Acórdão nº 0586/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Outubro de 2003

Data14 Outubro 2003
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1. RELATÓRIO A..., com os demais sinais nos autos, interpôs recurso jurisdicional do acórdão do Tribunal Central Administrativo (TCA) de 5/12/02, que negou provimento ao recurso contencioso nele interposto do despacho do Ministro da Administração Interna de 24/5/2 000, que lhe aplicou a pena de demissão.

Nas suas alegações, formulou as seguintes conclusões: 1.ª) - O procedimento disciplinar não foi tempestivamente iniciado, pelo que se verificou, ultrapassado o prazo de 3 meses, a prescrição do respectivo direito.

  1. ) - Os factos ocorreram em 24 de Março de 1994, e só em 6 de Março de 1995 foi proferido despacho a ordenar procedimento disciplinar, isto é estão ultrapassados 3 meses após o conhecimento dos mesmos.

  2. ) - Logo na participação existiam indícios de violação de deveres profissionais, pelo que, quando esta chegou ao conhecimento do Comando Distrital da P.S.P, deveria ser ordenado, de imediato, procedimento disciplinar contra o infractor.

  3. ) - E houve de forma clara e inequívoca conhecimento dos factos.

  4. ) - Foi público e notório que a rádio e T.V., nesse mesmo dia, deram um claro relato da ocorrência dos factos.

  5. ) - A participação e a narração pública feitas pela comunicação social no próprio dia, chegaram ao conhecimento do Comando Distrital, entidade com competência disciplinar para o efeito e do conhecimento de que haviam participado dois agentes no homicídio do "Faia".

  6. ) - Dentro do principio de autonomia ou independência do direito e do procedimento disciplinar, o processo penal não impede o andamento do processo disciplinar.

  7. ) - Por tal facto, o procedimento disciplinar está prescrito, artigo 55.° n.° 1.

  8. ) - A prescrição deve-se única e exclusivamente à inércia e esquecimento do superior hierárquico, que não ordenou o respectivo procedimento disciplinar contra o recorrente.

  9. ) - Aliás, não foram praticados quaisquer actos instrutórios com efectiva incidência na marcha do processo, pelo que o mesmo está prescrito.

  10. ) - Isto porque, passaram mais de quatro anos quando o recorrente foi notificado da última acusação, o que significa que todos os actos anteriores foram considerados nulos, inclusive a primeira nota de culpa.

  11. ) - Além disso, o processo disciplinar acarreta consigo nulidades.

  12. ) - As acusações formuladas contra o recorrente em 21 de Junho de 1995, em 28 de Novembro de 1995 e 19 de Novembro de 1996 foram anuladas por despacho superior.

  13. ) - Tais despachos são nulos e inquinam o processo de nulidade absoluta.

  14. ) - E isto porque a entidade competente para o exercício da acção disciplinar não tem poderes para anular o processo.

  15. ) - A lei, nos termos do artigo 88.°, n° 1 do RD/P.S.P., só garante que a entidade competente possa ordenar novas diligências de prova.

  16. ) - Sendo assim, tem que ser tomada como válida a primeira decisão de punição, que aplicou ao recorrente 30 dias de suspensão.

  17. ) - Houve erro nos pressupostos de facto.

  18. ) - Isto resulta do recorrente ter sido acusado de só ter efectuado a participação após ter tido conhecimento da notícia transmitida pela SIC.

  19. ) - Sendo, como é, um facto novo, ele só poderia constar de uma adenda à acusação e não de uma nova acusação.

  20. ) - Aliás, o que consta dos autos é o contrário daquilo que consta da decisão.

  21. ) - O recorrente deu conhecimento total dos factos ao ..., seu superior hierárquico, entre as 12 e as 14 horas.

  22. ) - A notícia da SIC foi divulgada dias após a ocorrência dos factos.

  23. ) - O recorrente, após os factos, não foi suspenso e continuou ao serviço da PSP, por cerca de 4 anos.

  24. ) - Nesse período foi louvado em ordem de serviço, por bom comportamento.

  25. ) - E, após criteriosa selecção, foi escolhido para o Corpo de Intervenção da PSP.

  26. ) - Continuou a prestar serviço e só após 4 anos, e por decisão do Juiz de Instrução, foi suspenso.

  27. ) - Todo o processo está inquinado de ilegalidades, que violam o direito de defesa do recorrente.

  28. ) - É proferida decisão de punição duas vezes sobre os mesmos factos, o que viola o disposto no artigo 29.º, n.º 5 da CRP.

  29. ) - Tal acto acarreta a nulidade do processo, uma vez que a primeira decisão tomada no processo a fls. 469 não foi anulada.

  30. ) - O despacho que ora se recorre, viola os artigos 47.°, 55.°, n.° 1 e n.° 3, artigo 88.° do RD/P.S.P. e artigo 29.º, n.º 5 da C.R.P..

    Contra-alegou a autoridade recorrida, que formulou as seguintes conclusões.

  31. ) - Constitui objecto do recurso jurisdicional a decisão do tribunal recorrido e não o acto administrativo de que foi interposto recurso contencioso.

