Acórdão nº 0434/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Março de 2004

Magistrado ResponsávelJORGE DE SOUSA
Data da Resolução10 de Março de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1 - A... e B..., interpuseram neste Supremo Tribunal Administrativo, autonomamente, recursos contenciosos de anulação.

Por despacho de 28-5-2003, foi ordenada a apensação dos dois processos, que foram instaurados autonomamente, por existir um único processo instrutor.

2 - Recurso da A...

A Recorrente A... impugna o indeferimento tácito de um recurso hierárquico interposto para o Senhor MINISTRO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA de um despacho do Senhor Director-Geral de Viação do Norte que procedeu à revogação da classificação de uma «Limousine» como veículo pesado de passageiros, a que foi atribuída a matrícula ...

Na sua resposta, a Autoridade Recorrida suscitou que questão da rejeição do recurso contencioso, por a Recorrente A... ter sido notificada dos despacho do Senhor Director-Geral em 28-9-2001 e só ter apresentado o recurso hierárquico em 29-11-2001.

A Recorrente A... apresentou alegação com as seguintes conclusões: 1 - O recurso hierárquico necessário foi interposto perfeitamente em tempo, uma vez que a recorrente foi notificada do acto recorrido em 18/10/2002 e interpôs recurso em 27/11/2002.

2 - O acto recorrido encontra-se eivado do vício de violação de lei por violação do dever de decisão, como a própria entidade recorrida o admite.

3 - A recorrente é parte legítima no recurso, dado que a situação jurídica que a o acto administrativo recorrido vem alterar de forma desfavorável foi concedida à recorrente e não à entidade que posteriormente adquiriu o veículo automóvel objecto do recurso administrativo necessário.

4 - O Director-Geral de Viação exerceu uma competência que não possuía, pelo que o seu acto encontra-se ferido de incompetência.

5 - O acto administrativo recorrido continua eivado de violação de lei por não ocorrência real do seu pressuposto, uma vez que revogou um acto administrativo constitutivo de direitos legal.

A Autoridade Recorrida apresentou alegação sem conclusões, em que, além do mais, suscitou a questão prévia da ilegitimidade da A... para interpor o presente recurso contencioso, por já não ser proprietária do veículo, que vendeu em 17-7-2001 à B....

Ouvida sobre esta questão prévia, a A... veio dizer, em conclusões, o seguinte: 1 - A Recorrente é parte legítima.

2 - Uma vez que a situação jurídica que o acto administrativo recorrido vem alterar de forma desfavorável foi concedida à recorrente e não à entidade que posteriormente adquiriu o veículo automóvel objecto do recurso administrativo necessário.

3 - A alteração da classificação da limousine como veículo ligeiro, pode levar à anulabilidade do contrato de compra e venda celebrado entre a Recorrente e a actual proprietária do mesmo, com todas as consequências legais que tal facto acarreta.

4 - Como tal a Recorrente é titular de um interesse legalmente protegido.

5- A titularidade de um interesse legalmente protegido confere desde logo legitimidade à Recorrente para interpor o presente recurso e os que o antecederam.

A Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta emitiu sobre este recurso douto parecer nos seguintes termos: Sustenta a autoridade recorrida que o recurso hierárquico necessário foi interposto fora do prazo legal estipulado pelo n.º 1 do art. 168.º do C.P.A., sendo consequentemente extemporâneo. Pelo que seria também extemporâneo o presente recurso contencioso, uma vez que, somo é sabido, a extemporaneidade do recurso hierárquico necessário arrasta consigo, de forma automática, a extemporaneidade do recurso contencioso subsequente.

Mas, a autoridade recorrida não consegue comprovar a data em que a recorrente teve conhecimento do despacho de 28/9/01, proferido pelo Direcção-Geral de Viação e que foi objecto do recurso hierárquico necessário.

É certo que o ofício que terá dado a conhecer tal despacho à recorrente é datado de 9/10/01, mas não existe qualquer registo ou aviso de recepção, razão pela qual deve prevalecer a alegação da recorrente, segundo a qual teve conhecimento desse ofício a 18/10/01, conforme carimbo visível no doc. n.º 5, junto com a p.i. (fls. 33).

