Acórdão nº 048122 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19 de Abril de 2005

Magistrado ResponsávelJORGE DE SOUSA
Data da Resolução19 de Abril de 2005
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1 - A..., ..., ..., ..., ..., e ... interpuseram neste Supremo Tribunal Administrativo recurso contencioso de anulação do Despacho do Senhor Ministro da Agricultura e do Senhor Secretário de Estado do Tesouro e Finanças, de 10 e 28 de Maio de 2001, que fixou em 2.920.517$00, acrescida de actualização e de juros, a indemnização definitiva pela privação do uso da terra relativa às propriedades "..." e "..." sitas nas freguesias de S. João de Negrilhos e Ferreira do Alentejo, respectivamente, a atribuir a ..., de quem os Recorrentes invocam serem herdeiros.

Os Recorrentes apresentaram alegações, com as seguintes conclusões: A. A indemnização fixada tem por base os valores atribuídos apenas a solo não irrigável (solo das classes C e D), - culturas arvenses de sequeiro - quando na realidade deve ser também avaliado o rendimento perdido referente ao solo de regadio, por ter sido este o que determinou a expropriação pelas leis da reforma agrária.

  1. O procedimento de cálculo e fixação das indemnizações é definido pela da Lei 80/77 e pelo D.L. 199/88, com as alterações introduzidas pelo Decreto Lei nº 38/95, de 14 de Fevereiro, sendo as fórmulas técnicas necessárias as aprovadas pela Portaria nº 197-A/95, de 17 de Março.

  2. A indemnização a atribuir decorrente das situações da Reforma Agrária não visa a reconstituição integral, mas a atribuição de compensação pecuniária que cumpra as exigências mínimas de justiça e que não conduzam ao estabelecimento de montantes irrisórios nos termos do art. 94º da Constituição.

  3. A alteração operada pelo Decreto-Lei nº 38/95 determina que sejam tidos em conta os tipos de cultura praticada e não as áreas cultivadas, como forma de assegurar a justa compensação nos termos do art. 7º do Decreto-Lei nº 199/88.

  4. O procedimento previsto no Decreto Lei nº 199/88, é vinculado não existindo qualquer margem de livre apreciação confundindo-se os princípios gerais, de igualdade justiça e proporcionalidade com o princípio da legalidade (art. 3º do CPA) entendido este no sentido de que a actividade administrativa tem como pressuposto a lei e o direito, entendido este como uma ideia justa da lei.

  5. A interpretação adoptada por contrariar o art. 9º do Código Civil, que impõem ao intérprete que use de bom senso, presumindo que o legislador consagrou as soluções mais acertadas, está ferida de ilegalidade.

  6. A determinação do valor da indemnização haverá de fazer-se no processo administrativo especial, previsto nos artigos 8º e 9º do D.L. 199/88, de 31.05, através das indagações que se mostrarem adequadas e necessárias e com todos os meios de prova legalmente admissíveis, e do art. 6º da Portaria nº 197-A/95. A fixação por titular do direito através de três processos distintos viola abertamente os preceitos citados, inquinando a decisão recorrida.

  7. A interpretação adoptada, na medida em que conduziu a montantes irrisórios, viola o direito a "justa indemnização" previsto no artigo 94º da Constituição, na medida em que não cumpre as exigências mínimas de justiça que se exigem num Estado de Direito.

    l. O despacho recorrido ofende ainda o princípio da boa-fé, (art. 6ºA do CPA) que vincula a administração nas relações com os particulares, frustrando a confiança suscitada nos recorrentes com a primeira proposta e destituindo de significado o direito de participação que lhes permitiu discuti-la e aceitá-la.

  8. Foi deduzido integralmente no quinhão fixado à titular ..., o montante das indemnizações provisórias, no valor de 79 811$, que em globo foi pago aos três comproprietários o que torna incorrecto o montante fixado pelo acto ora recorrido que não levou em linha de conta as deduções previstas na lei.

  9. O montante fixado pertence por herança, nas proporções individuais de 4/12 para o 1º e 4º recorrentes e 1/12 para os restantes, aos recorrentes que deveriam ter sido habilitados como requereram e era de lei.

    Termos em que, por violar as normas dos art. 94 e art. 268º nº 3 da CRP; o art. 9º e 13º do C.Civil; o art. 3º, 4º 6º-A, 124º e 125º do CPA; o art. 5 nº 1 e 2 alínea b) do Decreto-lei nº 199/88 (com a alteração do DL 38/95) e o artigo 7º na versão original; bem como o art. 6º da Portaria nº 197-A/95; Por assentar em errados pressupostos; Por se encontrar inadequadamente fundamentado; Deve ser dado provimento ao presente recurso e anulado o acto recorrido com as legais consequências.

    O Senhor Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas contra-alegou, concluindo da seguinte forma: A - A indemnização devida aos expropriados em consequência das medidas da reforma agrária é fixada por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas - nº 1 do art. 15º da Lei nº 80/77, de 26.10.

    B - Todos os actos anteriores à prolação daquele despacho são meros actos instrutórios e preparatórios daquele, não criando direitos aos administrados, para além do de serem ouvidos no termo da instrução.

