Acórdão nº 0985/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Fevereiro de 2004

Magistrado ResponsávelABEL ATANÁSIO
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso do Supremo Tribunal Administrativo I - RELATÓRIO A... Lda. recorre da sentença do TAC de Lisboa que julgou improcedente o recurso contencioso interposto da deliberação da CÂMARA MUNICIPAL DE OEIRAS, datada de 22 de Abril de 1998, que determinou que a Recorrente deverá proceder à desocupação das instalações dos antigos paióis de Valejas, que se encontram ocupados com materiais de construção sem que tenha sido emitida qualquer licença de utilização para o efeito, com a cominação de a Câmara proceder ao despejo sumário, em caso de incumprimento.

Para tanto alegou, concluindo: " 1ª. A sentença recorrida fundamenta-se em factos errados e fez errada interpretação e aplicação do direito no caso concreto.

  1. O conflito entre a Entidade Recorrida e a Recorrente, no que concerne à necessidade ou desnecessidade de licença de utilização dos imóveis referidos nos autos, foi objecto de apreciação e decisão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, o qual por acórdão, recente, decidiu que, neste caso, inexiste norma legal, que imponha à recorrente a obrigação de obter a licença de construção.

  2. Efectivamente, os imóveis, cujo despejo foi ordenado pela deliberação recorrida, foram construídos pelo Estado, não necessitando, por isso, de licença de construção ou de utilização, sendo que as Câmaras Municipais carecem de competência para emitir essas licenças.

  3. A licença de utilização destina-se a comprovar que o edifício ou fracção reúne os requisitos legais e regulamentares para a nova utilização pretendida e previamente aprovada, quando houver alteração ao uso fixado em licença de utilização anteriormente emitida, ou a comprovar a conformidade da obra concluída com o projecto aprovado que serviu de base ao licenciamento da construção.

  4. Ora não se verificou uma construção "ex-novo", nem a Recorrente procedeu a reconstrução, reparação, ampliação ou alteração dos edifícios, e não existe licença de utilização anterior definidora de um uso específico para os imóveis, pelo que não pode falar-se em alteração de uso.

  5. A Srª. Notária, interveniente na escritura pública de compra daqueles imóveis pela Recorrente, reconheceu na mesma, no âmbito das suas competências legais (Artº 44º da Lei nº 46/85 de 20/9), que não era exigível a licença de utilização.

  6. A deliberação recorrida viola o princípio constitucional do Estado de Direito, ao pretender limitar e restringir a utilização dos imóveis pela Recorrente, sem a necessária cobertura legal.

  7. O mesmo princípio constitucional é, também, violado na interpretação feita na sentença recorrida, no sentido de ser exigível a licença de utilização para os referidos imóveis.

  8. A deliberação recorrida viola, também, o princípio constitucional da legalidade, pois não só nenhuma lei confere à Entidade Recorrida o poder de exigir o licenciamento das obras promovidas pelo Estado, como, pelo contrário, a lei reiteradamente lhe subtrai tal competência.

  9. O acolhimento da tese oposta na sentença recorrida conduz à violação por esta do referido princípio constitucional da legalidade .

  10. No caso concreto, havia entre a Entidade Recorrida e a Recorrente um conflito de interesses, quanto à propriedade dos imóveis declarado e assumido, cuja resolução cabe no âmbito da competência material reservada constitucionalmente aos tribunais, pelo que o recurso aos mecanismos do artº 165º do RGEU pela Entidade Recorrida constitui violação do nº 2 do Artº 202º da CRP.

  11. Com recurso ao despejo sumário pretendeu a entidade recorrida influenciar o conflito de interesses que tinha com a Recorrente, o que, também, constitui abuso de poder.

  12. Sem conceder quanto à desnecessidade de licença de utilização, o certo é que, contrariamente ao decidido na sentença recorrida, a Recorrente solicitou à Entidade Recorrida autorização para a utilização dos imóveis, no caso de a tal ser legalmente necessário, pedido a que aquela não respondeu.

Termos em que deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente, anulando-se a sentença recorrida, bem como a deliberação da entidade recorrida objecto dos presentes autos, Como é de justiça!" No seu Parecer o Exmo Magistrado do Ministério Público defende que deve manter-se a decisão impugnada, negando-se provimento ao recurso.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - MATÉRIA DE FACTO Com interesse para a decisão, a...

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