Acórdão nº 034368 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Julho de 2003

Magistrado ResponsávelALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Data da Resolução01 de Julho de 2003
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência, na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

1.1.

A..., empreiteira de obras públicas, com sede em Florença, Itália, concorreu à empreitada designada por "IP2 - Túnel da Gardunha", objecto de concurso público internacional publicado no Diário da República, III série n° 87, de 14 de Abril de 1993.

Por despacho do Secretário de Estado das Obras Públicas, de 29 de Dezembro de 1993, ao abrigo de delegação de poderes, foi autorizada a adjudicação da empreitada às concorrentes "B... e C...".

É deste despacho que vem interposto o presente recurso contencioso.

1.2.

Em alegações, a recorrente formulou as seguintes conclusões: A) O despacho recorrido viola não só as normas do nosso direito interno como do direito comunitário directamente aplicáveis na ordem jurídica por força do art. 8.º da Constituição da República Portuguesa (Directivas 89/440/CEE e 93/37/CEE); B) O despacho recorrido viola o princípio da legalidade consagrado no art. 266.º n.º 2, da CRP, acolhido no artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo; C) Viola, ainda, o princípio da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadão, consagrado no n.º 1 do art. 266.º da CRP, reproduzido no art. 4º do já referido Código do Procedimento Administrativo; D) Também viola os princípios da justiça e da imparcialidade consagrados na CRP (art. 266.º, n.º 2, e 269.º, n.º 1) acolhidos no art. 6.º do Código do Procedimento Administrativo; E) O acto está, pois, inquinado do vício de violação de lei, por erro quanto aos pressupostos, pelo que deverá ser decretada a sua anulação, nos termos e ao abrigo dos artigos 135.º e 136.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo e ao abrigo dos n.ºs 4 e 5 do Art. 268.º da CRP".

1.3.

Notificada para especificar as normas a que se reportava na conclusão A), veio a recorrente "completar" a conclusão A), do seguinte modo (fls. 507): "A) O despacho recorrido viola não só as normas do nosso direito interno como do direito comunitário directamente aplicáveis na ordem jurídica por força do art. 8.º da Constituição da República Portuguesa (Directivas 89/440/CEE e 93/37/CEE), nomeadamente: • os artigos 5°, 24° e 25° do Decreto-Lei n° 100/88 de 23 de Março; • o artigo 68° do Decreto-Lei n° 235/86 de 18 de Agosto; • os artigos 25° a 28° da Directiva 71/305/CEE, com a redacção que lhe foi dada pela Directiva n° 89/440/CEE; • e o artigo 29° da Directiva 93/37/CEE." 1.4.

A autoridade recorrida alegou que foram "correctamente observados os critérios e parâmetros que a Administração divulgou e a que se autovinculou, tendo sido claramente divulgado o percurso e o sentido da opção feita e não se demonstrando que haja qualquer desvio aos princípios e normas gerais e especiais que regeram o concurso, afiguram-se inteiramente improcedentes as razões alegadas pela recorrente" (artigo 15.º).

1.5.

As recorridas particulares B... e C..., contra-alegaram, formulando as seguintes conclusões: "I - A titularidade de alvará não constitui, por si só presunção de capacidade técnica (e financeira e económica) para a execução de uma empreitada, em concreto.

II - O legislador nacional procedeu à transposição, para a ordem jurídica interna, das directivas comunitárias relativas à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas, que se encontram adaptadas pelo regime jurídico de empreitadas de obras públicas, pela legislação sobre alvarás e demais conexas.

III - O acto administrativo sub judice (e, no limite, o procedimento administrativo que lhe subjaze) é, assim, absolutamente insusceptível de ser aferido por aquelas normas de direito comunitário.

IV - O acto recorrido insere-se no âmbito da denominada discricionariedade técnica, que é insindicável contenciosamente, a menos que exista erro grosseiro ou manifesto no juízo de mérito e de conveniência formulado, cabendo à recorrente o ónus da prova dos factos que alega.

V - A recorrente não consegue demonstrar erro na fundamentação do acto em causa. Ou seja, não consegue provar que a administração errou, e teria que ser de forma grosseira e manifesta, no juízo que formulou sobre a sua "Capacidade Técnica".

VI - E mesmo que conseguisse fazer tal prova, tal nunca conduziria à anulação do acto, da ordem jurídica. Com efeito, a prova do erro quanto aos pressupostos do acto só seria relevante se a recorrente conseguisse, ainda demonstrar que, sem a sua verificação, a decisão de adjudicação da empreitada seria de outro sentido, seria uma decisão favorável a si.

VII - Dito de outra forma, caber-lhe-ia reconstituir o iter decisório da Administração funcionalizado à adjudicação a seu favor.

VII - Demonstrando não só um juízo de mérito que lhe valesse, mas igualmente um juízo de demérito relativo às ora alegantes. O que não fez.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado não provado e improcedente e, em conformidade, mantido o acto administrativo sindicado, com as legais consequências".

