Acórdão nº 0980/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Janeiro de 2006
Magistrado Responsável | PIRES ESTEVES |
Data da Resolução | 10 de Janeiro de 2006 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: A..., Procurador da República no Círculo Judicial da Guarda interpôs o presente recurso contencioso de anulação do acórdão do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público de 19/3/2002 que lhe atribuiu a classificação de Bom, relativamente ao serviço prestado enquanto Procurador da República no Círculo Judicial da Guarda, durante o período compreendido entre 25 de Fevereiro de 1998 e 31 de Dezembro de 2000, por estar inquinado com vários vícios.
Notificada para responder a entidade recorrida, a mesma não apresentou qualquer defesa, tendo enviado a título devolutivo o processo do Conselho Superior do Ministério Público composto por dois volumes e um apenso relativo à inspecção ao serviço prestado pelo recorrente.
Nas suas alegações, o recorrente formula as seguintes conclusões: "A) - O referenciado provimento 7/94, na interpretação da hierarquia, de que era regime bastante para regular as escusas da magistrada do 2º juízo, é um acto administrativo nulo, em conformidade com os artigos 123º, 124º, 133º e 134º do CPA, por padecer dos seguintes vícios: a) "violação de lei" - porque suprimiam a aplicação obrigatória e imprescindível do disposto no artº54º do CPP; b) "inconstitucionalidade " - arts. 32º nº 5, 202º, 203º, 219º, nº2 da CRP violavam e ameaçavam o princípio da estrutura acusatória em processo penal - artº32º CRP - violavam e ameaçavam o princípio da autonomia do Ministério Público - artº219º nº 2 da CRP; e os princípios da isenção, imparcialidade e independência dos tribunais como órgãos de soberania, segundo o disposto nos arts. 202º e 203º da mesma CRP.
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- A directiva do Of. 1117 da PGD é, igualmente, um acto administrativo nulo, em conformidade com os arts. 123º, 124º, 133º e 134º do CPA por se encontrar afectada dos seguintes vícios substanciais e formais: a) "incompetência" porque estabeleceu um regime que deveria revestir a forma de norma genérica; e quem tinha competência para emitir estas directivas era apenas a Procuradoria Geral da República - arts. 2º, nº 2 e 12º, nº 2, alínea b) - EMP - Lei 60/98 de 27 de Agosto; b) "usurpação de poder" porque o próprio procurador geral distrital chamou a si um poder que lhe era estranho segundo as leis do processo - decidir as escusas - só a Procuradoria da República poderia avocar os casos, e processo a processo - artº68º actual EMP e 51º LOMP); deste modo, criou um vazio nessas funções do Procurador da República.
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"violação de lei" porque obrigou e condicionou o procurador do Círculo Judicial a avocar os processos dos impedimentos ou escusas impedindo-os de nomear substitutos outros magistrados o que equivalia a constituir-se ele próprio substituto da magistrada sua subordinada; contrariando frontalmente o artº54º CPP; e porque substituiu o dever de proferir um juízo crítico sobre determinada situação caso a caso, por outro critério especial "intuitus personnae para se aplicar àquela magistrada, o que colide frontalmente com o disposto no artº54º do CPP; d) "violação de lei" por condicionar e obrigar o procurador a avocar processos sem qualquer complexidade, o que, como defendeu, contrariava o artº46º - LOMP; e) enfermava ainda de "inconstitucionalidade" por ameaçar a autonomia e independência do Ministério Público - arts. 202º, 203º, e 219º nº 2, todos da CRP; C) - Face ao disposto nos arts.123º, nº 1 e nº 2, alínea d) e 124º nº 1, al. a), 133º nºs 1 e 2 al. c) e 134º CPA as informações hierárquicas negativas dos boletins anuais são actos nulos ou inexistentes. E, porque consistem em restringir direitos, pode tal fundamento de invalidade ser conhecido a todo o tempo.
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- A interpretação efectuada pela Inspecção e homologada pelo CSMP, relativamente aos arts 193º EMP - Lei 47/86 de 15/10, redacção Lei nº60/98 de 27/8 e artº19º do Regulamento das Inspecções, na medida em que tolheu uma observação profunda e cruzamento de dados em posse do CSPM, para uma apreciação equitativa, constitui violação do disposto nos arts. 20º e 32º da Constituição da República Portuguesa.
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- Igualmente é inconstitucional a interpretação do artº113º EMP, na medida em que permitiu que se formulassem conclusões a partir de elementos sem apuramento exaustivo, designadamente de inquéritos que não haviam chegado à fase contraditória.
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- A conclusão a que o processo classificativo chegou revela-se formalmente violadora das regras da lógica, já que, de premissas que genericamente são positivas e até elogiosas para o trabalho do recorrente, e que constam do relatório da Inspecção, se retira uma conclusão desfavorável, qual seja a de lhe descer a mesma classificação o que inquina o raciocínio e o torna formalmente inválido".
