Acórdão nº 01572/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Novembro de 2003

Magistrado ResponsávelRUI BOTELHO
Data da Resolução13 de Novembro de 2003
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I Relatório O Estado Português, representado pelo Ministério Público, vem recorrer da decisão do TAC de Lisboa, de 6.11.02, que julgou parcialmente procedente a acção emergente de responsabilidade civil extracontratual, contra ele movida por A...

, bem como, contra B...

e seu marido C...

, todos com melhor identificação nos autos.

Terminou a sua alegação formulando as seguintes conclusões: I- O presente recurso jurisdicional vem interposto pelo Ministério Público em representação do R., Estado Português, da douta sentença proferida em 06/11/2002, na parte em que, considerando que a A. havia logrado provar a existência de facto ilícito imputável ao R. Estado Português a título de culpa do serviço, do qual resultaram, como consequência directa e necessária, danos patrimoniais e não patrimoniais para a A., o Mm.º Juiz "a quo" julgou a acção parcialmente procedente, condenando o R. Estado Português a pagar à A. o montante total de 3.330,59 E (667.725$00), dos quais 2.582,40 E (517.725$00) por danos patrimoniais e 748,19 E (150.000$00) por danos não patrimoniais, bem como no pagamento de juros sobre os 3.330,59 E desde a citação, e sobre 748,19 E desde a sentença e até integral pagamento, à taxa de juros civis.

II- No que respeita à co-ré B..., pela douta sentença sub judice foi correctamente entendido que não se mostrava preenchido o requisito da culpa, ou nexo de imputação, por ter sido considerado que era desculpável a omissão do dever de cuidado de verificar atentamente que o arrombamento se referia a apenas um local e não na morada onde aconteceu, sendo que igual comportamento era, nas circunstâncias do caso, inexigível a um funcionário normalmente diligente.

III- Em relação ao R. Estado Português, o Mm.º Juiz considerou que a A. havia logrado provar a existência de facto ilícito imputável ao R. Estado Português a título de culpa do serviço, do qual resultaram, como consequência directa e necessária, danos patrimoniais e não patrimoniais para a A., que computou nas quantias já indicadas, condenando o R. Estado Português em conformidade.

IV- O que não se aceita, por não resultar, na nossa opinião, da matéria de facto dada como provada e por não representar a melhor interpretação e aplicação do Direito.

V- Desde logo, não ficou demonstrada a ilegalidade do arrombamento, quer porque, objectivamente, não há violação de normas legais, pois a própria lei determina o arrombamento das portas quando for recusada a sua abertura (arts. 840° e 850° n.º 1 do C. de Processo Civil), quer porque não ocorre violação das "leges artis".

VI- Mesmo a entender-se provada a existência de acto ilegal, o que não se concede, daí não decorria automaticamente a ilicitude de tal facto, pois nem toda a ilegalidade implica ilicitude, para efeitos indemnizatórios, exigindo a lei, para tanto, que se traduza na violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios.

VII- A regulamentação do arrombamento, por ser acto conducente à efectivação da penhora, visa a satisfação do direito do exequente e não a protecção do direito de propriedade do detentor precário.

VIII- O arrombamento em causa não violou normas que atribuam à A. um direito subjectivo, pelo que, não se concede que o acto fosse ilícito.

IX- Falece, assim, este pressuposto da responsabilidade civil do Estado, pelo que, ao invés do que foi decidido na douta sentença sub judice, a acção deveria ter sido julgada improcedente.

X- Mas, mesmo que assim se não entendesse, o que apenas se admite para efeitos de raciocínio, supondo-se que estava verificada a tipicidade da conduta, que houve uma actuação objectivamente ilícita por na realidade o despacho judicial em execução não determinar o arrombamento da sede da A. (Rua Borges Carneiro) mas sim da sede da arrendatária da A. (Av. de Roma), e aceitando o afastamento da culpa em relação à co-ré, nem assim daí decorreria automaticamente a culpa de serviço, a culpa do ente colectivo.

XI- É que a culpa não se presume.

XII- Nas acções indemnizatórias, a causa de pedir é complexa por assentar em vários factos que, conjugados, fundamentam a pretensão do autor, pois a causa de pedir compreende todos os pressupostos do dever de indemnizar.

XIII- Assim e dada a consagração no n.º 4 do art. 498° do C. de Processo Civil da teoria da substanciação, à A. competia alegar, de modo inteligível e claro, os factos concretos relativos ao evento danoso, à ilicitude, à culpa, aos danos e ao nexo de causalidade, pois são esses factos concretos que originam o direito que pretende ver tutelado.

XIV- Competia, assim, à A. a invocação de factos que conduzissem a um juízo de reprovação sobre o serviço do R. Estado Português.

