Acórdão nº 01074/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 17 de Novembro de 2005

Magistrado ResponsávelFREITAS CARVALHO
Data da Resolução17 de Novembro de 2005
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo A... e mulher B..., interpõem recurso da sentença do Tribunal Administrativo do Círculo do Porto, que julgou parcialmente procedente a acção proposta contra o Município de Amarante e a Junta de Freguesia de Travanca, absolvendo esta última do pedido e condenando o Município de Amarante bem como o respectivo Presidente da Câmara Municipal, este como litigante de má fé.

O R. Município de Amarante e o respectivo Presidente recorreram igualmente da mesma decisão.

Os AA , aqui recorrentes, formulam as seguintes conclusões : 1 - A R. Freguesia de Travanca é a dona e possuidora do "Caminho de Marranque", em virtude de tal caminho não se encontrar incluído como estrada ou caminho municipal no cadastro existente na Câmara de Amarante, elaborado ao abrigo dos artigos 2° e 38° do Regulamento Geral das Estradas e Caminhos Municipais - Lei n° 2110, de 19.8.1961-, nem como tal se encontrar classificado pelo Plano das Estradas Municipais - DL n°42 271, de 20.5.1959-, pelo Plano dos Caminhos Municipais - DL n° 45 552, de 30.1.1964-, ou por qualquer outro diploma legal - cfr. alínea p) da especificação; 2 - Sendo assim, a Freguesia de Travanca é proprietária e possuidora do dito Caminho de Marranque, pelo que não pode subsistir qualquer dúvida de que se encontra preenchida a hipótese regra prevista no n° 1 do art° 492° do Código Civil: 3 - De resto, provou-se a culpa efectiva da Junta de Freguesia de Travanca, uma vez que o muro dos AA ruiu - cfr. alínea j) da especificação - por não estar preparado para suportar terras e não ter suportado também o peso das águas pluviais e de enxurro afluídas ao ponto mais baixo do caminho, e não drenadas pelos motivos referidos nos quesitos 8°, 9º, e 10º e ainda porque as sarjetas não foram regularmente desobstruídas - cfr. resposta ao quesito 15º -, tarefa esta que competia à Junta de Freguesia 4 - Assim, a Freguesia de Travanca é também responsável pelos danos causados - art° 483° do Código Civil ; 5 - Essa responsabilidade é solidária com a do Município, nos termos do preceituado no n° 2 do art°497° do mesmo código, ex vi do disposto no art° 4º, n°2, do DL n°48 051, de 21.11 1967; 6 - Os RR são responsáveis por todos os danos sofridos pelos AA pelo derrube do muro de vedação da sua propriedade e manutenção desse derrube, danos esses advindos do facto de a sua propriedade deixar de estar vedada e assim ser facilmente devassável, pela intrusão ou ameaça de intrusão de terceiros; 7 - O facto de o tribunal colectivo não ter dado resposta positiva ao quesito 3° do questionário - em que se perguntava se a redução da altura do muro veio permitir a fácil intrusão de terceiros na propriedade e começaram, na verdade, a ser frequentes tais intrusões"-, implica apenas que não se provou a efectiva intrusão de estranhos na propriedade dos AA até à resposta aos quesitos.

