Acórdão nº 0731/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24 de Maio de 2005

Magistrado ResponsávelANTÓNIO MADUREIRA
Data da Resolução24 de Maio de 2005
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, os membros do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1. RELATÓRIO 1. 1.

A A..., B..., C..., e D..., todos com os devidos sinais nos autos, interpuseram, na Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, recurso contencioso do acto administrativo do Conselho de Ministros constante do Decreto-Lei n.º 15/2 003, de 30 de Janeiro, concretamente dos seus artigos 1.º e 2.º, que autorizou a exploração de jogos de fortuna ou azar em dois casinos, um situado no Estoril e outro em Lisboa, à E...

, dirigindo o recurso contra esta sociedade, o Município de Lisboa e o Instituto de Financiamento e Apoio ao Turismo.

Por despacho de 30/4/04 foi admitida como assistente, aos recorrentes, a F...

(fls. 354 dos autos).

Por acórdão da 1.ª Subsecção desta Secção de 23/9/04, o recurso contencioso foi rejeitado, por ter sido considerado extemporâneo (fls. 372-383).

Com ele se não conformando, os recorrentes interpuseram o presente recurso jurisdicional (no que não foram acompanhados pela assistente - F...), em cujas alegações formularam as seguintes conclusões (fls. 465-476):

  1. As recorrentes vêm, nesta sede, agravar do Acórdão proferido pela Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo que considerou que o acto publicado do DR a 30.1.03, não padece de qualquer vício gerador de nulidade, e o recurso contencioso apenas entrou em tribunal a 7.4.03, para além, assim, dos dois meses previstos no artigo 28° da LPTA (...) sendo, por isso, o recurso contencioso extemporâneo, não podendo prosseguir".

  2. A decisão de permitir a instalação de um Casino em Lisboa foi aprovada pelo Decreto-lei n.° 15/2003, do Conselho de Ministros, em 20 de Dezembro de 2002, com publicação a 30 de Janeiro de 2003.

  3. Da interpretação da legislação do jogo actualmente vigente em Portugal extrai-se inequivocamente a conclusão de que o legislador português procurou arredar a um objectivo de concorrência totalmente livre para que, com as necessárias limitações, se conseguisse criar uma concorrência saudável entre as duas formas de exploração de jogos de fortuna e azar.

  4. E verifica-se, ainda, não só uma inquestionável lesão dos direitos e interesses das ora recorrentes provocado pelo acto em crise nos autos, como ainda uma preterição dos interesses e dos direitos de diversos concessionários do jogo do Bingo do município de Lisboa e municípios limítrofes.

  5. Em sede de recurso contencioso de anulação, as recorrentes demonstraram perante esse Venerando Tribunal os pressupostos processuais em que assentava o seu pedido, designadamente a questão da recorribilidade do acto administrativo ínsito no Decreto-Lei n. ° 15/2003, a sua legitimidade activa, a legitimidade passiva da autoridade recorrida e dos contra-interessados e, finalmente, a questão da oportunidade da propositura do recurso contencioso de anulação contra tal acto.

  6. O que fizeram configurando a relação jurídica processual como estado em causa o pedido de declaração de nulidade.

  7. E uma vez configurada a relação jurídica processual, pretendem as recorrentes, pelo presente recurso, fazer a demonstração cabal de que o recurso contencioso de anulação é oportuno, dado o pedido e a causa de pedir formulados, a declaração de nulidade e vício de incompetência absoluta, podendo, por isso, o recurso ser interposto a todo o tempo.

  8. Mas ainda que assim não se entenda haverá que referir, contrariamente ao entendimento do douto acórdão recorrido, que o recurso foi interposto num momento em que ainda não haviam decorrido dois meses sobre a entrada em vigor do Decreto-Lei n. ° 15/2003.

  9. O acto em causa nos autos não foi efectivamente praticado pelo Governo, violando, assim, de forma manifesta, o disposto no artigo 9° do Decreto-Lei n.º 422/89, o qual refere que a competência para adjudicar concessões de jogo é do Governo.

  10. A propósito das alusões constitucionais e legais à competência administrativa do Governo referem Marcello Caetano, Freitas do Amaral e Marcelo Rebelo de Sousa, em obediência à jurisprudência unânime na matéria, que estas tanto podem respeitar ao órgão complexo (governo propriamente dito), como a cada um dos órgãos simples que o integram (Ministros, Secretários de Estado ou Subsecretários de Estado).

  11. Por outro lado, também é entendimento já antigo e desde 1938 da jurisprudência desse Venerando Supremo que se deve entender conferida ao Ministro da pasta respectiva a competência para a prática de actos quando a lei se limita a referir que a competência é do Governo sem dizer qual é o órgão a quem especificamente a comete - Esta jurisprudência foi acolhida por Marcello Caetano - cfr. Manual de Direito Administrativo, Vol. I, Almedina, Coimbra, 10ª ed., pág. 262 e por Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. I, Almedina, Coimbra, 2 ed., pág. 236.

  12. Ora, atento tudo quanto foi supra expendido, é inequívoco que o Decreto-Lei n.° 422/89 atribui ao Ministro da Economia a competência para adjudicar concessões de jogo e não ao Conselho de Ministros.

