Acórdão nº 0633/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Dezembro de 2003

Magistrado ResponsávelANGELINA DOMINGUES
Data da Resolução03 de Dezembro de 2003
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo.

1.1 - A..., Procurador da República (id. a fls 2) interpôs, neste Supremo Tribunal, recurso contencioso de anulação da deliberação do Conselho Superior do Ministério Público de 25 de Fevereiro de 2002, que, na sequência do recurso interposto pelo Recorrente da deliberação disciplinar do mesmo Conselho, de 30 de Maio de 2001, pela qual havia sido punido com a pena de suspensão de exercício pelo período de 120 dias, lhe aplicou a pena de suspensão por 60 dias, suspendendo a respectiva execução pelo período de um ano.

1.2 - A entidade recorrida não respondeu nem alegou.

O Recorrente apresentou as alegações de fls. 58 e segs, que concluiu do seguinte modo: "

  1. A factualidade imputada ao recorrente não passa de mórbida e demoníaca fantasia.

  2. A materialidade fáctica integradora da conduta imputada ao recorrente e convertida na acusação tipifica um crime de não promoção, que foi declarado amnistiado. C) O crime de favorecimento pessoal não vem, manifestamente, alegado na douta nota de culpa, não contendo a acusação os elementos objectivos do tipo legal de crime; D) A mesmíssima conduta, tipificadora do crime de não promoção, não pode simultaneamente tipifìcar o crime de favorecimento pessoal.

  3. O próprio legislador expressamente anotou que no artigo 441 do C. Penal prevê-se a punição da violação dos deveres dos funcionários de promoverem o procedimento criminal. A existência deste tipo autónomo justifica-se pela intenção de evitar que o agente que pratique a acção nele descrita, seja sempre punido com a grave punição prevista para o crime de favorecimento pessoal (artº 437) - B.M.J. nº 290 - Ano 1979.

  4. De igual modo não vem alegado, nem tampouco poderia vir, qualquer elemento subjectivo, (pois que o dolo, sendo que é de natureza subjectiva, há-de necessariamente resultar dos factos), uma vez que a mencionada infracção postula exigências de dolo directo e específico, não podendo, por isso, existir por conduta produzida reflexamente, como expressamente consta do artº 72º da nota de culpa, sem que tivesse um "quid" factual diferenciador do crime de não promoção; G) Certo é que os mesmos factos foram qualificados, em sede de acusação crime como integrando os crimes de não promoção e de denegação de justiça e de abuso de poder, todos constituindo as infracções penais contidas nos artºs 414º nº1, 416º e 432º, o Cod. Penal, foram declarados prescritos, em sede própria (Tribunal da Relação), com transito em julgado, em Fevereiro de 1998. E não há quaisquer outros factos.

  5. A imputação do crime de favorecimento pessoal surge, agora, na nota de culpa, como novidade em termos de qualificação penal, sendo que ao arguido não foi dada qualquer hipótese de defesa ou justificação, pois que não tem subjacente qualquer comportamento ou conduta desviante.

  6. Segundo o artº 4º do DL 191-D/79 de 25 de Junho, o instituto de prescrição do procedimento disciplinar, sem restrição quanto à natureza das infracções, manteve a permanência da regra da identificação do prazo de prescrição do procedimento disciplinar com o prazo de prescrição do procedimento criminal quando, constituindo a infracção disciplinar também infracção penal, este prazo fosse mais longo.

  7. Assim, "in casu, a prescrição do procedimento disciplinar, por correspondência nos prazos das duas prescrições, verificou-se também na apontada data, 23 de Fevereiro de 1998.

  8. Deverá, assim, o procedimento disciplinar ser declarado extinto, com as consequências legais.

  9. Foram violados os artigos 437 e 441 do C. Penal e artº 4º do D.L.. 191-D/79 de 25 de Junho.

  10. Dando-se provimento ao presente recurso V. Exas. farão, como sempre." 1.2 - O Exmº. Magistrado do Mº. Público junto deste S.T.A. emitiu o parecer de fls. 69 do seguinte teor: "O recurso vem interposto da deliberação do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público, datado de 25-02-02, nos termos da qual, dando parcial provimento a reclamação deduzida da respectiva Secção Disciplinar, foi aplicada ao ora recorrente a pena de suspensão por sessenta dias, suspendendo-a na sua execução por um ano. Fundamentando esse parcial provimento, ponderou-se na deliberação que á data da instauração do inquérito, ocorrida em 20-5-97, o procedimento disciplinar pelos factos integrantes do crime de não promoção já se encontrava prescrito, o mesmo não acontecendo relativamente aos factos integrantes do crime de favorecimento pessoal praticado por funcionário, dado o disposto no artigo 5.º, n.º 4 do DL n.º 24/84, de 16 de Janeiro.

E certo é que estes últimos factos, adquirindo autonomia disciplinar, foram considerados reveladores de grave desinteresse pelo cumprimento das funções, constituindo a infracção prevista no artigo 158.º, n.º 1 da Lei n.º 47/86, de 16 de Janeiro(LOMP).

