Acórdão nº 0902/04 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 28 de Setembro de 2004

Data28 Setembro 2004
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1. RELATÓRIO 1. 1. A..., interpôs recurso, para este Supremo Tribunal, da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo (TAC) de Lisboa de 14/4/2004, que negou provimento ao recurso contencioso por ela interposto da deliberação do Conselho de Administração do IEP - Instituto de Estradas de Portugal de 11/6/2003, que indeferiu o recurso hierárquico necessário para ele interposto da deliberação tomada pela Comissão de Abertura das Propostas, na fase de qualificação dos concorrentes, no âmbito do concurso público n.º 4/2002 - COC - Empreitada de Conservação Corrente por Contrato na Zona do Sotavento do Distrito de Faro, que a excluiu do concurso em causa.

Nas suas alegações, formulou as seguintes conclusões: a) - a sentença recorrida enferma de erro de direito na parte em que considerou que a nova redacção introduzida pela Portaria n.º 1465/2002, de 14 de Novembro, do ponto n.º 19.3 do Programa-Tipo em anexo à Portaria n.º 104/2001, não podia ser aplicada no procedimento sub iudice, dado que não há qualquer obstáculo legal à sua aplicação aos procedimentos concursais iniciados antes da sua entrada em vigor.

  1. - é que, como se demonstrou nos nºs 9 a 11 destas alegações - com o apoio da lição de um ilustre Administrativista - em matéria de eficácia temporal das normas de direito administrativo, não há obstáculos lógicos a que uma norma administrativa se aplique também aos factos ou situações produzidas antes da sua entrada em vigor e que ainda não se consumaram em definitivo.

  2. - Com efeito, como refere AFONSO QUEIRÓ, "factos produzidos depois da entrada em vigor de uma norma não são só aqueles que constituem uma situação factual temporalmente limitada a partir do início da vigência dessa norma, mas também aqueles que, tendo-se iniciado antes da entrada em vigor da norma nova, constituem uma situação que ainda subsiste nesta altura e projecta a sua existência no futuro, no domínio temporal de vigência da lei nova. Estas situações não são, pois instantâneas; são situações de trato sucessivo. Tais situações caem no âmbito temporal de eficácia da norma sucessiva, sem haver, portanto, rigorosamente, motivo algum para se falar aqui de retroactividade da lei administrativa nova" (ob. cit.

  3. 519 e 520).

  4. - a sentença recorrida padece, assim, de clara violação de lei, por não aplicação de lei sucessiva de aplicação imediata a uma situação que, tendo-se iniciado no domínio da lei antiga, ainda subsistia na altura da entrada em vigor da lei nova.

  5. - a sentença recorrida, como ficou demonstrado nos nºs 17 a 22 destas alegações, padece ainda, nesta parte, de erro de direito, ao dar por improcedente a arguição de violação, pelo acto recorrido, do principio da igualdade.

  6. - é que, em primeiro lugar, o Tribunal a quo não podia ter desconsiderado, como desconsiderou, os exemplos invocados pela Recorrente na p.i., de relatórios de qualificação emitidos em Novembro de 2002 em concursos do ICERR, nos quais foi aplicada a redacção da Portaria nº 1465/2002 considerando-se a ora Recorrente económico-financeiramente apta para a realização das obras em questão.

  7. - sendo completamente absurdo e violador do princípio da igualdade que em Julho de 2003 o Conselho de Administração do IEP tenha entendido manter a decisão de exclusão da Recorrente no presente procedimento, quando, desde finais de Novembro de 2002, noutros procedimentos, estava a considerá-la económico-financeiramente apta para a realização de outras obras da mesma dimensão e já estava, há muito, a aplicar a Portaria n.º 1465/2002, de 14 de Novembro.

  8. - constitui essa actuação, portanto, uma clara violação do principio da igualdade, dado que, num mesmo momento e em procedimentos da mesma natureza, a Autoridade Recorrida adoptou critérios diferentes para a mesma situação.

  9. - e a sentença recorrida, ao dar por improcedente esta arguição, padece de novo erro de direito.

  10. - mesmo que se entendesse que não estaríamos em presença de uma lei sucessiva de aplicação imediata, nem assim a sentença recorrida deixaria de enfermar de erro de direito e de violação de lei.

  11. - é que (como se demonstrou nos nºs 26 a 37 destas alegações, para onde se remete), o conteúdo da nova redacção do ponto 19.3 do Programa Tipo em anexo à Portaria nº 104/2001, introduzida pela Portaria nº 1465/2002, tem natureza de lei interpretativa da redacção anterior desse ponto 19.3, entretanto por ela revogada.

  12. - é isso que resulta, aliás, claramente do preâmbulo da Portaria nº 1465/2002 - como se reconhece na sentença a quo - e do confronto da sua redacção com a versão inicial do ponto 19.3 do Programa Tipo.

  13. - ora, tendo a Portaria nº 1465/2002 conteúdo interpretativo, a mesma tem efeito retroactivo (é esse o sentido de se dizer, no art.13º, nº 1 do Código Civil, que ela se integra na lei interpretada) e devia ter sido aplicada no caso sub iudice.

  14. - ao não considerar assim, a sentença recorrida fez errónea interpretação do conteúdo da Portaria nº 1465/2002 e violou o art. 13º, nº 1 do Código Civil.

