Acórdão nº 0648/04 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 27 de Outubro de 2004
Magistrado Responsável | BRANDÃO DE PINHO |
Data da Resolução | 27 de Outubro de 2004 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na Secção do Contencioso Tributário do STA: Vem o presente recurso jurisdicional, interposto pela CÂMARA MUNICIPAL DE MATOSINHOS, da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 09/03/2004, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por PETRÓLEOS DE PORTUGAL-PETROGAL, S.A. contra a liquidação da taxa de ocupação do subsolo, referente ao ano de 2000, que consequentemente anulou. Fundamentou-se a decisão em que "a norma contida no n.º 7 do art. 36° do Regulamento e Tabela de Taxas e Licenças da Câmara Municipal de Matosinhos, na redacção introduzida pela deliberação da Assembleia Municipal de 28/12/1998 e publicada no aviso n.º 1610/99, em Diário da República n.º 61, II série, Apêndice n.º 31, de 13/03/1999, enferma de ilegalidade decorrente do vício de desvio de poder, uma vez que o fim com que foi instituída não cabe dentro da norma legal que autoriza a sua fixação" pelo que "enferma também do vício de violação de lei a liquidação efectuada com base naquela norma", sendo, por isso, anulável.
Na verdade - aponta - "o valor das taxas cobradas naquele preceito - n.º 7 do art. 36° do indicado Regulamento - não resulta unicamente do fim visado pela lei que autoriza a cobrança de taxas pela utilização de bens do domínio público, visando, através da fixação daqueles valores, obter benefícios de interesse urbanístico e de maior arrecadação de receitas daqueles que têm uma maior capacidade contributiva - inquestionavelmente também de interesse público - mas que inexoravelmente foge ao âmbito do diploma que autoriza a fixação e liquidação das taxas".
A recorrente formulou as seguintes conclusões: "1ª - A decisão recorrida anulou a liquidação em causa por violação de lei derivada da invalidade por desvio de poder da norma regulamentar em que assentava a dita liquidação.
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- Desde logo, não é possível arguir o desvio de poder a respeito de normas regulamentares, por o poder normativo da Administração não se reconduzir ao exercício de um poder discricionário.
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- Sem prescindir, seriam então duas as finalidades desviantes da aprovação da norma regulamentar que prevê o pagamento da taxa por utilização do subsolo dominial por condutas petrolíferas.
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- A primeira seria a finalidade de obtenção de benefícios urbanísticos.
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- Tal finalidade é meramente invocada na sentença, sem qualquer fundamentação ou esboço dela, pelo que deve ser desconsiderada.
6 ª - A segunda seria a finalidade de arrecadação de receitas, com base na capacidade contributiva das empresas atingidas.
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- Tal finalidade é justificada com a desproporção ou desequilíbrio do tributo exigido, que se afiguraria excessivo ao valor do bem público disponibilizado.
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- Trata-se de fundamentação que nada tem que ver com o alegado vício de desvio de poder, que diz respeito ao princípio da proporcionalidade e à natureza de taxa da figura tributária em causa.
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- Nesses termos, trata-se também de fundamentação insuficiente e errada, que, além do mais, contraria expressamente o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 366/03, vertido na espécie.
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- Tal aresto considerou o tributo criado pelo Regulamento em causa como uma verdadeira taxa, que cumpre todas as exigências constitucionais e legais de proporcionalidade e igualdade.
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- De resto, a arguição do desvio do poder escudou-se em norma legal já revogada (da Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro), quando a norma em causa era a al. c) do art. 19° do Dec.-Lei n.º 42/98, de 18 de Agosto (ambos os diplomas dizem respeito às finanças locais).
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- O erro não é de somenos, porque só na segunda lei o subsolo dominial foi erigido em substrato autónomo e próprio da criação e lançamento de taxas.
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- Também sem prescindir, importa sublinhar que é totalmente insubsistente a asserção de que existiria uma intenção de arrecadar receitas com base na capacidade de pagamento.
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- É objectivamente errada a ideia de que a consideração - no cálculo da taxa - da vantagem ou beneficio económico do utilizador é um critério de capacidade contributiva.
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- Na verdade, um dos critérios de definição do quantum das taxas, ao lado do princípio da cobertura dos custos, é o princípio do benefício ou equivalência (que, de resto, só pode valer para tributos bilaterais, isto é, taxas).
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- A vantagem que alguém tira do uso de uma conduta petrolífera subterrânea nada diz ou indicia sobre a sua capacidade contributiva.
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- A referência da sentença sob recurso às expressões política «fiscal» e «tributária», usadas no preâmbulo do Regulamento, é completamente irrelevante e nada mostra sobre a procedência de um eventual vício de desvio de poder.
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- A variação dos montantes das taxas referentes a diferentes modalidades de utilização não revela qualquer vontade de arrecadação de receitas às empresas petrolíferas; antes mostra cumprimento integral dos cânones constitucionais da proporcionalidade e da igualdade.