  32. ) - Em sede de recurso jurisdicional, a alegação deve servir não para a insistência sobre a existência dos vícios do acto, com mera reprodução dos argumentos já expendidos no recurso contencioso, como ocorre no caso "sub judice", mas para salientar que existem eventuais erros de apreciação ou de julgamento na pronúncia constante da decisão judicial impugnada a propósito desses vícios.

  33. ) - Não suscitando o Agravante, quer no texto da alegação de recurso jurisdicional quer nas conclusões, nenhum reparo à decisão judicial sob recurso, este deve improceder .

    Contudo, sem conceder, e por mera cautela: 4.ª) - O acórdão sob recurso jurisdicional não merece qualquer censura. Com efeito , 5.ª) - Não deve esse Venerando Tribunal conhecer a matéria constante das conclusões relativas à ofensa às normas dos artigos 29.°, n.º 5, da CRP, 88.° e 55.°, n.º 1, do RD/PSP, uma vez que o douto Acórdão sob recurso jurisdicional não conheceu da mesma, nos termos do artigo 690.º do Código de Processo Civil, já que a arguição destes vícios foi abandonada, pelo Recorrente, na alegação produzida na primeira instância de recurso.

  34. ) - Não se verificou a prescrição da responsabilidade disciplinar a que se refere o artigo 55.°, n.º 3, do RD/PSP, uma vez que o prazo prescricional nele referido se suspendeu com a instauração do processo disciplinar dirigido contra o outro interveniente nos factos. Com efeito, 7.ª) - O prazo prescricional pelos factos praticados pelo arguido começou a correr, quando os seus superiores hierárquicos tiveram conhecimento dos mesmos, mas suspendeu-se com a instauração de processo disciplinar apenas contra o outro interveniente, o que aconteceu dois dias depois da ocorrência, em 26-03-94.

  35. ) - O prazo de prescrição voltou a correr, em 13 de Janeiro de 1995, até 17 de Fevereiro do mesmo ano, data em que o então Comandante Distrital de Lisboa concordou com a proposta do Senhor Instrutor, no sentido de prosseguir, em processo separado, a averiguação disciplinar da conduta do arguido.

  36. ) - Entre 13 de Janeiro de 1995 e 17 de Fevereiro do mesmo ano, decorreu apenas, cerca de um mês, o que, adicionado aos dois dias que mediaram entre o conhecimento dos factos e a instauração do processo disciplinar, fica muito aquém do prazo de três meses que a lei consagra.

  37. ) - O superior hierárquico apenas teve conhecimento dos factos, em termos de os poder valorar como ilícitos disciplinares, no momento em que concordou com a proposta do instrutor, no sentido de prosseguir, em processo separado, a averiguação disciplinar da conduta do arguido, tanto mais que esta era constituída por omissões.

  38. ) - O douto acórdão sob recurso jurisdicional não ofendeu o direito de defesa, uma vez que as reformulações do procedimento visaram, sim, não só garantir aquele direito ao então arguido, mas também prosseguir o princípio da verdade material, princípio e direito que informam os processos sancionatórios.

  39. ) - Este vício, a existir, sempre se deveria considerar sanado, uma vez que o então arguido nunca reclamou das decisões de reformulação do processo até à decisão final, como decorre do artigo 86.º, n.º 2 do referido Regulamento Disciplinar.

  40. ) - O douto acórdão sob recurso jurisdicional, ao considerar que o despacho punitivo de 24/5/2000 não incorreu em qualquer erro na apreciação dos factos, não padece de qualquer vício, sendo a pena imposta justa, adequada e proporcionada à gravidade dos factos dados como provados.

  41. ) -Aquele acórdão não padece de qualquer outro vício - de forma ou de violação de lei - obedecendo plenamente aos princípios e normas dos artigos 266.º e 268.º, n.º 3, da CRP, 47.º, 49.º e 55.º, n.º 3, do RD/PSP.

    2. FUNDAMENTAÇÃO 2. 1. OS FACTOS: O douto acórdão recorrido deu como provados os seguintes factos, que não foram questionados pelo recorrente e se mostram suficientes para a decisão do presente recurso: a) - o recorrente, em 24.03.94, na qualidade de guarda da PSP, elaborou um auto de notícia, cuja cópia consta de fls. 3 a 5 do pa apenso e cujo teor aqui se dá por reproduzido; b) - pelo oficio n° 34 160 da PSP - Comando Distrital de Lisboa - foi tal auto de notícia remetido ao Delegado do Procurador da República de Turno, junto do TIC (fls. 2 do pa); c) - nesse ofício se referia que em tal auto de notícia "consta que o Guarda nºs ... ..., terá, na Rua da Cintura, cometido um crime de Homicídio, por ter atirado ao Rio Tejo, um indivíduo que, naquele local, interrogava" (fls. 2 do pa); d) - na cópia deste, oficio constante de fls. 2, do pa encontra-se escrito um despacho, datado de 28.04.94, do Comandante Distrital de Lisboa do seguinte teor: "Á SJD p/ organizar P.º Disciplinar"; e) - o recorrente prestou declarações no processo disciplinar que foi instaurado ao guarda ..., designadamente as constantes de fls. 24 a 27 do pa, cujo teor aqui se dá por reproduzido; f) - no processo disciplinar 1995/DIS/00044 (pa apenso) encontra-se a fls. 106 a informação n.° 336/95...

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