Acórdão nº 01083/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Fevereiro de 2005

Magistrado ResponsávelEDMUNDO MOSCOSO
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2005
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO: 1 - A…, id. a fls. 2, interpõe recurso jurisdicional da sentença do TAC de Lisboa que negou provimento ao recurso contencioso de anulação que dirigira contra o despacho do VEREADOR DO DEPARTAMENTO ADMINISTRATIVO DA CÂMARA MUNICIPAL DE SINTRA, de 03.05.95 "que ordenou o embargo das obras de construção que levava a efeito na Rua …, nº …, em Macieira" Na respectiva alegação, formulou as seguintes CONCLUSÕES: I - Inexiste norma que faça impender sobre o particular o dever específico ou geral de apresentação de documento onde conste a representação gráfica da realidade envolvente do terreno onde se pretende promover determinada operação urbanística; II - A imputação do dever de promoção da indispensabilidade do documento supra referido para correcta instrução do procedimento de licenciamento deve ser feita à Administração; III - Este dever decorre dos princípios enunciados no CPA do inquisitório e da colaboração entre a Administração e os particulares, quando aplicados à realidade do procedimento de licenciamento; IV - O "tempo" procedimental correcto para a solicitação deste elemento pela Administração é a fase de saneamento e apreciação liminar, prevista no art.º 16º do RLOP; V - Inexistiu má-fé por parte do Recorrente no que respeita à não representação dos elementos relativos ao prédio contíguo ao terreno objecto da operação urbanística; VI - A Entidade Recorrida poderia ter tido acesso a esta informação quer mediante solicitação ao particular quer mediante análise do processo físico do procedimento de licenciamento do prédio contíguo, que correu os seus termos nos mesmos serviços camarários; VII - Ao não solicitar os elementos referidos, causou a Administração a formação de caso decidido formal no âmbito do procedimento, não podendo o aspecto em questão ser objecto de nova decisão no âmbito do procedimento; VIII - Pretende a Administração, erradamente, imputar consequências jurídicas negativas ao particular Recorrente advenientes de negligência sua, porquanto o particular não concorreu para o deficit de informação da entidade licenciadora; IX - Não pode concluir-se pela ma fé da conduta procedimental do ora Recorrente; X - Pelo que a sentença recorrida ao decidir, nesta matéria, como decidiu violou por errada interpretação e aplicação as normas legais referidas; XI - A ter havido desrespeito pelo art.º 75º do RGEU, o desvalor jurídico do acto de licenciamento seria mera anulabilidade, por força do art.º 135º do CPA; XII - O acto de licenciamento é um acto constitutivo de direitos, pelo que é irrevogável por mérito e revogável por ilegalidade apenas até ao decurso dos prazos para impugnação contenciosa; XIII - À data da prática do acto de embargo já haviam decorrido todos os prazos de impugnação contenciosa, tanto referentes a entidades públicas como a terceiros interessados; XIV - A haver vício da vontade administrativa aquando do acto de licenciamento do projecto de arquitectura, por erro sobre a realidade subjacente, tal vício já não existia aquando do licenciamento das alterações ao projecto de arquitectura; XV - O embargo foi praticado após o decurso do prazo de um ano após o conhecimento da alegada existência de uma vontade viciada; XVI - Não poderia ser o acto de embargo praticado ao abrigo de ilegalidade geradora de mera anulabilidade do acto de licenciamento de alterações ao projecto de arquitectura; XVII - Quando não se fundamente em desconformidade das obras promovidas em relação à licença, mas sim em invalidade da licença, o embargo é um acto secundário, ou seja, um acto sobre acto; XVIII - O embargo é um acto acessório de ulterior acto principal tendente à tutela da legalidade urbanística; XIX - Inexistia possibilidade jurídica de praticar acto tendente a intimar o particular a proceder a alterações ao projecto ou à demolição do edificado com o fundamento invocado, pelo que não seria, obrigatoriamente, possível a prática de acto tendente a tutelar o efeito útil de hipotética intimação; XX - Conclui-se que o presente acto de embargo é ilegal, por violação de lei, porquanto revoga acto constitutivo de direitos anterior em data posterior ao termo final do prazo para proceder a essa mesma revogação, por aplicação dos artigos 141°, n.º 2, do CPA, e 28° da LPTA; XXI - Pelo que a douta sentença recorrida violou as normas dos artigos 135°, 136°, 140° e 141º, todos do Código do Procedimento Administrativo; XXII - Os poderes inerentes à aplicação do art.º 75° do RGEU são, em parte, discricionários; XXIII - Na aplicação deste normativo deve a Administração proceder ao preenchimento de conceitos indeterminados, definindo o que entende por "susceptibilidade de prejudicar as condições de iluminação ou ventilação"; XXIV - O percurso cognoscitivo e valorativo da actividade administrativa ora em análise terá, obrigatoriamente, que passar por três fases: a) definição abstracta do conceito de "condições mínimas de iluminação e de ventilação"; b) aferição em concreto das condições de iluminação e ventilação existentes ou que se prevêem existir após a efectivação da operação urbanística; c) recondução da realidade fáctica ao conteúdo previamente definido do conceito legal.

XXV - É este o percurso cognoscitivo e valorativo que terá de constar de fundamentação de acto que aplique o referido art.º 75°; XXVI - A Administração limitou-se a referir o artigo aplicado, não demonstrando o iter que conduziu à sua aplicação; XXVII - A insuficiência da fundamentação fornecida é mais patente quanto o acto em causa contraria dois anteriores juízos de compatibilidade entre a operação urbanística a promover e o referido artigo; XXVIII - O artº 125º do CPA impõe, de uma forma clara, que a insuficiência de fundamentação equivale à falta absoluta de fundamentação; XXIX - É inválido o acto impugnado por violação do artigo 125°, nº 1, do CPA, por insuficiência da fundamentação; XXX - Pelo que, também por essa razão deve a sentença recorrida ser revogada, com fundamento na errada interpretação dos artigos 124º e 125º do Código do Procedimento Administrativo; XXXI - O acto impugnado padece também de vício de desvio de poder; XXXII - Inexistiu qualquer ponderação de interesses inerente à prática do acto de embargo; XXXIII - Os únicos interesses considerados foram os interesses privados da proprietária contra-interessada, porquanto se ignoraram não só os direitos adquiridos do particular Recorrente como os dois juízos positivos sobre a mesma matéria realizados pela Administração, que ignorou esta auto-vinculação; XXXIV - O acto de embargo é, portanto, ilegal, por ter sido praticado com desvio de poder, violando, assim, o artigo 19º da Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo; XXXV - Pelo que, ao decidir pela não verificação do vício de desvio de poder a sentença recorrida é ilegal, por violação do art.º 19º da Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo.

Termos em que o presente recurso deve ser julgado procedente e, em consequência, revogada a sentença recorrida.

2 - Em contra-alegações a entidade recorrida formulou as seguintes CONCLUSÕES: I - A construção do...

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