Acórdão nº 01798/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 25 de Junho de 2003

Magistrado ResponsávelANGELINA DOMINGUES
Data da Resolução25 de Junho de 2003
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na 1ª Secção, 3ª Subsecção do Supremo Tribunal Administrativo 1.1 - A... (id. a fls. 2) interpôs, no Tribunal Administrativo de Círculo do Porto, "acção sobre contrato administrativo e responsabilidade pelo seu não cumprimento", nos termos dos artigos 71º e 72º da L.P.T.A., contra a Caixa Geral de Depósitos, S.A.

1.2 - Por decisão daquele Tribunal Administrativo de Círculo, proferida a fls. 219 e seguintes foi julgada improcedente a acção e não foi admitida a intervenção principal provocada da Direcção Geral do Desenvolvimento Regional, nos termos dos artigos 31º - B e 325º, nº 2 do Código do Processo Civil.

1.3 - Inconformada com esta decisão, interpôs a Autora o presente recurso jurisdicional, cujas alegações, de fls. 231 e seguintes, concluiu do seguinte modo: "i. Desde logo é importante dar como certo que a natureza administrativa do contrato celebrado entre a recorrente e a CGD. nunca foi posta em causa.

ii. Assim sendo, não se afigura licito aceitar que um contrato administrativo pudesse possuir como parte representativa do contraente público um simples comissário. Isto porque o contrato administrativo constitui uma modalidade de actuação jurídica da Administração Pública e consequentemente adstrita ao princípio da legalidade.

iii. Posto que a Administração Pública somente pode celebrar contratos administrativos nos termos em que a lei lho permite, não resulta do artigo 178.º a 189.º do CPA a possibilidade de aquela se fazer representar num contrato administrativo por um comissário.

iv. Igualmente não decorre do Regulamento do Programa das Iniciativas de Desenvolvimento Local (RPIDL), aprovado pela resolução do Conselho de Ministros n.º 57/95 de 17/06 (DR I série - B, n.º 138, de 17/06/95), tal possibilidade, sendo assim a participação da CGD como comissária no contrato levado aos autos manifestamente ilegal v. Está previsto no Regulamento que incumbe à CGD a tarefa de acompanhar e fiscalizar a realização de todos os projectos de investimento e o cumprimento das obrigações dos promotores até à sua concretização (artigo 18.º do RPIDL).

Ora, tal possibilidade de acompanhamento e fiscalização pertencente, apenas, a uma da partes do contrato constitui uma prerrogativa elencada no artigo 180.º, alínea d), do CPA. O que leva a concluir que a parte legitima do contrato em questão é a CGD.

vi. Igualmente, a prerrogativa da rescisão do contrato é expressamente conferida à CGD pela cláusula 14.º do contrato in casu, assinado única e exclusivamente pela recorrente e a CGD.

vii. Ora é o conteúdo deste contrato que a recorrente tinha o dever de conhecer, porque foi esse que assinou e se dispôs a cumprir.

viii. Aquela prerrogativa de rescisão foi efectivamente executada pela CGD! ix. Assim, para a Recorrente quem mandava e "desmandava" no contrato sempre foi a CGD, entidade que nos termos do Protocolo com a DGDR celebrou o contrato com a Recorrente.

x. É inaceitável que uma parte que intervém no contrato (a CGD), sem que em algum momento declare que interveio como comissário (i.é, sob a as ordens e direcção de outrem - a DGDR), esteja "processualmente exonerada" de responder pela eventual responsabilidade para si decorrente desse mesmo contrato.

xi. O facto de que quem aprovou o incentivo financeiro à Recorrente foram órgãos estaduais, importará desde já dizer que nem outra coisa poderia deixar de ser, tendo em conta a natureza do contrato em questão, porquanto tratando-se de um contrato administrativo, terá que possuir origem administrativa resultante de um acto administrativo: o despacho que aprovou, por parte da Senhora Secretária de Estado do Desenvolvimento Regional; do Senhor Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional e do Senhor Ministro da Economia, o projecto de candidatura da recorrente ao regime de incentivos às micro empresas no âmbito do Programa de Iniciativa e Desenvolvimento Local.

xii. De outro modo, estar-se-ia a admitir a possibilidade de um contrato administrativo poder ser assinado por uma determinada entidade do lado público do mesmo e na realidade ser outra a parte desse contrato, servindo aquela como um "testa de ferro"! O que, em respeito dos princípios que regulam a actividade da administração pública é completamente impensável, colidindo com o princípio da prossecução do interesse público (artigo 266.º, n.º 2, da CRP e artigo 4.º do CPA) e o da boa-fé (artigo 6.º - A do CPA).

