Acórdão nº 01180/04 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Fevereiro de 2005

Magistrado ResponsávelBAETA DE QUEIROZ
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2005
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

1.1.

A… e B…, a primeira residente em Lisboa e o segundo em …, Azeitão, recorrem da sentença do Mmº. Juiz da 2ª Secção do 2º Juízo do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa que julgou improcedentes os embargos deduzidos contra a diligência de arrombamento das portas de imóvel efectuada em execução fiscal pendente contra C….

Formulam as seguintes conclusões: «Os Recorrentes entendem, com o devido respeito, que a douta decisão recorrida não procedeu a correcta apreciação da matéria de facto.

Porquanto,I.

Da subsunção jurídica da matéria de facto dada como provada resulta a verificação, in casu, de todos os requisitos essenciais da atendibilidade do processo de embargos de terceiro, de acordo com a lei processual tributária: a tempestividade da petição de embargos deduzidos em 2000-01-11; a qualidade dos Recorrentes de terceiros face ao processo de execução no âmbito do qual se verificou a diligência ofensiva da posse; a ofensa da posse, consubstanciada no acto de arrombamento, ocorrido em 1999-12-14.

II.

Foram os embargos de terceiro deduzidos tempestivamente, no prazo de 30 dias contados do dia em que foi praticado o acto lesivo da posse - diligência judicial do arrombamento, acto no qual se traduziu a agressão patrimonial, nos termos do artigo 319.º, n.º 2, do Código de Processo Tributário e conforme decisão deste Venerando T.C.A., na sua douta decisão, proferida em 4 de Julho de 2000, concedendo provimento ao recurso interposto do douto despacho do Mm.º Juiz a quo que indeferiu in limine a petição inicial dos embargos com fundamento na procedência da excepção dilatória de caducidade do direito de acção.

III.

Considerando a lei (vide artigo 351.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) terceiro, em relação a qualquer acção judicial, todo aquele que não seja parte na causa, os Embargantes, na qualidade de representantes legais da firma executada, não se consideram terceiros face ao acto da penhora realizado em 9 de Março de 1994 (cfr. ponto 1.3. da matéria de facto provada).

IV.

Porém, os Recorrentes, mediante a dedução de embargos, reagiram contra o arrombamento e selagem da porta - recte, contra a ordem de efectivação desse acto - do imóvel em causa (e não contra a penhora levada a cabo no ano de 1994), facto no qual se consubstanciou a violação da propriedade e da posse e perante o qual assumem a qualidade de terceiros.

V.

Saliente-se, ainda, que contra esta penhora o senhorio-proprietário não tinha fundamento para embargar, uma vez que apenas detinha a posse jurídica do bem, sendo-lhe irrelevante o facto da penhora do direito ao arrendamento e trespasse.

VI.

O cerne da questão radica no facto da extinção do direito ao arrendamento e trespasse sobre a loja n.º …, sita na Rua …, em Lisboa, operada com a sentença de despejo do imóvel em causa proferida contra a firma executada "C…", no processo n.º 268/95, que correu termos pela 2.ª Secção, do 5.º Juízo da Comarca de Lisboa, questão esta essencial à decisão dos presentes embargos e que o douto despacho recorrido, ressalvado do devido respeito, não a apreciou devidamente.

VII.

Com a decisão judicial que decreta o despejo, ocorrido em 6 de Novembro de 1995, ocorre a inexistência superveniente do objecto da penhora, efectuada em 19 de Março de 1994, consequentemente os ora Recorrentes entram na posse real e causal do imóvel, com efectiva correspondência na situação de facto ("corpus da posse" - componente material ou objectiva e "animus da posse" - componente subjectiva ou intencional"), a qual é susceptível de fundamentar os embargos de terceiro contra os actos ofensivos da mesma.

VIII.

Nesta conformidade, em 14 de Dezembro de 1999, vendo os Recorrentes a sua posse ofendida pela diligência do arrombamento (e subsequente impedimento de entrada e uso) ordenado pela Repartição de Finanças, vieram defendê-la mediante a proposição de embargos de terceiro, apresentados em 11 de Janeiro de 2000, por ser este o meio processual próprio para a defesa da posse real, efectiva e causal, com contra os actos que a ofendam, nos termos definidos na lei de processo ex vi do disposto no artigo 1285.º, do Código Civil.

IX.

Os Recorrentes viram, assim, a sua posse turbada por uma diligência judicial de arrombamento manifestamente inútil, em virtude de se enquadrar na sequência de uma penhora de estabelecimento comercial e ter por objectivo possibilitar a venda judicial do direito penhorado inexistente.

X.

Este entendimento é perfilhado quer pela Fazenda Pública, quer pelo Digno Magistrado do Ministério Publico que pugnaram, nos presentes autos, no sentido da procedência dos embargos de terceiro e consequente restituição da posse o imóvel aos Recorrentes.

XI.

Finalmente, quanto a questão da alegada possibilidade de enquadramento da acção de despejo do locado contra a firma executada no instituto do abuso de direito, colocada pelo Tribunal a quo em virtude da reunião na esfera jurídica do Recorrente B… da qualidade de co-senhorio e co-proprietário da loja locada e sócio gerente da firma executada.

XII.

Convém não fazer a confusão entre as esferas jurídicas da pessoa jurídica da sociedade e da pessoa jurídica dos seus sócios gerentes, bem como não fazer um uso discricionário da figura da desconsideração da personalidade jurídica - entendimento em que laborou o Mm.º Juiz a quo.

XIII.

A acção judicial teve o seu propriíssimo objectivo: fazer cessar um contrato de arrendamento, com fundamento em falta de pagamento de rendas, dívidas estas que ficavam desta forma judicialmente reconhecidas e imputadas à esfera jurídica da sociedade devedora.

XIV.

Na posse da sentença judicial os Recorrentes apenas promoveram o efectivo despejo, não foi a decisão levada ao processo de execução fiscal com o objectivo de fazer sustar a instância, o facto este que seria imprescindível para a verificação do abuso do direito, pelo que, não se poderá do facto extrair nem a manifesta má fé do ainda co-senhorio, nem intenção alguma de prejuízo do Fisco, igualmente credor da sociedade, porquanto, só existe abuso se o direito for...

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