1.6.

O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público emitiu o seguinte parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso: "A recorrente, nas respectivas alegações, não concretiza a pretendida desvirtuação da respectiva proposta, que teria sido feita pela Comissão de Apreciação. Nem demonstra que, no Relatório e Proposta de Adjudicação por esta Comissão elaborados e em que se baseou o acto contenciosamente impugnado, ocorra erro de apreciação do mérito relativo da proposta apresentada pela recorrente, relativamente às dos demais concorrentes.

Como bem salienta a entidade recorrida, tal apreciação é feita à luz dos critérios e parâmetros do concurso, aos quais a Administração se autovinculou.

Improcede, assim, a invocação feita pela recorrente da respectiva titularidade de alvará correspondente à categoria e classe da obra em causa. Pois que, como observa a alegação da recorrida particular, a titularidade do alvará não significa, por si, a capacidade técnica para a realização da obra a concurso em conformidade com as concretas exigências para esta estabelecidas".

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

  1. 2.1.

    Para além do que se irá indicando ao longo da apreciação, adianta-se, desde já, a seguinte matéria de facto, que se considera apurada: a) Por anúncio publicado no Diário da República, III Série, n° 87, de 14/4/93, págs. 6690 a 6691 (cfr. fls. 98), foi posta a concurso, pela Junta Autónoma das Estradas, a empreitada designada como "IP2 - Túnel da Gardunha"; b) Constava deste anúncio o seguinte: "2 - O procedimento de adjudicação é o concurso público, nos termos do artigo 49.º do DL n.º 235/86, de 18 de Agosto; (...) 11 - Condições mínimas - alvará ou alvarás exigidos e outras condições técnicas e económicas: Para os concorrentes estabelecidos em Portugal - devem possuir os alvarás da 2.ª subcategoria da 2.ª categoria e da 4.ª subcategoria da 2.ª categoria, nos termos do Decreto-lei n.º 100/88, de 23 de Março, e das classes correspondentes ao valor da sua proposta.

    Para os concorrentes estabelecidos noutros Estados membros e inscritos na lista oficial da Comissão de Alvarás de Empresas de Obras Públicas e Particulares (CAEOPP) - certificado(s) de inscrição(ões) emitido(s) pela (CAEOPP), equivalente(s) ao exigido no parágrafo anterior.

    Para os concorrentes estabelecidos noutros Estados membros e inscritos em listas oficiais desses Estados: (...) Para os concorrentes estabelecidos noutros Estados membros e não inscritos em nenhuma das listas oficiais acima indicadas - (...).

    Os concorrentes deverão apresentar documentos que permitam apreciar a sua aptidão para a boa execução da obra, no que respeita às condições mínimas de carácter técnico e económico, nomeadamente: Declaração respeitante ao volume de negócios (...); (...) Lista de obras mais importantes realizadas nos últimos cinco anos e respectivos certificados (passados pelos donos das obras)de execução. Estes certificados indicarão o montante, o prazo e o local de execução das obras, referindo a forma de como estas decorreram (...) 13. Critérios de adjudicação - a adjudicação será feita à proposta mais vantajosa, atendendo-se as seguintes critérios de apreciação das propostas, por ordem decrescente da sua importância: garantia de boa execução e qualidade técnica, prazo e preço.

    (...)"; c) Por aviso publicado no Diário da República, III Série, n° 130, de 4/6/93 foram alteradas a data de entrega das propostas, que passou de 23 de Junho para 14 de Julho de 1993, às 12 horas, e do acto público do concurso, que passou de 24 de Junho para 15 de Julho de 1993, às 15 horas (cfr. fls. 101); d) O acto público do concurso realizou-se em 15/7/93, em Almada, na sede da Junta Autónoma de Estradas; e) A ora recorrente foi admitida no acto público do concurso, ficando ordenada como concorrente n.º 2; f) A Comissão de Apreciação das Propostas elaborou um projecto de decisão, designado por "Relatório da Comissão de Apreciação das Propostas" (cfr. fls. 125- 140); esse relatório está dividido em seis capítulos: I - Do concurso II - Das propostas III - Análise Global IV - Análise na especialidade V - Análise comparativa VI - Considerações finais Nele, escreve-se: "(...) III - Análise Global 1 - A análise das propostas foi feita recorrendo directamente aos critérios referidos no programa do concurso: Garantia de boa execução e qualidade técnica; Prazo; Preço.

    A Comissão sentiu necessidade de aprofundar estes mesmos critérios e fazer uma primeira análise global (...) 1.1. Análise e garantia de boa execução e qualidade técnica foi feira uma primeira análise de todas as propostas admitidas a concurso, tendo em vista uma apreciação das garantias de boa execução e qualidade técnica, quer a nível da construção do túnel propriamente dito e demais trabalhos rodoviários, que dos equipamentos propostos e sua instalação em obra Na apreciação da garantia de qualidade da construção do túnel e demais trabalhos rodoviário foram considerados: - o programa de trabalhos de execução da...

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