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- Com efeito, vistos os critérios estabelecidos para a sua fixação (e respectiva aplicação), tem de concluir-se pela proporcionalidade da taxa aplicada.
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- O critério da área ocupada é indisputável e o critério da ponderação dos custos de exclusão e da intensidade de utilização afigura-se óbvio.
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- A proporção é demonstrada pela análise da equação custo/benefício: a disponibilização do subsolo municipal representa um elevado custo para a autarquia e, ao mesmo tempo, um assinalável ganho para os utilizadores, na medida em que evita outras utilizações tão ou mais dispendiosas; 22ª - A norma contida no n.º 7 do art. 36° do Anexo I do Regulamento não infringe, de forma alguma, a ideia de proporcionalidade ou igualdade, pelo que a decisão de que se recorre deve ser revogada, com todas as consequências legais; 23ª - A natureza do produto circulante, por razões de proporcionalidade igualdade e interesse público, não pode deixar de influenciar a modelação da taxa.
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- A consideração do fim da actividade exercida (abastecimento aos munícipes ou armazenagem e refinaria) é perfeitamente legítima, já que os fins de armazenagem e refinaria implicam uma utilização maciça e não realizam qualquer interesse da comunidade municipal.
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- A concreta conformação da taxa pode integrar (e integra) uma finalidade adicional de moderação da procura.
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- A aplicação dos índices de correcção e actualização monetária, por si só, reduz o impacto do aumento dos propalados 57.000% para uma relação de dez vezes mais.
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- Mas ainda assim o denominado «aumento» não representa nem traduz qualquer desproporcionalidade.
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- É que a sentença desconhece que o subsolo é agora considerado como um espaço autónomo do domínio público e é objecto próprio de incidência tributária, de acordo com o disposto na nova Lei das Finanças Locais; 29ª - Em rigor e tecnicamente, o tributo anteriormente existente era uma simples taxa moderadora que visava disciplinar a procura; não se tratava de uma verdadeira taxa.
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- Daí que não possa nem deva falar em aumento, mas em criação ou definição de uma taxa.
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- O valor simbólico do tributo anteriormente existente é a melhor prova de que não se curava ali de uma taxa em sentido técnico.
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- E, por isso, não faz qualquer sentido falar na «não alteração dos serviços prestados»; já que foi o próprio valor e utilidade do subsolo que se alteraram.
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- A concepção constitucional de taxa pressupõe a necessidade de existência de uma relação sinalagmática, a desnecessidade de uma exacta equivalência económica, a aferição do respectivo montante em função não só do custo mas igualmente do grau de utilidade prestada e a exigência de uma não manifesta desproporcionalidade na sua fixação.
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- A taxa em apreço tem natureza sinalagmática, visto que é devida em função de uma utilização individualizável de um bem do domínio público municipal, bem expressamente autonomizado na lei; 35ª - O Tribunal Constitucional decidiu, no presente processo, julgar não inconstitucionais as normas constantes nos n.ºs 4 e 7 do art. 36° do Anexo I do Regulamento com a Constituição, conforme resulta dos Acórdãos proferidos a 14.07.2003 nos processos n.ºs 365/03 e 366/03.
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- A sentença recorrida considera tais normas ilegais com fundamentos contrários àqueles em que o Tribunal Constitucional se baseou para formular o seu juízo de constitucionalidade.
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- Ou seja, o Tribunal Constitucional julgou as normas constitucionais por elas obedecerem aos princípios da proporcionalidade e da igualdade e a sentença recorrida toma-as por ilegais por violação desses mesmos princípios.
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- A sentença estabelece que o conteúdo legal da proporcionalidade é diverso do conteúdo constitucional da proporcionalidade, permitindo-lhe um juízo próprio e contrário ao do Tribunal Constitucional.
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- A sentença recorrida viola o caso julgado formado pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 366/03.
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- Se assim não se entender, então deve ter-se o art. 80º da Lei do Tribunal Constitucional por inconstitucional, na concreta interpretação perfilhada pela sentença, por violação do art. 221º, 222°, n.º 1, e 280° da Constituição.
Termos em que deverá dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a decisão recorrida, considerando-se legais as normas contidas nos n.ºs 4 e 7 do art. 36° do Regulamento e Tabela de Taxas e Licenças do Município de Matosinhos, e, bem assim, a liquidação impugnada.
E contra-alegando concluiu, por sua vez, a impugnante: "1. A sentença recorrida não merece qualquer censura, ao ter decidido, e bem, que as taxas em causa padecem do vício de desvio de poder, com as consequências legais daí resultantes.
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Acresce que, a sentença respeita o Acórdão n.º 366/2003 do Tribunal Constitucional que não julgou inconstitucionais as normas dos números 4 e 7 do art. 36º do Regulamento e Tabela de Taxas e Licenças da Câmara Municipal de Matosinhos.
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Nesse Acórdão, o Tribunal Constitucional limitou-se a apreciar os critérios que estiveram na base da...
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