não lhe é imputável.

    Só que analisando a parte decisória do douto acórdão recorrido (ponto 5.5, fls. 159) constata-se que não é essa a conclusão a que chega o TCA.

    O que ali se diz expressamente é que "da factualidade provada nos autos não decorre que o incumprimento seja imputável a culpa do recorrente, imputabilidade de cuja existência a lei (al. a) do art. 10º do Decreto-lei 289/92) faz "depender a possibilidade de rescisão unilateral do contrato".

    Ora não há qualquer contradição entre esta conclusão e a demais fundamentação do acórdão, designadamente a que faz apelo ao relatório do ICEP de fls. 200 a 203 dos autos.

    Ademais importa sublinhar que no caso o ónus da prova dos factos constitutivos do direito de fazer cessar unilateralmente o contrato de concessão de benefícios, decorrente do não cumprimento por facto imputável à entidade promotora (art. 10º, al. a) do Decreto-lei 289/92), incide sobre a administração tributária.

    É o que decorre do princípio de distribuição do ónus da prova acolhido nos arts. 100º do CPPT e 74° da LGT, de acordo com a melhor doutrina - Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 3ª edição, pág. 279 a 283. e a mais recente jurisprudência, e no sentido de que, em princípio, à administração tributária cabe o ónus da prova (objectivo, "material" ou "de averiguação") da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável) e, em contrapartida, cabe ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos, solução que corresponde à regra geral do art. 342.° do Código Civil, de que quem invoca um direito tem o ónus da prova dos...

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