Acórdão nº 01266/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Maio de 2004

Magistrado ResponsávelALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Data da Resolução11 de Maio de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em subsecção, na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo 1.

1.1. A...

e B..., identificados nos autos, intentaram, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Círculo do Funchal, acção contra a Região Autónoma da Madeira e Município do Funchal, pedindo que a sua condenação solidária no pagamento da quantia de Esc. 253.250.984$00, acrescida dos juros vincendos contados da citação até integral pagamento, por danos sofridos em virtude de actuação que lhe imputam.

1.2.

Foram produzidas contestações e réplicas.

1.3.

Por despacho saneador de 19 de Fevereiro de 2002, a acção foi julgada improcedente e os réus absolvidos do pedido.

1.4.

Inconformados, os autores interpuseram o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações concluíram: "I O presente recurso vem interposto da sentença proferida no saneador; as razões invocadas não são suficientes para a decisão tomada.

II Nos presentes autos, não estão, só, em causa actos administrativos em sentido rigoroso, mas sim um conjunto de actos/omissões das RR, que embora, lícitos são geradores do dever de indemnizar - embora exista o acto (determinante) constitutivo do direito: emissão da licença para obras, bem como o acto legislativo regional.

III À luz do artigo 22º da Constituição, a actuação das RR enquadra-se no princípio de responsabilidade aqui consignado e regulado no artigo 8º e 9º do Decreto-Lei nº 48051.

IV Ainda que não existissem actos administrativos, que, como já se viu, existem, sempre a actuação activa/omissiva das RR configurava um caso de responsabilidade extracontratual.

V Com efeito, ao não prevenirem antecipadamente as situações de eventuais constituição de direitos, mediante a adopção de medidas preventivas mais cedo, incorrem em culpa in contrahendo, já que lhes cabia agir de acordo com o critério de um bonus paterfamilias.

VI Atendendo a que o projectado viaduto faz parte de um conjunto de obras a serem financiadas pelo III Quadro Comunitário de Apoio, teria, forçosamente, que fazer parte dos planos municipais e regionais há muito mais tempo.

VII Os AA não pararam com as obras porque quiseram; fizeram-no porque as regras da prudência assim o determinaram, bem como foram aconselhados a tal. Aliás, VIII Sendo este facto matéria controvertida, só com o conhecimento a final da presente acção se poderá saber e decidir conforme direito, cfr. Artigo 513º do CPC.

IX O local onde os AA iriam construir o licenciado empreendimento fica completamente modificado (irremediavelmente perdido) com a construção do viaduto, ou seja, há uma grave alteração das circunstâncias, por culpa das RR, em que foi licenciada obra.

X Se não tem sido omitida a projectada construção do viaduto, os AA não sofreriam os avultados danos, i. e, não teriam adquirido o terreno; não teriam despendido os encargos relatados na pi, bem como não aplicavam qualquer investimento financeiro próprio ou alheio no empreendimento.

XI Logo se vê que o dano dos AA é anormal e especial e que a causa de pedir radica neste e não na hipotética "desvalorização de um prédio inexistente", como decidiu o tribunal a quo.

XII A reparação deste dano é, pois, legítima, cfr. Ac. Do STA de 16/05/2001, 3ª subsecção, proc. nº 046227, pesquisado em www.dgsi.pt . Ademais, XIII O artigo 9º do Decreto-Lei nº 48051, aplicado pelo tribunal a quo é uma norma inconstitucional, por violar o princípio constitucional consagrado no artigo 22º da Constituição.

XIV Por todo o exposto, a decisão recorrida violou as normas jurídicas constantes nos artigos 513º do CPC, 393º do Código Civil e artigo 9º do Decreto-Lei nº 48051".

1.5 A ré Região Autónoma da Madeira contra-alegou, formulando as seguintes conclusões.

"I. São pressupostos fundamentais da responsabilidade extracontratual da administração por acções e omissões praticadas no exercício das suas funções: A) existência de comportamento - acto ou omissão - lícito da autoridade administrativa; B) praticado no exercício das suas funções; C) por motivo de interesse público; D) existência de um prejuízo especial e anormal para outrem; E) nexo de causalidade entre o comportamento da autoridade administrativa e o prejuízo.

