Acórdão nº 0636/04 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 28 de Abril de 2005

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução28 de Abril de 2005
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

O Instituto da Água (INAG) e Instituto de Hidráulica, Engenharia Rural e Ambiente (IHERA), intentaram, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, acção declarativa, com a forma de processo comum ordinário, contra as sociedades comerciais consorciadas A..., S.A.; ...l, S.A.; ..., S.A.; ..., S.A.; ..., L.da, pedindo a declaração de nulidade do Acórdão Arbitral de 15.10.2001 - proferido no âmbito da denominada "Arbitragem Odeleite", na qual foram Autoras as agora Rés e Rés as aqui Autoras - na parte em que decidiu ser o Tribunal Arbitral competente para julgar o pedido de condenação dos Autores no pagamento de uma indemnização por prejuízos respeitantes ao subperíodo compreendido entre Julho de 1995 e Maio de 1996 e na parte em que os condenou a pagá-la.

Para tanto, e em síntese, alegaram: Que o Tribunal Arbitral infringiu as regras atinentes à sua competência, tendo exorbitado o objecto definido pela al. b), do n.º 2, da Cláusula 1.ª do Compromisso Arbitral, o que era causa de nulidade, nos termos da al. b), do n. ° 1, do art. 27.° da LAV.

Que o Tribunal Arbitral infringiu as regras respeitantes aos seus poderes de cognição, uma vez que, para fundamentar a decisão relativa à sua competência, procedeu a uma "integração" do compromisso arbitral com base, fundamentalmente, na resposta que deu ao quesito 800.°, e nesta pronunciou-se sobre questão não suscitada por qualquer das partes nos respectivos articulados. O que também era fundamento de nulidade nos termos da e), do n.º 1, do art. 27.° da LAV.

A condenação referente aos prejuízos verificados no referido período foi no montante de 640.414 contos e correspondeu a 64,57% do valor peticionado.

Citadas, as Rés invocaram, como questões prévias, a incompetência material do Tribunal, a inadmissibilidade do pedido, e a irrecorribilidade da decisão do Tribunal Arbitral, e no tocante ao mérito alegaram que: A resposta do Tribunal Arbitral ao quesito 800.° não enfermava de qualquer vício, tratando-se de uma resposta negativa acompanhada de um esclarecimento; Tal resposta não constituía uma "questão", pelo que não se encontrava abrangida pela previsão da al. e), do n.º 1, do art. 27.° da LAV.

Acrescia que os Autores não suscitaram esta nulidade perante o Tribunal Arbitral, a quem cabia o poder de a suprir, de acordo com o art. 668.° do CPC.

O Tribunal tomou em consideração todos os factos articulados pelas partes e dados como provados e não apenas nem principalmente a resposta ao quesito 800.°.

As declarações negociais devem ser interpretadas atendendo ao fim do tipo negocial em causa, e do fim do Compromisso Arbitral deduz-se que o objectivo das partes era o de decidir a totalidade do diferendo existente entre elas à data da sua celebração.

Daqui resulta que os prejuízos referidos no requerimento e ofício citados no n.º 2 da Cláusula 1.ª do Compromisso Arbitral tinham natureza meramente indicativa e que este incluía no seu âmbito todos os prejuízos, desde que decorrentes da mesma matéria factual e com a mesma natureza, ocorridos até à data da sua celebração.

A expressão constante da al. b) do n.º 2 da Cláusula 2.ª do Compromisso Arbitral - "limitando-se o diferendo apenas e tão só ao montante peticionado e não aceite pelo Dono da Obra" - foi incluída naquele texto por iniciativa dos representantes do Consórcio com o objectivo de deixar claro que não seriam objecto de arbitragem as pretensões do Consórcio apresentadas através da referida reclamação de 07.08.1995, que tinham sido aceites pelo Dono da Obra.

O Tribunal não pode, em sede de acção de anulação, apreciar a questão decidida pelo Tribunal Arbitral que versa sobre a interpretação ou integração da Convenção de Arbitragem, designadamente quando o Tribunal Arbitral julgou segundo a equidade. No mínimo, o tribunal está obrigado a assentar a sua decisão na matéria de facto fixada pelo Tribunal Arbitral, na qual se inclui a decisão deste, relativa à integração do compromisso arbitral.

Por douta sentença de 18/12/2003 (fls. 552 a 580) as questões prévias que as Rés suscitaram foram consideradas improcedentes e, no tocante ao mérito, foi declarada a incompetência do Tribunal Arbitral para decidir sobre os prejuízos respeitantes ao período compreendido entre Julho de 1995 e Maio de 1996 e, consequentemente, foi decidido anular a decisão daquele Tribunal na parte em que decidiu ter competência "para julgar o pedido de condenação em indemnização pelos prejuízos respeitantes ao subperíodo compreendido entre Julho de 1995 e Maio de 1996 e, consequentemente, na parte que condenou os Autores a pagar-lhe o montante de 640.414 contos." Inconformadas, as Rés agravaram para este Tribunal tendo formulado as seguintes conclusões:

  1. Dispõe o artigo 66º do C.P.C. que "são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional".

  2. E o artigo 67º do mesmo Código: "As leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão de matéria, são da competência dos tribunais judiciais dotados de competência especializada".