Em sede de conclusões da sua alegação de recurso, o recorrente defende, no essencial, o não preenchimento do crime de favorecimento pessoal como decorrência de não ter sido alegado qualquer elemento subjectivo, na modalidade de dolo específico, para tanto não bastando aludir a efeitos reflexos da conduta em questão, assim como entende que a prescrição do procedimento disciplinar, por correspondência com o que acontecera com o procedimento criminal, ter-se-ia verificado a 23 de Fevereiro de 1.998, concluindo por indicar como preceitos violados os artigos 437.º e 441.º do C. Penal e 4.º do DL n.º 191-D/79, de 25 de Junho (dá-se como adquirido que se pretendia invocar o artigo 411.º e não o 441.º do C. Penal e o artigo 4.º do DL n.º 24/4 de 16-1 e não o já revogado Estatuto Disciplinar aprovado pelo DL N.º 191-D/79).

Vejamos.

Afigura-se-me que a razão assiste ao recorrente quando defende que da matéria de facto acolhida na deliberação impugnada (artigos 62.º a 73.º da nota de culpa) não consta o necessário pressuposto subjectivo de culpa do recorrente no referente ao invocado crime de favorecimento pessoal, a respeito do que o artigo 72.º se limita a dar conta de um reflexo benefício por parte de uma terceira pessoa.

Ora, o certo é que o preenchimento desse tipo legal de crime exige que o respectivo agente tenha actuado com dolo específico ("com a intenção ou com a consciência de evitar que outrem, que praticou um crime, seja submetido a reacção penal nos termos da lei") - cfr. Código Penal de Simas Santos e Leal Henriques, em anotação ao artigo 410.º, elemento essencial - constitutivo esse que é de todo afastado pela referência ao benefício de terceiro ser meramente reflexo.

Impõe-se, pois, concluir que os factos acolhidos na deliberação impugnada não são passíveis de subsunção ao crime de favorecimento pessoal, atenta a não verificação do aludido elemento subjectivo, na modalidade de dolo especifico.

Não obstante, a circunstância dessa factualidade não integrar todos os elementos essenciais-constitutivos do crime de favorecimento pessoal não acarreta quaisquer efeitos invalidantes para a deliberação, uma vez que a mesma reveste plena autonomia para efeitos de aplicação de sanção disciplinar, como sucedeu "in casu"; enquanto reveladora de grave desinteresse pelo cumprimento das funções.

A relevância da não subsunção a infracção penal dos factos qualificados como infracção disciplinar encontra-se, a meu ver, na questão da prescrição da instauração do procedimento disciplinar.

Na verdade, não sendo considerado crime a factualidade integradora da infracção disciplinar, como se me afigura, o prazo que importa observar relativamente á questão da prescrição é o de três anos estabelecido no artigo 4.º, nº 1 do DL nº 24/84 e não o de cinco anos decorrente do n.º 3 do mesmo preceito.

E sendo assim, na data em que o inquérito foi instaurado - 20 de Maio de 1.997 - o direito de instaurar o respectivo procedimento disciplinar já se encontraria prescrito - desde 8 de Fevereiro de 1.996, tendo em conta que os factos que acabaram por ser punidos disciplinarmente ocorreram a 8 de Fevereiro de 1.993.

Em face do exposto, encontrando-se prescrito o procedimento disciplinar, embora por razões não coincidentes com as ale pelo recorrente, a deliberação, em meu entender, mostra-se ferida de vício de violação do artigo 4.º do DL n.º 24/84 (e não do DL n.º 191-D /79, como por lapso se menciona nas conclusões da alegação) Termos em que se é de parecer que o recurso merece provimento." 2 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

2.1- Com interesse para a decisão consideram-se assentes os seguintes factos:

a) Em 20-5-97 deu entrada na Procuradoria - Geral da República uma exposição subscrita por ..., contendo a denúncia de determinados factos que, no entender do participante, poderiam consubstanciar "a comissão por acção de um crime de ameaças e de um crime de abuso de poder, previstos e punidos nos artigos 153/1 e 382 do C. Penal, respectivamente".

b) Sobre a participação referida em a) foi em 20-5-97, proferido o seguinte despacho, pelo Senhor Vice Procurador Geral da República: "Proceda-se a Inquérito.

* * *Inspector: o Dr. ..." c) Em 2 de Julho de 1997, no processo de inquérito foi lavrado o seguinte despacho pelo respectivo Instrutor: "De acordo com a prova já produzida até ao momento, no âmbito do presente inquérito, para além da infracção disciplinar, poderemos estar também perante infracção de natureza criminal.

Nesta conformidade, por força das disposições combinadas dos artigos 140º, 186º e 187º da Lei 47/86, de 15.10, ordena-se a extracção de certidões de fls. 2 a 35 e de fls. 72 a 76 e o seu envio imediato ao Exmº. Conselheiro e Procurador - Geral da República, para efeitos de instauração de procedimento criminal (se assim for superiormente entendido).

* * *d) A certidão referida em c) enviada ao Chefe de Gabinete do Senhor Procurador - Geral da República - deu entrada na P. Geral da República em 13-1-98, tendo aí sido proferido o seguinte despacho: "Mº. Pº.: Urgente Rª ao Exmº Senhor P.G.D. em Coimbra.

Lisboa, 98/1/13 Assinatura ilegível" e) Em 24/4/98, foi elaborado o...

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