8 - Contudo, a falta de vedação da propriedade dos AA é, em si, um dano, susceptível de indemnização, pela ameaça para as pessoas e bens dos AA e de seus trabalhadores resultantes da potencialidade de fácil intrusão de terceiros e pela perda parcial de privacidade ; 9 - Esta conclusão, em sede de matéria de facto, de que a falta de vedação causou a possibilidade de fácil intrusão de estranhos na propriedade dos AA, alcança-se através de uma presunção judicial (presunção homínis), ao abrigo do preceituado nos artigos 349° e 351° do Código Civil; 10 - Embora o tribunal colectivo devesse, ao abrigo dos referidos preceitos, ter dado como provada essa possibilidade de fácil intrusão de estranhos na propriedade dos AA, o facto de ter dado resposta negativa ao quesito 3° não impede que o Supremo Tribunal Administrativo o faça, ao abrigo do disposto no n° 1, alínea b), do art° 712° do Código de Processo Civil, uma vez que não existem outros elementos que imponham decisão diversa nem essa ilação é susceptível de ser destruída por qualquer outra prova; 11 - Os AA não tinham que alegar, em concreto, quais os danos e o seu montante, bastando-lhes fazer um pedido genérico, como fizeram, de harmonia com o disposto no art° 569° do Código Civil e do art° 471°, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil; 12 - Sendo certo que ao juiz compete ordenar as diligências que entenda pertinentes, investigando, mesmo oficiosamente, os factos instrumentais tendentes ao apuramento do montante dos danos, de harmonia com o comando do art° 264°, n° 3, do Código de Processo Civil; 13 - Não dispondo o tribunal de elementos para calcular a indemnização desse dano, deve a fixação dessa indemnização ser relegada para execução de sentença, de harmonia com o disposto no art° 661°, n°2, do Código de Processo Civil; 14 - Mesmo no caso de o lesado não conseguir provar o montante dos danos e não ser possível averiguar o seu valor exacto, deve o tribunal fixar um quantum indemnizatório através do recurso a um juízo de equidade, nos termos do disposto no n° 3 do art° 566° do Código Civil; 15 - A conduta do Presidente da Câmara Municipal de Amarante integra os conceitos quer de má fé substancial ou material quer instrumental, porquanto ele sabia muito bem, desde muito antes da propositura da presente acção, que foi a obra de alteamento do "Caminho de Marrangue" que, mal planeada e mal executada, causou a perda da estabilidade do muro dos AA e mesmo a sua queda em larga extensão, pela deficiente drenagem das águas e enxurros e pela carga exercida pelos materiais colocados no leito do caminho que, nalguns locais, chegou a atingir 1,2 metros de altura, e o seu calcamento com pesadas máquinas; 16 - Assim, sabia muito bem que os AA tinham direito a que o muro fosse reposto na situação anterior 17 - De resto, a própria Câmara Municipal, na sequência do relatório unânime dos Peritos dos AA e da própria Câmara - vide Doc. n° 4 junto com a petição inicial -, reconheceu a obrigação de efectuar a obra de reconstrução do muros dos AA, através da deliberação de 02.11.1993, a que se refere o Doc. n° 6 junto com a petição inicial, e executou parte da reconstrução do muro, embora sem o reconduzir à altura que antes tinha; 18 - O Presidente da Junta de Freguesia de Travanca, por sua vez, sabia também que a obra de alteamento do referido caminho, com o acrescentar de muito material e o seu intenso calcamento, com pesadas máquinas, e bem assim o deficiente sistema de drenagem das águas pluviais e enxurros, agravada pela falta de limpeza das sarjetas, fora a causa da queda do muros dos AA; 19 - Não obstante, ambos os Autarcas negaram que o alteamento do caminho tivesse sido a causa da queda do muro dos AA; 20 - Sustentando, mentirosamente, que não se verificou alteamento do caminho com materiais nele colocados e que nalguns locais tenha atingido 1,2 metros de altura, mas que apenas se verificou o revestimento do leito do caminho, com cubos de 15 centímetros de espessura...! 21 - Assim como ambos negaram que se tivesse verificado um intenso calcamento desses materiais, com o uso de pesadas máquinas, facto que bem sabiam corresponder à verdade; 22 - Assim sendo, ao contestarem, bem sabiam o direito que assistia aos AA; 23 - A sua conduta, enquadra-se, pois, quer no conceito de má fé material ou substancial quer no de má fé instrumental; 24 - Pelo que ambos os autarcas devem ser condenados, conforme os AA pediram nas suas Alegações previstas no art° 657° do Código de Processo Civil, em multa e indemnização aos AA de, pelo menos, € 15 000 (quinze mil euros), pelas despesas e demais prejuízos que lhes causaram, além dos honorários do seu mandatário e dos seus peritos, quer no processo gracioso quer no presente processo, de harmonia com o preceituado, conjugadamente, nos artigos 456°, nos 1 e 2, alíneas a) e b), 457°, n° 1, alíneas a) e b), e 458°, todos do Código de Processo Civil - cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, Anotado, II Vol., págs. 279 e segs.

25 - De resto, mesmo que a conduta dos autarcas revestisse tão só a forma de má fé instrumental, nem por isso deixariam de estar sujeitos à obrigação de indemnização dos AA; Foram violadas, em relação à absolvição da R Freguesia de Travanca dos pedidos que contra ela foram deduzidos, de reconstituição do muro dos AA, de eliminação das sarjetas, de indemnização pela destruição da ramada e bem assim de indemnização pelos demais prejuízos causados aos AA, as seguintes disposições; - Artigos 483°, 487°, n°s 1 e 2, 492°, n.º1, 497º, n° 1 (ex vi do disposto no art° 40, n°2, do DL n°48 051, de 21.11.1967), 562°, 563°, 566° e 1305°, todos do Código Civil; - Artigos 90º e 91º do DL n° 100/84, de 29 de Março; - Artigos 2º, 3º, 4º, 6° e 7°, todos do DL n° 48 051, de 21 de Novembro de 1967; - Art° 22° da Constituição; - Artigos 2° e 38° do Regulamento Geral das Estradas e Caminhos Municipais No que toca à absolvição das RR dos prejuízos causados aos AA pela manutenção do derrube de vedação da sua propriedade, foram violadas as seguintes disposições: - Artigos 349° e 351°, do Código Civil; - Artigos 566°, n° 3, e 569° do mesmo Código e 471°, n° 1, alínea b), do Código de Processo Civil - Artigo 661°, n°2, e n°3 do art° 264°, ambos do Código de Processo Civil.

Foram ainda violados os artigos 456°, nos 1 e 2, 457°, n° 1 e 458°, todos do Código de Processo Civil, no que toca à absolvição do Presidente da Junta da Freguesia de Travanca do pedido de condenação, como litigante de má fé, em multa e indemnização, e à absolvição do Presidente da Câmara Municipal de Amarante do pedido de indemnização, por via da sua condenação com litigante de má fé.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e ser a sentença recorrida substituída por outra que, além da condenação já proferida, condene os RR Município de Amarante e freguesia de Travanca e bem assim o Presidente da Câmara Municipal de Amarante e o Presidente da Junta de Freguesia de Travanca, nos termos aqui expostos.

O Município de Amarante e o Dr. C... apresentaram, a fls. 544, as...

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