Não contra-alegou a entidade recorrida.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer com o seguinte teor: "O acto que constitui o objecto do presente recurso é o Acórdão do Conselho Superior do Ministério Público de 19 de Março de 2002, o qual, confirmando a proposta contida no relatório da Inspecção efectuada ao recorrente Procurador A..., lhe atribuiu a classificação de "Bom" cfr fls 454 e 455 do processo instrutor apenso. É também esse Acórdão que o recorrente aponta como acto impugnado no início da sua petição de recurso - cfr fl. 2 - apesar de virem imputados vícios e requerida a declaração de nulidade de outros actos administrativos, nomeadamente do provimento nº 7/94, a Directiva do ofício 1117 da Procuradoria Geral Distrital e as informações hierárquicas dos boletins anuais - cfr. fls. 30.
Atendendo a que nenhum destes actos reveste a natureza e características de actos administrativos, nem é este o tempo nem o meio próprio de os impugnar, importa quanto àquele Acórdão, dizer o seguinte: Nos termos do artigo 26º, nº 1, da Lei Orgânica do Ministério Público, aprovada pela Lei nº 47/86, de 15 de Outubro, o Conselho Superior do Ministério Público funciona em Plenário ou em Secção por força do estatuído nos artigo 29º, nºs 1 e 5 daquela Lei Orgânica e 10º n º 1 e 13º, nº 5 ambos do Regulamento Interno da Procuradoria Geral da República, o Conselho Superior do Ministério Público funciona em secções, quando se trata de apreciar o mérito profissional, como acontece na situação que os actos contemplam e das respectivas deliberações cabe reclamação para o Plenário do Conselho e só as deliberações deste último são contenciosamente recorríveis.
Porque o recorrente não reclamou para o Plenário do CSMP do Acórdão da Secção que lhe atribuiu a classificação de Bom, o presente recurso há-de ser rejeitado por manifesta ilegalidade da sua interposição, dada a irrecorribilidade do acto que tem por objecto: artigo 25º da LPTA e 57º § 4º do RSTA, conjugados com as normas acima citadas.
Ainda que assim se não entendesse, sempre se diria que o recurso haveria de ser rejeitado porque intempestivamente interposto.
Na verdade o acto foi notificado ao recorrente no dia 4.04.02 (conforme se pode alcançar do documento junto a fls. 419 do processo instrutor apenso) e o recurso deu entrada neste STA em 6.06.02, após o termo final do prazo consignado no artigo 54º, nº 1 da LPTA. ….".
Ouvido o recorrente sobre as excepções suscitadas pelo Ex.mo Magistrado do MºPº, veio o mesmo defender, por um lado, que o acto recorrido deve ser tomado como uma deliberação do Plenário do Conselho e, por outro, que o prazo de interposição do recurso foi respeitado, porque a notificação do acórdão recorrido lhe foi feita através de carta registada expedida em 3/04/02 e recebida no dia imediato e o recurso foi expedido, sob registo em 3/06/02, por isso atempadamente.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
Resultam dos autos, e com interesse para a decisão, os seguintes factos: 1- Pelos serviços de inspecção do Ministério Público foi realizada uma inspecção ordinária, no Círculo Judicial da Guarda, que teve por objecto o serviço prestado por A..., enquanto Procurador da República nesse Círculo, no período compreendido entre 25 de Fevereiro de 1998 e 31 de Dezembro de 2000.
2- No decurso da inspecção, que teve início durante o mês de Dezembro de 2000, foram juntos ao respectivo processo o registo biográfico da recorrente e o certificado de registo disciplinar. Do registo biográfico constavam duas classificações de serviço relativas à sua actuação como delegado do Procurador da República sendo uma de "Bom" (ac. do CSMP de 16 de Abril de 1991) e outra de "Bom com Distinção" (ac. do CSMP de 15 de Novembro de 1995). Do respectivo certificado de registo disciplinar pode ver-se que por acórdão do Conselho Superior do Ministério Público de 7 de Março de 1989 lhe foi aplicada a pena de transferência por actos praticados como Delegado do Procurador da República, mas esta não produziu os seus efeitos devido à Lei nº 23/91, de 4 de Julho.
3- Em 20 de Março de 2001 o Sr. Inspector apresentou o relatório onde formulou as seguintes conclusões e proposta: "Do que se deixa exposto conclui-se ser o Lic. A... um magistrado que nas suas funções … se tem revelado muito trabalhador, empenhado com grande capacidade e disponibilidade para o trabalho. Sem grandes reparos a fazer no que respeita organização administrativa da Procuradoria …mostrou-se preocupado e atento na direcção coordenação e controlo dos serviços procurando resolver os problemas decorrentes da falta e instabilidade de magistrados e funcionários ….
No domínio processual diríamos que teve uma actuação basicamente correcta nos muitos processos que despachou na ajuda pontual a este ou aquele Magistrado ou nos processos que avocou, se bem que nestes, e nos casos observados, se não tenha surpreendido uma intervenção particularmente relevante como a maior experiência do Procurador da República faria adivinhar. No âmbito dos recursos uma actuação positiva, sem motivos porém para particulares referências elogiosas merecendo-nos mesmo reparo a forma, por vezes prolixa, nem sempre de fácil apreensão, como discutiu as questões suscitadas.
Menos bem...
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