Acórdão nº 01137/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Junho de 2004

Magistrado ResponsávelJORGE DE SOUSA
Data da Resolução16 de Junho de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1 - A A..., SA, interpôs neste Supremo Tribunal Administrativo recurso contencioso de anulação do despacho do Senhor Ministro da Cultura, de 2-4-2003, que recusou autorização para a desafectação/demolição do A...

A Recorrente imputa ao acto recorrido vícios de violação de lei e princípios constitucionais e legais e de desvio de poder.

A Autoridade Recorrida responde, defendendo que o recurso deve ser julgado improcedente.

A Câmara Municipal de Santo Tirso contestou,na qualidade de contra-interessada.

A Recorrente apresentou alegações com as seguintes conclusões: I 1 Existe manifesta violação dos preceitos normativos dos arts. da Constituição da República 61º e 86º (iniciativa económica privada) e 62º (propriedade privada) e do art. 1, do Protocolo nº 1 Adicional à Conv. Europeia dos Direitos do Homem, em concatenação com os arts.. 266, da mesma Constituição, e os arts. 3 a 6 do Cód. de Proc. Ad., e face à aplicação, in casu, da base XXIII, nº 1, da Lei 8/71 e dos arts. 87, nº 2 e 79º do Dec.L. 285/73, e art. 21 do D.L. 350/93.

Com efeito, 2 O A... encontra-se desactivado da actividade teatral há mais de 40 anos e da de cinema há cerca de uma década (art. 8 da P.I.), por razões genéricas de vária índole (art. 7 da P.I.). Que aliás também conduziram, só no Município de Stº Tirso, à desactivação do Teatro ... e ...(arts. 21 e 22 da Contestação da Câmara).

Conforme se reconhece na Informação de Serviço, precedente do despacho recorrido, não é "credível que a recuperação do recinto possa ser efectuada pelo actual proprietário, ou outra entidade privada".

3 E, consequentemente, não se pode dizer que o despacho recorrido usou os "poderes" que lhe foram atribuídos pelas ditas disposições legais "em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes foram conferidos" (art. 3º do C.Proc. Ad.). Pois então esse "fim", no caso, é uma mera falácia.

4 Por sua vez, se se reconhece que a recuperação do A... não é credível que "possa ser efectuada" pelo actual proprietário ou outra entidade particular então não permitir a desafectação é ofender os princípios constitucionais e legais quer da "proporcionalidade", quer da "justiça" na equação do correspondente sacrifício do direito de propriedade privada e do incentivo à actividade empresarial privada.

5 Ou seja, existirá um "sacrifício" concreto e sofrido do direito à propriedade privada e à iniciativa empresarial privada, e todavia, não existe, com esse acto, e em contrapartida o concreto e real benefício de, assim, satisfazer o interesse público que se invoca! Existe, pois, violação do princípio da proporcionalidade (art. 266 da Const. e art. 3 a 6 do C.Proc. Ad.).

6 E, é manifestamente injusto que se obrigue, de facto, a recorrente a manter em degradação e sem aproveitamento a sua propriedade quando se reconhece que não é credível que a possa recuperar, valorizar e fruir! Como é manifestamente injusto que se obrigue, de facto, a recorrente a manter a sua iniciativa empresarial paralisada e amarrada a umas instalações quando se reconhece que não é credível que aí possa dinamizar a sua iniciativa empresarial! 7 E, por sua vez, dadas as referidas violações dos princípios da proporcionalidade e da justiça, também é ofendido o princípio do "justo equilíbrio" entre as exigências do interesse público e os imperativos da salvaguarda dos referidos direitos fundamentais (cit. art. 1 do Protocolo nº 1, Adicional à Conv. Eur. dos Direitos do Homem).

II 8 Alega o recorrido, Ministro da Cultura, que a "não autorização da desafectação", "por forma a viabilizar o desenvolvimento de eventual processo de aquisição do imóvel pela autarquia", é elemento instrumental da satisfação dos interesses da actividade teatral.

Todavia, se a Autarquia pretende adquirir o imóvel para desenvolver a actividade teatral (e outras actividades culturais), então o instrumento constitucional e legal (proporcional, adequado e justo) é o processo ou da aquisição por via negociai ou o da aquisição pela via da expropriação (arts. 62º, nº 2 e 83º da Constituição).

9 ASSIM, argumentar com o alegado carácter instrumental do despacho não é justificativo do mesmo. Bem pelo contrário tal despacho incorre, então, em dupla violação dos referidos princípios da proporcionalidade e da justiça.

Primeiro, porque se o despacho de "não desafectação" viola os princípios da proporcionalidade e da justiça, - não deixará de ser ilegal pelo fim que visa atingir. Pois que os fins não justificam os meios.

Segundo, porque para se atingir o fim de a autarquia adquirir o imóvel, o instrumento constitucional e legalmente adequado, proporcional e justo (no ordenamento constitucional e legal vigente) é o da expropriação.

III 10 Por sua vez, no sacrifício dos direitos fundamentais referidos (direito de propriedade e de iniciativa privada), em função de interesses públicos - deve haver um "justo equilíbrio" (cits. arts. 266 da Const. e artigo 1º, do referido Protocolo nº 1). O que supõe que a privação (ainda que no direito de uso) dos referidos direitos deve ocorrer "nas condições previstas na lei", com leis "acessíveis, precisas e previsíveis" e agindo as autoridades públicas em "tempo útil".

Ora, se o Ministro da Cultura não autoriza a desafectação, "como instrumento" para viabilizar pela autarquia a aquisição do imóvel - entramos numa situação de indefinição unilateral.

Basta atender a que o pedido de desafectação já tem 6 anos: é de 04-03-1998! A Autarquia vai "informando" da intenção de o adquirir! Mas de boas intenções está o inferno cheio.

11 Só assim não seria, se o Senhor Ministro tivesse circunstanciado, precisado e condicionado os efeitos, a eficácia, do seu despacho.

P.ex., se o Senhor Ministro tivesse proferido o seguinte despacho: "Por forma a viabilizar o desenvolvimento de eventual processo de aquisição do imóvel, para fins da actividade teatral, por parte da autarquia, autorizo a desafectação, sujeita à condição suspensiva de a autarquia não vir, dentro de 1 ano, a adquirir o imóvel ou a deliberar a sua expropriação".

IV 12 Por sua vez, não ter o Senhor Ministro autorizado a desafectação, com o seu despacho, "por forma a viabilizar o desenvolvimento de eventual processo de aquisição do imóvel por parte da autarquia", consubstancia a ilegalidade do despacho por "desvio de poder" (art. 19º da Lei Org. do Sup. Trib. Ad.).

Pois, por um lado, tal motivo obtém satisfação (proporcional, adequada e justa) no procedimento de expropriação, a desencadear pela autarquia e se tal a motiva efectivamente e...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT