Acórdão nº 0654/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Novembro de 2003
Magistrado Responsável | JORGE DE SOUSA |
Data da Resolução | 26 de Novembro de 2003 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1 - A... instaurou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa acção declarativa de condenação com processo comum sob a forma ordinária contra o MUNICÍPIO DE ALMADA, pedindo a condenação do réu a pagar-lhe 613.450$00 por danos patrimoniais e 500.000$00 por danos morais, tudo acrescido dos juros vencidos, à taxa anual de 7%, no valor de 39.792$00, e dos juros vincendos, à mesma taxa, até integral pagamento daquelas importâncias.
Posteriormente, foi admitida a intervenção acessória da ..., SA, e a intervenção principal passiva do Instituto de Estradas de Portugal.
Por sentença de 18-10-2002, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa absolveu do pedido o Instituto de Estradas de Portugal e condenou o Município de Almada a pagar ao Autor, a título de indemnização, a importância de 2.835,42 euros, acrescidos de juros vencidos desde a citação, à taxa anual legal de 7% e juros vincendos até integral pagamento daquele montante, à taxa anual legal que vier a vigorar.
Inconformado, o MUNICÍPIO DE ALMADA interpôs o presente recurso jurisdicional para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando alegações com as seguintes conclusões: a) O rebentamento da conduta de água e a falta de escoamento, com a consequente inundação da E.N. 377, não consubstancia necessariamente uma conduta omissiva violadora dos deveres de conservação e manutenção; b) Para que tal violação possa ser apontada, ao recorrente, é indispensável saber-se, além do que fez em matéria de cumprimento desses deveres, o que é que não fez e deveria ter feito, assim como é indispensável saber-se quais os princípios e as normas violados pelos actos "omitidos".
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Ainda que o recorrente tenha deixado de praticar algum acto ou facto material, presumivelmente culposo e causa da inundação da EN 377, tal acto ou facto não é causa juridicamente adequada nem socialmente aceitável da imersão da viatura do recorrido, d) Porquanto foi este quem voluntariamente entrou com a viatura no lençol de água, de grande extensão e visível com muita antecedência, sendo certo que podia e devia ter evitado o atravessamento, não só em obediência às regras da experiência e de prudência comum como também às do Código da Estrada.
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Tendo-se aventurado a atravessar o vasto lençol de água, com um automóvel ligeiro que faz a aspiração por baixo e não podendo deixar de prefigurar vários perigos e obstáculos que em tais circunstâncias existem, em vez de procurar caminhos alternativos - que existem - ou aguardar o esvaziamento da estrada, o recorrido é o único responsável pelos danos resultantes da sua grosseira temeridade.
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Não está demonstrado que a viatura sinistrada carecesse do motor novo que nela foi colocado nem se conhece o valor do motor avariado, pelo que o montante indemnizatório atribuído sempre exigiria melhor fundamento.
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Assim, sem adequada motivação, a douta sentença recorrida decide de forma deficiente e obscura, especialmente no que respeita à responsabilidade do recorrido pela produção do dano e quanto à extensão deste, não se conformando com os preceitos legais em que se apoia.
Termos em que e nos mais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser anulada e o recorrido declarado o único responsável pela produção dos danos que ele próprio sofreu, assim se fazendo justiça.
O Autor contra-alegou, concluindo da seguinte forma: 1 - As alegações da Apelante limitaram-se apenas a referir alguma matéria dada como provada pela douta sentença; 2 - O que interessa para a apreciação da presente sentença é toda a matéria factual e dada como provada, em sede de Audiência de Julgamento.
3 - E a matéria dada como provada é a constante dos factos provados referidos na alínea a) a R) da douta decisão do tribunal "a quo"; 4 - A douta sentença foi um modelo de ponderação dos factos, na apreciação da prova levada aos autos, pelo que deverá ser mantida "in totum".
5 - As autarquias locais respondem perante terceiros pelos factos omissivos, nos termos do art. 90º do Decreto Lei 100/84 e do art. 6 do Decreto Lei 48051, e uma vez que os actos omissivos por parte da Apelante levaram a produzir no Apelado o dano constante da sentença, pelo que aquela deverá ressarcir o Apelado da lesão verificada.
6 - Mostra-se assim, adequada e justa a douta sentença no ressarcimento da lesão que teve o Apelado.
A Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer nos seguintes termos: Afigura-se-nos que deverá ser negado provimento ao recurso jurisdicional.
Conforme dispõe o art. 6º do DL nº 48051, de 21.11.1967, "para os efeitos deste diploma, consideram-se ilícitos os actos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infringem estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração".
Face à definição ampla de ilicitude constante deste preceito, tem a jurisprudência deste STA considerado ser difícil estabelecer uma linha de fronteira entre os requisitos da ilicitude e da culpa, afirmando que, estando em causa a violação do dever de boa administração, a culpa assume o aspecto subjectivo da ilicitude, que se traduz na culpabilidade do agente por ter violado regras jurídicas ou de prudência que tinha obrigação de conhecer ou de adoptar - cfr, v. g., os acórdãos de 2002.04.10, 99.07.08, 98.11.26, 98.05.12, 98.01.21, 96.12.17 e 96.03.21, respectivamente nos proc. nºs 60/02, 43956, 42545, 39614, 42975, 38481 e 38902.
Por outro lado, de harmonia com a orientação que este STA tem vindo a defender uniformemente, a partir do acórdão do T. Pleno de 98.04.29, no processo nº 36463, a remissão contida no art. 4º, nº 1, do DL nº 48051, de 21.11.67 para o art. 487º do CC abrange também o nº 1 deste último artigo e dai a admissão de presunções legais de culpa, entre as quais se inclui a do art. 493º, nº 1, do CC. Assim, e tal como ponderou a sentença recorrida, à responsabilidade civil extracontratual das autarquias locais por actos de gestão pública aplica-se a presunção de culpa consagrada no art. 493º, nº 1, do CC.
In casu, atentos os factos considerados provados, temos o seguinte: - A estrada onde ocorreu a inundação, em 98.04.01, fora transferida, para a Câmara Municipal de Almada em 97.10.13, tendo a sua conservação e exploração passado a competir a esta autarquia a partir desta última data; - A conduta que rebentou nessa estrada em 98.04.01 era assistida quando se detectavam problemas; - Nesse local, a drenagem da estrada encontrava-se assoreada, não escoando a água proveniente da conduta rebentada.
Muito embora se tenha provado a assistência pelo réu quando se detectavam problemas na referida conduta, esta factualidade (tal como entendeu a sentença) era manifestamente...
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