  13. No caso dos autos, o órgão que praticou o acto impugnado foi o Conselho de Ministros, sendo que o artigo 133° n.° 2 alínea b) do Código do Procedimento Administrativo expressamente faz cominar o desvalor da nulidade para actos praticados por órgãos estranhos às atribuições dos ministérios em que se integram ou das pessoas colectivas referidas no artigo 2° em que o seu autor se integre.

  14. No caso dos autos, as atribuições na matéria do jogo são, por lei, do Ministério da Economia, de maneira que a competência para a prática de actos nesse contexto é do Ministro da Economia.

  15. Com efeito, a competência do Conselho de Ministros, tal como ainda referido por Freitas do Amaral, consta do artigo 203° da Constituição e das leis avulsas que estabeleçam a necessidade de o Conselho de Ministros reunir e votar para se ocupar de determinados assuntos.

  16. Ora no caso dos autos verifica-se, efectivamente, que o autor do acto recorrido foi o Conselho de Ministros, sem que, no entanto, tivesse competência para o efeito: como já se viu, está em causa o exercício, ilegitimamente, pelo Conselho de Ministros, de um poder atribuído por lei ao Ministro da Economia.

  17. E conforme já se viu, o artigo 133°, n.° 2, alínea b), do C.P.A., aliás em adopção de jurisprudência e doutrina unânimes de longa data, determina serem nulos os actos estranhos às atribuições dos ministérios em que o seu autor se integre.

  18. Sendo certo que, relativamente ao " (...) Estado, o que separa juridicamente os Órgãos uns dos outros - e, nomeadamente, o que separa os Ministros uns dos outros - não é apenas a competência de cada um, são também, e sobretudo, as atribuições. É que (...) no Estado as atribuições estão repartidas por ministério - um para a Defesa, outro para as Finanças, outro para a Justiça, etc... (...) Isto significa, em termos práticos, que se o Ministério A praticar um acto sobre matéria estranha ao seu ministério, porque incluída nas atribuições do ministério B, a ilegalidade desse seu acto não será apenas a incompetência por falta de incompetência, mas sim a incompetência por falta de atribuições. Quer dizer: o acto não será meramente anulável, mas nulo; (... ) no Estado (... ) são as próprias atribuições que se encontram repartidas pelos vários ministérios, pelo que cada Ministro prossegue atribuições específicas (finanças, economia, educação, saúde) embora usando poderes jurídicos idênticos aos dos seus colegas de Governo (autorizar, nomear, contratar, punir). (...) Quer dizer: (…) os vários órgãos { no Estado] ( ... ) têm competências idênticas para prosseguirem atribuições diferentes. " cfr. Freitas do Amaral, Curso..., Vol. 1, págs. 606 in fine e 607.

  19. Mas a ser assim, então é absolutamente óbvio que a prática, pelo Conselho de Ministros - órgão colegial do Governo -, de um acto fora da matéria das atribuições do Ministério Presidência do Conselho de Ministros no qual se integra aquele Conselho, mas no âmbito das atribuições do Ministério da Economia, tem por consequência que esse acto se encontra ferido de um vício de incompetência por falta de atribuições, i.e., é um acto nulo.

  20. De tudo quanto fica dito resulta inequívoco que o recurso interposto pelas ora recorrentes foi oportuno, uma vez que a lei não estabelece qualquer prazo para interposição de recursos contenciosos de anulação quando o pedido é o de declaração de nulidade do acto.

  21. Conforme é jurisprudência unânime dos Tribunais portugueses, a verificação dos pressupostos processuais pelo Tribunal é feita relativamente à relação jurídica processual tal como configurada pelo autor.

  22. Sendo assim, então não há dúvida de que, relativamente a um recurso cujo pedido é a declaração de nulidade de um acto administrativo, esse recurso pode ser interposto a todo o tempo nos termos do artigo 28° da L.P.T.A.: é exactamente isso que acontece no caso dos autos.

  23. No entanto o douto Tribunal a quo, entendeu que podia conhecer da matéria do fundo da causa e julgar improcedente o vício alegado pelas recorrentes a propósito da decisão relativamente aos pressupostos processuais - o que manifestamente é ilegítimo, uma vez que o fez antes das alegações e antes do julgamento da matéria de Direito, em violação de quanto consta, designadamente, dos artigos 57° da LPTA e 75° do RSTA.

  24. Termos em que é ilegal a decisão recorrida ao rejeitar o recurso por entender não fundado e não provado o vício de incompetência absoluta imputado ao acto recorrido numa fase processual em que, claramente, o não podia fazer.

  25. No entanto, e caso se considere que os vícios de que padece o acto recorrido não são fonte de nulidade, mas sim de anulabilidade - o que se concebe sem, no entanto conceder -, impõe-se determinar, se, ainda assim, o recurso é oportuno.

  26. O acto recorrido foi, efectivamente, publicado, no dia 30 de Janeiro de 2003, tendo entrado em vigor no dia 4 de Fevereiro de 2003 por força do disposto na Lei n.° 6/83, de 29 de...

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