Assim, tendo o recurso hierárquico necessário dado entrada na Secretaria Geral do Ministério da Administração Interna a 27/11/01, como a própria autoridade recorrida reconhece, foi tal recurso apresentado dentro do prazo estipulado no n.º 1 do art. 168.º do C.P.A., não se verificando qualquer extemporaneidade.

Por sua vez, quanto à questão da ilegitimidade da recorrente, creio que a autoridade recorrida carece também de razão.

Com efeito, quando a primeira classificação da Limousine, como veículo pesado, foi efectuada, o destinatário desse acto administrativo era a recorrente, então proprietária do veículo.

Posteriormente, o Director-Geral de Viação do Norte decidiu cancelar tal classificação da Limousine e respectiva matrícula. Dessa decisão interpôs a recorrente recurso hierárquico necessário para o Director-Geral de Viação, que o rejeitou, com fundamento em ilegitimidade da recorrente, assente no facto de já não ser proprietária do veículo.

É deste último acto administrativo que a recorrente interpôs o recurso hierárquico necessário dirigido ao Ministro da Administração Interna e que está na origem do presente recurso contencioso de anulação que tem por objecto o acto de indeferimento tácito que se terá formado no âmbito deste último recurso hierárquico necessário.

Ora, o acto que rejeita o recurso hierárquico por ilegitimidade da recorrente, é lesivo para esta que, assim, tem legitimidade para impugná-lo administrativa e contenciosamente.

Devem, pois, a meu ver, improceder estas questões prévias suscitadas pela autoridade recorrida.

No mais subscrevo o parecer de fls. 68 a 70, elaborado pela Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta no recurso n.º 504/02-12, apenso aos presentes autos.

Este parecer proferido pela Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta no processo apenso n.º 504/02-12 tem o seguinte teor: A nosso ver o recurso contencioso não merece provimento.

O veículo em causa - de matrícula nº 49-25-RR - preenchia o requisito para ser classificado como veículo pesado, ao abrigo do art. 106º, nº 1, alínea b), do Código da Estrada.

Só que por força do art. 114º, nº 1, do Código da Estrada, os veículos e respectivos sistemas, componentes e acessórios, têm que obedecer a determinadas características, fixadas no Regulamento do Código da Estrada (aprovado pelo Decreto nº 39987, de 22 de Dezembro de 1954, e ainda em vigor, por força do art. 7º do DL nº 114/94 de 03.05, que aprovou o actual Código da Estrada). Por outro lado, de harmonia com o nº 3 deste art. 114º os modelos de automóveis, bem como os respectivos sistemas, componentes e acessórios, estão sujeitos a aprovação de acordo com as regras fixadas nesse Regulamento.

Assim, nos veículos pesados de passageiros, as caixas, as portas e janelas, o lugar do condutor, os lugares para passageiros, as coxias, e, a própria altura do veículo, terão que obedecer ao modelo com as características a que aludem, respectivamente, os arts: 20º, 21º, 23º, 24º, 25º e 29º, nº 3, do referido Regulamento, sob pena de não lhe ser atribuída matrícula pela Direcção-Geral de Viação - cfr. o art. 13º, nº 2, do mesmo Regulamento.

O veículo em referência não obedecia a estas características.

Essas são especificidades de ordem técnica que o próprio Código entendeu que deveriam ser determinadas por normas de natureza regulamentar; as normas que as prevêem têm um carácter meramente instrumental da lei cuja execução visam assegurar, não chegando a atingir "o plano normativo da lei", contrariamente ao que chegou a ser defendido pela recorrente.

Na situação em análise, uma vez que o veículo não revelava as características normativamente estipuladas, o cancelamento da respectiva matrícula, que teve esse fundamento, não pode ser encarado como violador do art. 140º do CPA, pois a atribuição de matrícula não pode ser entendido como acto válido.

Logo, o indeferimento tácito que se terá formado sobre o recurso hierárquico interposto do acto que decidiu esse cancelamento também não enferma desse vício.

Por outra via...

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