Acórdão nº 046/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Novembro de 2003
Magistrado Responsável | COSTA REIS |
Data da Resolução | 26 de Novembro de 2003 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
A..., médico, com os restantes sinais dos autos, interpôs, no Tribunal Central Administrativo, recurso contencioso pedindo a anulação do despacho do Sr. Secretário de Estado da Justiça, de 21/10/99, que ordenou o arquivamento da participação disciplinar que havia feito em 2/6/99, contra a Directora do Instituto de Medicina Legal de Lisboa, imputando-lhe vícios de forma - falta de fundamentação e incumprimento do disposto no art.º 100.º do CPA.
Tal recurso foi rejeitado com fundamento na ilegitimidade activa do Recorrente.
Inconformado, o Recorrente agravou para este Supremo Tribunal tendo formulado as seguintes conclusões : 1. A legitimidade, enquanto pressuposto de acesso e de intervenção dos particulares nos sistemas de resolução de conflitos emergentes das relações jurídico-administrativas, corresponde a uma única e mesma realidade jurídica, seja na ordem administrativa, seja na ordem jurisdicional.
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A legitimidade procedimental e a legitimidade processual estão unidas por uma relação de continuidade, fundada no interesse pessoal e directo na revogação ou anulação do acto administrativo.
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Quem detém legitimidade para a impugnação administrativa detém, necessariamente, legitimidade para a impugnação contenciosa.
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Ainda que assim não se entenda, para se assegurar a legitimidade no Contencioso de Anulação não é necessário que o Recorrente prove a lesão efectiva causada pelo acto recorrido, bastando-lhe invocar, com base em factos e com um mínimo de verosimilhança, a existência de tal lesão, por referência ao plano subjectivo dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.
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O Recorrente, porque detinha a legitimidade procedimental própria do seu estatuto de Participante, detinha, necessariamente, legitimidade para impugnar contenciosamente o acto final do procedimento administrativo.
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Até porque era, também, ofendido, conforme invocou expressamente na Participação Disciplinar e na Petição de Recurso Contencioso, com base em factos que discriminou e que, bem ou mal, reputou de lesivos de direitos e interesses integrantes da sua esfera jurídica.
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O Acórdão Recorrido, julgando procedente a questão prévia suscitada pelo Digno Magistrado do MP, enferma de erro sobre os pressupostos de Direito.
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Violando os art.º 20.°, n. ° 1, e 268.°, n. ° 4, da CRP e 46°, n.° 1, do RSTA.
Não foram apresentadas contra alegações.
O MP emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
Mostrando-se colhidos os vistos legais cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO I.
MATÉRIA DE FACTO.
A decisão recorrida julgou provados os seguintes factos : A) Por carta registada com aviso de recepção de 2/6/99 (doc. de fls. 17), o recorrente dirigiu ao Sr. Ministro da Justiça a exposição, cuja cópia se encontra junta de fls. 18 a 27, aqui, dada por inteiramente reproduzida.
B) A exposição efectuada pelo recorrente diz, em síntese, o seguinte : "A..., médico (...), Assistente Graduado de Medicina Legal, do quadro legal de pessoal do Instituto de Medicinal Legal de Lisboa, tendo em conta os poderes de superintendência e tutela conferidos a V. Ex.cia pelo art.º 16.°, n.º 2, do DL n.º 11/98, de 24/1, vem, ao abrigo do art.º 46.°, n.º 2, do Estatuto dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo DL n.º 24/84, de 16/1, expor e participar a V. Ex.a a seguinte factualidade: 1. Mediante despacho do Sr. Ministro da Justiça, de 30/6/88, o Participante foi nomeado Director do Serviço de Psiquiatria Forense do Instituto de Medicina Legal de Lisboa (IMLL) - doc. n.º 1.
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(.....) 3. Tendo cessado em 30/6/97, na sequência da não renovação da comissão de serviço iniciada em 30 de Junho de 1994.
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Não obstante, o Participante continuou no exercício, de facto, das funções de Director de Serviço de Psiquiatria Forense, o que viria a perdurar até 31/1/98.