  3. Pela presente acção, os Autores pretendem a anulação parcial de uma decisão proferida por Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto no art.º 27.º da Lei nº 31/86, de 29/8.

  4. Não existe nenhuma norma legal que determine que a presente causa - anulação de uma decisão proferida por Tribunal Arbitral - seja da competência dos tribunais administrativos.

  5. Em nenhum dos preceitos invocados pelos Autores (art.s 9º, n.ºs 1 e 2, 51.º, nº 1, g) do ETAF e 253.º n.º 2 do D.L. n.º 59/99, de 2/3) nem nos referidos na decisão recorrida (art.ºs 2º/2 do ETAF e 27º/1 da LAV, ex vi 1º da LPTA) se atribui competência à jurisdição administrativa para conhecer da presente causa.

  6. Por isso, afigura-se-nos que se está sob a alçada do disposto no art.º 66º do C.P.C., pelo que a competência para conhecimento da presente causa é do Tribunal Judicial comum.

    Decidindo ser competente este Tribunal para apreciar o presente litígio, a douta decisão recorrida violou o disposto nos art.ºs 66º e 67º do C.P.C. e interpretou erradamente os artigos 2º, n.º 2, do ETAF e 27.º, nº 1, da LAV.

  7. Nos termos do n.º 3 do art.º 21º da Lei n.º 31/86, "a incompetência do tribunal arbitral só pode ser arguida até à apresentação da defesa quanto ao fundo da causa, ou juntamente com esta".

  8. Os Autores, em bom rigor, não arguiram a incompetência do Tribunal na contestação apresentada no processo arbitral, nem o fizeram antes da contestação.

  9. Os Réus sustentaram que o Tribunal deveria rejeitar o pedido dos Autores no processo arbitral relativamente aos alegados prejuízos ocorridos durante o período compreendido entre Junho de 1995 e Maio de 1996, o que é mesmo incompatível com arguição de incompetência do Tribunal, uma vez que, para rejeitar parcialmente o pedido, o Tribunal tem de o apreciar.

  10. Em rigor, no processo arbitral, os Autores limitaram-se a discutir a interpretação do compromisso arbitral, para concluírem que uma parte do pedido deveria ser rejeitado, sem arguirem a incompetência do Tribunal.

  11. Resulta da letra e da ratio do art.º 27º, n.º 2, da LAV que as partes não poderão pretender anular a decisão arbitral se não tiverem arguido expressamente a incompetência do Tribunal Arbitral, nos termos referidos; se o não tiverem feito, a lei presume que aceitaram a jurisdição do Tribunal Arbitral para decidir todas as questões suscitadas no processo, quer tenham sido incluídas, quer não, na convenção de arbitragem.

  12. Decidindo que as Rés no processo arbitral arguíram correctamente a incompetência do Tribunal Arbitral, a decisão recorrida violou o disposto nos arts 21.º, n.º 3, e 27.º, n.º 2, ambos da LAV.

  13. Os factos apurados pelo Tribunal Arbitral impunham que se considerasse abrangida pela convenção de arbitragem toda a matéria da causa de pedir e do pedido invocada na petição das Autoras do processo arbitral, sob o tema "Reposição do equilíbrio das prestações contratuais", de harmonia com o disposto nos artigos 236.º e 237.º do Código Civil.

  14. Para determinar o sentido das declarações negociais contidas no Compromisso Arbitral é necessário atender ao fim deste. Considerando que o fim deste tipo negocial é a obtenção de uma decisão mais célere e mais adequada à natureza e às particularidades do litígio em apreço, por se fundar na equidade, seria um contrasenso entender que o sentido das declarações contidas no Compromisso Arbitral é o de submeter exclusivamente uma parcela da pretensão de reposição do equilíbrio contratual a esse julgamento, relegando a outra parcela para um futuro julgamento, eventualmente por outro Tribunal e para decidir, já não segundo a equidade. p) Qualquer declaratário minimamente razoável, perante tais declarações negociais, deduziria do fim do tipo negocial em causa que o objectivo das partes era o de decidir a totalidade do diferendo existente entre elas à data do compromisso arbitral, concluindo, portanto, que a globalidade da pretensão estaria sujeita ao Tribunal Arbitral.

  15. Da matéria de facto apurada, da leitura atenta dos documentos citados na al. b) do n.º 2 da cláusula 1ª do Compromisso Arbitral, e de todos os dados disponíveis, resulta que a referência "ao montante peticionado não aceite pelo Dono da Obra", visou excluir do âmbito da Arbitragem a parte da reclamação apresentada pelo Consórcio que já tinha sido aceite pelo Dono da Obra.

  16. Aliás, nunca poderia ser outro o sentido daquela expressão, uma vez que da reclamação do Consórcio apresentada em 07.08.95 e expressamente referida no Compromisso Arbitral sob a rubrica "Reposição do Equilíbrio das Prestações Contratuais", constavam vários prejuízos declaradamente não apurados nem quantificados, que o Dono da Obra (os ora Autores) sempre admitiram estar incluídos no objecto da Arbitragem.

  17. Deve atender-se a que essa expressão inserta no Compromisso não era "limitando-se o diferendo apenas e tão só ao montante peticionado", mas, o que é substancialmente diverso, "ao montante peticionado não aceite pelo...

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