    C - Na interpretação da norma não pode dar-se-lhe entendimento que não tenha correspondência na letra.

    D - O modo de cálculo da indemnização pela perda de fruição está previsto no art. 5º do D.L. nº 199/88, de 31 de Maio, que manda atender à perda de rendimento sofrida pela indemnizando durante esse período.

    E - O mesmo artigo, na redacção dada pelo D.L. nº 38/95, de 14 de Fevereiro veio especificar como se apura o rendimento e, relativamente ao rendimento líquido das culturas de regadio, manda atender as culturas permanentes efectivamente praticadas à data da ocupação, expropriação ou nacionalização, por hectare e ano da privação.

    F - Pretende o legislador, como afirma no preâmbulo do D.L. nº 38/95 "conferir maior objectividade e simplificação aos critérios para a determinação da indemnização e face ao desiderato de se alcançar uma avaliação justa... os respectivos critérios de cálculo deverão basear-se nos dados relativos à exploração efectivamente praticada nos prédios rústicos à data da ocupação..." pelo que não pode o preceito ser interpretado de modo a contrariar o desiderato do legislador, como pretende o recorrente, considerando-se as culturas habitualmente praticadas.

    G - Este entendimento não viola o princípio da igualdade, pois todas as indemnizações foram calculadas do mesmo modo e tem já acolhimento na jurisprudência do STA (v.d. acórdão de 7.02.02, no recurso nº 47 393).

    H - Nem viola o princípio da justa indemnização consagrado no art. 62º, nº 2 da C.R.P., pois as indemnizações no âmbito da reforma agrária estão previstas no art. 94º (anterior 97º) da Constituição.

    I - Aos recorrentes, enquanto sucessores na herança na proporção de 1/3 foi-lhes deduzido também apenas 1/3 no valor da indemnização provisória, como eles próprios afirmam no recurso nº 48 120 da 1ª Secção do STA em que são também recorrentes.

    J - O despacho recorrido fez correcta aplicação da lei pelo que Deve o presente recurso ser julgado improcedente, com as legais consequências.

    O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos: Vem interposto recurso contencioso de anulação do despacho conjunto dos Srs Ministro da Agricultura e Secretário de Estado do Tesouro e Finanças de 10 e 28.05.2001, que fixou a indemnização definitiva devida aos recorrentes pela privação temporária do uso da terra, no âmbito da reforma agrária, de prédios em relação aos quais foram habilitados como herdeiros no decurso do procedimento previsto no art. 8º do DL 199/88 de 31.05.

    Para os recorrentes o acto impugnado mostra-se afectado do vício de violação de lei - por violação do disposto nos arts 3º, 4º, 6ºA, 124º e 125º do CPA, 5º nº 1 e 2 alínea b) do DL 38/95 e 7º do DL 199/88 de 31.05, 6º da Portaria nº 197-A/95 de 17.03, do art. 94º da CRP e dos princípios constitucionais da boa-fé e da justiça -, e de vício de forma - por inadequada fundamentação.

    Passamos a emitir parecer.

    Tendo em consideração a natureza dos vícios imputados ao acto, afigura-se-nos que a apreciação do vício de falta de fundamentação deverá preceder a do vício de violação de lei.

    Como se extrai do teor das alegações dos recorrentes, a imputação do aludido vício resulta não só da fundamentação do acto recorrido, cujos termos aqueles qualificam de inconsequentes e contraditórios, como é ainda reflexo de deficiências que afectam o procedimento administrativo previsto nos arts 8º e 9º do DL 199/88 de 31.05.

    No que concerne ao referido procedimento, as deficiências respeitarão, em síntese, ao facto de, tendo-se procedido, embora, à apensação dos processos inicialmente instaurados, em obediência ao disposto no nº 2 do art. 5º da Portaria nº 197-A/95 de 17.03, a informação nº 1511/98, na qual se fundamentou o despacho recorrido, se reportar a cada um dos comproprietários inicialmente considerados quando fixou o montante a atribuir a título de indemnização definitiva, e, contraditoriamente, ao conjunto dos interessados quando mandou deduzir o montante pago a título de indemnização provisória.

    Pensamos, todavia, que neste ponto não assiste razão aos recorrentes, porquanto, se bem que os termos utilizados não primem pela clareza e evidenciem a deficiência assinalada, o certo é que a leitura atenta do despacho permite apreender o correcto sentido de uma decisão que uma exposição pouco cuidada tornou, no mínimo, confusa.

    Quanto à invocada inconsistência e contradição de que, segundo os recorrentes, enfermam os termos do despacho no que diz respeito à determinação dos montantes fixados, afigura-se-nos que antes configura vício de violação de lei, como passamos a apreciar.

    O que está em causa no presente recurso é a questão de saber se a indemnização definitiva fixada pelo despacho recorrido a favor dos titulares do direito de indemnização devida pela nacionalização de prédios ao abrigo da legislação sobre reforma agrária é de molde a assegurar uma justa compensação pela privação temporária do uso e fruição dos...

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