XV- Ora, a A. não aduziu qualquer facto respeitante a "culpa de serviço", não tendo cuidado de carrear ao Tribunal quaisquer factos dos quais se pudesse extrair a conclusão de que, ao culminar no arrombamento, o serviço incorreu em erro de conduta, censurável por revelar diligência inferior do padrão médio que, atentas as circunstâncias do caso, fosse exigível (DL n.º 48.051, de 21/11/67, art. 4° n.º 1 e C. Civil, art. 487°).

XVI- Pelo que a acção deveria ter sido julgada improcedente por falta de um dos requisitos do dever de indemnizar.

XVII- Por outro lado, a conclusão a que se chegou na sentença, de que se provara a culpa do serviço, baseou-se em ilações não consentidas pelos factos concretos provados.

XVIII- Por outro lado ainda, para além dos factos atendidos na sentença pelo Mm.º Juiz "a quo" para concluir pela culpa do serviço, havia também outros factos a atender, e do conjunto de todos os factos apurados não resulta a conclusão de que se provou a existência de culpa do serviço.

XIX- Da globalidade dos factos provados resulta que foi a actuação da lesada - foi a actuação do Administrador da A. - que deu causa ao despacho judicial que ordenou o arrombamento e ao arrombamento, ou pelo menos que contribuiu largamente para o mesmo.

XX- Os factos provados, considerados na sua globalidade, não permitiam, pois, a conclusão a que o Mm.º Juiz chegou, de verificação de uma culpa de serviço, culpa do ente colectivo.

XXI- Pelo que, salvo o devido respeito, o Mm.º Juiz incorreu em erro de julgamento ao considerar verificado o pressuposto da culpa ou da imputação do facto ilícito ao R. Estado Português.

XXII- O Mm.º Juiz considerou que a A., pessoa colectiva, era susceptível de sofrer danos morais, o que não se aceita, tendo julgado improcedente o pedido de indemnização formulado pela A. sob a alegação de ter estado privada de segurança e de sistema de alarme durante 87 dias e consequente exposição a situação de insegurança, e parcialmente procedente o pedido de indemnização formulado pela A. respeitante a alegada violação da sua intimidade e privacidade de pessoa colectiva.

XXIII- Quanto ao primeiro pedido referido em XXII supra, apesar de se entender que o alegado dano era patrimonial por respeitar a interesses avaliáveis em dinheiro, dano esse que a A. não logrou provar, e que a A., por ser uma sociedade, não é susceptível de sentir sentimentos de receio, medo, preocupações, sendo portanto insusceptível de sofrer danos morais, aceita-se a decisão proferida, na medida em que a mesma é de improcedência.

XXIV- Quanto ao segundo pedido referido em XXII supra, o Mm.º Juiz considerou verificado dano moral com as respostas aos quesitos 16° e 17°, e considerou que tal constituía dano moral ressarcível da A., pessoa colectiva.

XXV- Ora, pelas respostas dadas pelo Colectivo aos quesitos 16° e 17°, ficou provado apenas que um dos Administradores da A. considerou violada a intimidade e a privacidade de pessoa colectiva, da A..

XXVI- As respostas dadas pelo Colectivo aos quesitos 16° e 17° não são deficientes, pois as expressões nelas utilizadas permitem discernir qual a realidade fáctica que se considera provada.

XXVII- A A. não logrou fazer prova da existência em concreto dos alegados danos não patrimoniais por pretensa violação do alegado direito que se arrogava.

XXVIII- Pelo que, não poderia o pedido de indemnização por esse "dano" ter sido julgado procedente.

XXIX- O dano indemnizável pressupõe lesão num direito ou num interesse juridicamente protegido do demandante.

XXX- Ora, as sociedades não são susceptíveis de sentir sofrimentos por perda de privacidade e de intimidade, não sendo, pois, susceptíveis de sofrer danos morais.

XXXI- Os factos provados não constituem, portanto, dano não patrimonial e muito menos dano não patrimonial cuja gravidade justifique a sua tutela pelo Direito.

XXXII- Deveria, pois, ter sido julgado improcedente todo o pedido deduzido pela A. a título de danos não patrimoniais.

XXXIII- De todos os danos invocados, a A. apenas logrou provar a existência de danos patrimoniais no valor de Esc. 517.725$00 - cfr. as respostas aos quesitos 8°, 9°, 18° e 19°.

XXXIV- Ora, a instrução dada pela Ré ao trabalhador das Chaves do Areeiro foi a de desactivar o alarme e não a de destruir o aparelho de alarme - cfr. as respostas dadas aos quesitos 3°, 26° D e 26° F.

XXXV- Inexiste, assim, nexo de causalidade entre a conduta imputável à agente do Estado (ou ao serviço do Estado) e o resultado danoso, pois não ficou demonstrado que os danos sofridos pela A. tenham sido consequência normal, típica e previsível dos factos a que os imputa.

XXXVI- Consequentemente, não pode o...

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