II Os autores, ora Apelantes, intentaram a presente acção ordinária, alegando prejuízos no valor de Esc. 253.250.984$00 (duzentos e cinquenta e três milhões, duzentos e cinquenta mil, novecentos e oitenta e quatro escudos), pedindo a condenação solidária das Rés no pagamento do referido valor.

III Os factos que alegam ser geradores de tais prejuízos são, em resumo: A) a existência do Decreto Regulamentar Regional nº 41/2000/M de 6 de Setembro de 2000, que sujeita a medidas preventivas, durante o prazo de dois anos, a ligação entre a Rua Dr. Pita e a Rua da Ribeira de São João, no Funchal.

  1. Que, por causa da aprovação daquelas medidas preventivas, cessaram de imediato os trabalhos de construção do empreendimento para o qual haviam obtido o competente alvará camarário de licenciamento datado de 06/07/2000.

  2. "Não ter a Ré prevenido as situações de eventuais constituição de direitos, mediante a adopção de medidas preventivas mais cedo", ou seja, que tivessem os Autores conhecimento da futura sujeição da área a medidas preventivas não teriam adquirido terreno naquela mesma área de intervenção a fim de nele construir o seu empreendimento.

    IV De notar que, a única acção da Região Autónoma da Madeira foi a de aprovação do Decreto Regulamentar Regional nº 41/2000/M de 6 de Setembro de 2000 e em nenhum momento alegaram os Autores a existência de responsabilidade por actos normativos, o que aliás resulta claro do que os Autores escreveram já em alegações: "ninguém questiona ou questionou a licitude de tal decreto".

    V Por tudo se conclui que os prejuízos que os Autores alegam ter sofrido não se ficam a dever a um comportamento (acção ou omissão) da Ré, mas antes a um certo "excesso de zelo" por parte dos Autores, que desistiram de construir sem que nenhuma entidade pública o tenha determinado por via directa ou indirecta - inexiste, portanto um dos pressupostos fundamentais da responsabilidade extracontratual da administração: o nexo de causalidade.

    VI E, ainda que assim não fosse, e se pudesse concluir pela existência de um comportamento causador de impedimento de construir pelos Autores, e pela existência de prejuízos, estes, ainda assim não seriam compensáveis, por se exigir, além do mais, que sejam prejuízos especiais (que recaiam sobre certas pessoas e não sobre a generalidade das pessoas) e anormais (que não estejam incluídos no risco inerente à vida em comum).

    VII Também estes pressupostos inexistem: A) o Decreto Regulamentar em causa é aplicável à generalidade dos que pretendam praticar na área definida de implantação das medidas preventivas, quaisquer dos actos ou actividades enumeradas no artigo 1º do referido Decreto, e não só aos Autores.

  3. os prejuízos invocados pelos Autores em nada são anormais ao risco normalmente suportado por todos em virtude da vida em colectividade - a Administração Pública pode e deve defender o interesse público nomeadamente na realização de uma via pública de grande importância.

    VIII Assim, a douta sentença ora recorrida não violou qualquer disposição legal, uma vez que ainda que provados todos os factos alegados pelos Autores, a acção intentada sempre improcederia, por inexistência absoluta de acções ou omissões praticada pela Ré, dos quais resultem prejuízos para os Autores e que fundamentem o dever de indemnizar por parte daquela".

    1.6.

    O réu Município do Funchal não contra-alegou.

    1.7 O EMMP emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

    Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    1. 2.1.

      Estamos em sede de uma acção fundada em responsabilidade civil dos RR. De modo imediato, está em causa no presente recurso saber se o processo se encontrava em condições de poder ser decidido de mérito no saneador. A apreciação dessa questão depende de uma outra, qual seja a da determinação da causa de pedir da acção.

      Para a auto-compreensão do presente aresto, começaremos por excertar do despacho saneador os passos que revelam mais claramente o caminho seguido até à decisão. Disse o saneador: "Na presente acção são autores (...) (...) Fundamentam o pedido, em síntese, no seguinte: os AA apresentaram à CMF um projecto para edificação de um bloco de 5 apartamentos, que foi...

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