  15. - o que se deixou dito é suficiente para dar por procedente o presente recurso.

  16. - caso assim não se entenda - o que aqui se admite por cautela - deverá a sentença recorrida ser revogada na parte em que deu por improcedentes as arguições de ilegalidade dos pontos 15.1, alíneas i) e j) e 19.3 do Programa do Concurso.

  17. - desde logo - com se demonstrou nos nºs 41 a 44 e 47 destas alegações, para onde se remete - é ilegal por errónea interpretação dos art.s 69º e 70º do REOP.

  18. - mas, mesmo admitindo que o dono da obra, gozando de um poder discricionário nesta matéria, pudesse exigir aos concorrentes detentores de certificado tais documentos, a verdade é que, no caso concreto, O ICERR (o IEP), ao não indicar expressamente no regulamento do concurso qualquer interesse público especialmente relevante que justificasse ou determinasse essa exigência, auto vinculou-se ao que aí fixou.

  19. - o que consubstancia uma renúncia ao exercício discricionário de um poder público conferido por lei como tal.

  20. - com a consequência de serem nulos, nos termos do artº 29º, nºs 1 e 2, do CPA, todos os actos (normativos ou não) do ICERR que decidam por remissão vinculada para uma norma regulamentar supostamente vinculada - como acontece com a presente deliberação recorrida.

  21. - padecendo, portanto, a sentença recorrida de novo erro de direito nesta parte.

  22. - a sentença recorrida, ao não se pronunciar sobre a arguição constante das alíneas S) e EE) das conclusões das alegações de recurso contencioso da Recorrente, padece de nulidade, nos termos da alínea d) do nº 1 do art. 668º do CPC.

  23. - a utilização da Portaria nº 1454/2001 é ilegal, dado que ela foi posta na lei única e exclusivamente para a avaliação, feita pelo IMOPPI aos empreiteiros, para efeitos de atribuição dos competentes certificados.

  24. - ao não entender assim, a sentença recorrida fez errónea interpretação do conteúdo da Portaria nº 1454/2001 e do DL nº 61/99.

    1. 2.

      Contra-alegou a autoridade recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões: A) - O concorrente formado pelo agrupamento da empresa Recorrente e da ..., foi excluído do concurso público para a "Empreitada de conservação corrente na Zona Sotavento do Distrito de Faro", na fase da "qualificação dos concorrentes", de acordo com o relatório da Comissão de Abertura do Concurso (CAC), de 1 de Abril de 2003, com o fundamento de não ter demonstrado, neste concurso, aptidão para execução da presente empreitada, por revelar falta de capacidade financeira.

      1. - Decisão essa que assentou na análise dos documentos de habilitação apresentados pelo concorrente, de acordo com o estipulado nas alíneas i) e j) do ponto 15.1 do Programa do Concurso e, ainda, face ao exigido no ponto 19.3 do mesmo Programa, donde resulta que ambas as empresas têm valores inferiores aos mínimos exigidos legalmente para os indicadores económico-financeiros "liquidez geral" e "grau de cobertura do imobilizado".

      2. - Indicadores esses que são requisitos de avaliação da capacidade económica e financeira dos concorrentes em sede de concurso conforme legalmente estipulado.

      3. - O Programa do Concurso é uma das peças patenteadas, elaborado pelo dono da obra de acordo com o modelo aprovado por Portaria do Ministro responsável pelo sector das obras públicas - Ministro que tutela e superintende a entidade Recorrida - como se constata da interpretação conjugada dos artºs. 62º., n.º 1 do DL n.º 59/99, de 2 de Março, artº 2º., n.º 1 e art.º 3º, n.º 1 do DL nº. 227/2002, de 30 de Outubro.

      4. - Portaria que, no caso concreto, é a Portaria n.º 104/2001, com as alterações efectuadas pela Portaria 3/2002 de 4 de Janeiro, tendo por norma habilitante o n.º 1 do art.º 62º do REOP.

      5. - Decorre das regras do concurso referidas supra, que a confirmação dos valores dos indicadores económico-financeiros seria feita tendo em conta as declarações anuais de IRC ou IRS entregues para efeitos fiscais, correspondentes aos três exercícios de 1998, 1999 e 2000, conforme previsto na Portaria nº 1454/2001, de 28 de Dezembro, com as alterações introduzidas pela Portaria nº 509/2002, de 30 de Abril, sendo excluídos os concorrentes que, no mínimo, não apresentassem cumulativamente os valores do quartil inferior previstos na referida portaria (cfr. alíneas i) e j) do ponto 15.1 e ponto 19.3 do programa do concurso).

      6. - O Programa do Concurso constitui um verdadeiro regulamento a cujas regras se vinculam o dono da obra e os concorrentes, pelo que a CAC apreciou e decidiu sobre a capacidade económica e financeira segundo os critérios previamente definidos e publicitados, aplicando-os de igual forma a todos os concorrentes.

      7. - A pretensão da Recorrente de ver aplicada ao concurso a redacção do ponto 19.3 do programa de concurso tipo, não pode ser acolhida pois, se assim fosse, estaria a pôr-se em causa os princípios da tutela e da confiança donde decorre...

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