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Entretanto, mediante ofício de 27/10/97 (doc. n.º 3), atinente à "Comissão de Serviço, como Director de Serviços do Serviço de Psiquiatria Forense", o Chefe de Gabinete do Senhor Secretário de Estado da Justiça comunicou à Senhora Directora do IMLL o seguinte: "Relativamente ao assunto em epígrafe, tenho a honra de informar V. Ex.cia que, de acordo com a legislação aplicável, nomeadamente a Lei n.º 13/97, de 23/5, e DL n.º 231/97, de 3/9, a obrigatoriedade de concurso se impõe "aos titulares dos cargos dirigentes", nomeados, ou cuja comissão de serviço seja renovada, após a entrada em vigor a Lei n.º 13/97.
Quanto ao assunto da parte final do mesmo oficio, pode ler-se no art.º 5.º n.º 3, parte final, do DL n.º 232/89, de 26/9, "...caso em que o dirigente se manterá no exercício de funções de gestão corrente até à nomeação de novo titular do cargo".
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Na sequência de várias medidas tomadas pela Senhora Directora do IMLL em relação ao Serviço de Psiquiatria Forense (....), este, mediante requerimento de 25/2/98 (Doc. n.º 4), solicitou informação sobre as funções a seu cargo, no Serviço de Psiquiatria Forense e no IMLL.
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Em resposta a tal pretensão informativa, a Sr.ª Directora do IMLL emitiu, em 11/3/98, um despacho (doc. n.º 5), onde, entre o mais, determinou : "a) Notificar o Sr. Dr. A... de que a sua comissão de serviço no cargo de Director de Serviço de Psiquiatria Forense, cessou em 30/6/97; b) Em consequência, deverá o aludido médico deixar de receber a remuneração correspondente ao cargo que vinha exercendo, desde 1/2/98; c) Considerar sanada a irregularidade quanto à situação de percepção de rendimentos relativos ao cargo exercido desde 1/6/87 até 31/1/98, por ter exercido de boa fé tal cargo; d) Por outro lado, se for entendido oportuno será desencadeado o processo de concurso a que alude a Lei n.º 13/97, de 23/5, "ex vi" do DL n.º 231/97, de 3 de Setembro".
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Em resultado da determinação referida no número anterior, o Participante foi afastado, a partir de 1 de Fevereiro de 1998, do exercício de funções de Director do Serviço de Psiquiatria Forense, mesmo das de gestão corrente e, consequentemente, deixou de auferir, a partir daquela data, a remuneração correspondente ao cargo.
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Até à presente data, mais de um ano volvido sobre o afastamento do Participante da direcção do Serviço de Psiquiatria Forense, não foi promovida a abertura de concurso em ordem à nomeação de novo titular do cargo.
(..) 12. Em consequência directa de tal situação, não existe nem funciona, no IMLL, o Conselho Técnico, já que a maior parte dos Serviços não tem Director.
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Entretanto, o Participante foi colocado no Serviço da Clínica Médico-Legal, na dependência hierárquica da Dr.ª ..., nomeada "Coordenadora" daquele Serviço por despacho da Sr.ª Directora do IMLL.
(..........) Esta a factualidade que, na economia da presente Participação, importa relevar. Vejamos, de seguida, o enquadramento legal.
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O regime jurídico da organização Médico-Legal foi aprovado pelo DL 11/98, de 24/1. De acordo com o art.º 16.°, n.º 1, deste diploma legal, os Institutos de Medicina Legal têm a natureza de "serviços públicos personalizados". Daí que lhes seja aplicável o regime inscrito no DL n.º 323/89, de 26/9, que aprovou o Estatuto do Pessoal Dirigente (EPD), nos termos do preceituado no seu art.º 1.°, n.º 1. Note-se, aliás, que o Director e o Administrador daqueles Institutos, bem como os Directores dos vários Serviços que os integram, são nomeados nos termos previstos no EPD, por expressa imposição do DL n.º 11/98 (art.°s 18.°, n.º 1, 21.°, n.º 1 e 26.°, n.º 1).
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Os Institutos de Medicina Legal, no tocante à organização e funcionamento, estão sujeitos à superintendência e tutela do Ministro da Justiça (DL n.º 11/98, art.º 16.°, n.º 2). Cabe aos Directores dos Institutos, por seu turno, desenvolver todas as acções...
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