xiii. Acresce que não se pode afirmar que no contrato levado aos Autos a recorrida se apresentasse como um comissário da DGDR. Ainda que Recorrida dependesse de autorizações da DGDR (na medida em que uma parte dos fundos contratados fossem provenientes do Estado), é na recorrida que os efeitos económicos do contrato se repercutem, nomeadamente as vantagens económicas resultantes do mesmo (v.g. os juros).

xiv. A recorrida, no contrato em causa, celebrou com a recorrente um contrato de mútuo remunerado, colhendo daí as vantagens económicas desse contrato, ou seja o juro, o qual por ser bonificado caracteriza-se por ser pago numa parte pela recorrida e noutra suportado pela DGDR.

xv. Deste modo, a recorrida, interveio no contrato satisfazendo um interesse próprio, actuando em função dos seus próprios interesses, não configurando a sua intervenção qualquer função de comissária da DGDR.

xvi. A Recorrida assumiu in personam todos os direitos e deveres no contrato referido nos autos, sendo dona e senhora dos direitos e deveres do mesmo emergentes.

xvii. Sem prescindir, mesmo que se considerasse que a recorrida seja considerada como um comissário da DGDR e, esta fosse comitente da recorrida, nem por isso estaria afastada a legitimidade desta.

xviii Ao invés, deveria a recorrida fazer intervir a DGDR por via dos diversos institutos processuais de intervenção de terceiros, maxime, intervenção principal provocada ou intervenção acessória provocada.

xix. Apesar de a recorrida assim o não ter feito, veio a recorrente de forma legitima deduzir esse incidente.

xx. O douto tribunal recorrido negou provimento ao incidente da intervenção principal provocada da DGDR afirmando, de forma categórica, que não existe, ..., aquela dúvida séria e fundamentada que autorize a Autora a lançar mão do disposto nos arts. 31º - B e 325º n. º2 do CPC.

xxi. O Douto Tribunal recorrido interpretou e aplicou mal o previsto nas supra mencionadas disposições legais, em particular, o art. 31º-B do CPC, disposição cuja finalidade é (de acordo com o relatório do diploma que introduziu) ... prevenir numerosas hipóteses de possível "ilegitimidade" passiva, permitindo-se ao autor a formulação de um pedido principal contra quem considera ser o provável devedor e de um pedido subsidiário contra o hipotético titular passivo do débito.

xxii. O legislador veio assim permitir que seja demandado subsidiariamente quem, de forma fundamentada possa ser sujeito passivo da acção, ou seja, se aquele que a titulo "pedido principal" não for considerado o sujeito passivo devendo, ao invés, ser assim considerado quem se demandou (ou cuja intervenção se pediu) subsidiariamente, o pedido deverá prosseguir contra este último.

xxiii. De acordo com o art.º 31º-B não será possível esse chamamento (nos termos do art. 325º n.º2), se relativamente àquele que se demandou subsidiariamente houver fundada dúvida de que não possa ser sujeito (passivo) da relação controvertida.

xxiv. Ora o tribunal a quo interpretou esta disposição de acordo com uma ratio oposta: porque é certo (para a decisão recorrida) que a DGDR é que deverá ser a parte legitima nos Autos (e não a CGD), não será possível demandá-la (a DGDR).

xxv. Com o devido respeito, esse raciocínio só seria correcto se, por ventura, não existisse dúvida fundamentada sobre a legitimidade da DGDR. Ora, reitera-se para a douta decisão recorrida, tal dúvida não existe, ao ponto de dar como certo que deverá ser a DGDR o sujeito passivo legitimo da relação controvertida.

xxvi. Por outras palavras, se o art. 31º-B do CPC estabelece como elemento preclusivo da intervenção principal a existência de séria dúvida sobre a legitimidade da DGDR como sujeito passivo da relação controvertida, por maioria de razão é inquestionável a legitimidade dessa intervenção provocada, posto que a sentença dá como certo (...dúvidas não há...sic) que esta entidade (DGDR) é que deverá ser o sujeito passivo da relação controvertida.

xxvii. Ao assim não decidir a decisão recorrida aplicou mal o direito, violando os artigos 325º n.º2 do CPC conjugados com o art. 31º-B do CPC." 1.4 - A Caixa Geral de Depósitos apresentou as contra alegações de fls. 254 e seguintes, nas quais pugna pelo improvimento do recurso com a consequente manutenção do decidido.

1.5 - O Exmº. Magistrado do Mº. Público emitiu o parecer de fls. 262 e 262 v, do seguinte teor: "A meu ver, o recurso jurisdicional não merece provimento.

Na verdade, o projecto de candidatura ao regime de Incentivos às Micro Empresas foi apresentado pela recorrente na Direcção Geral do Desenvolvimento Regional, (DGDR), e foi aprovado, em 12.06.99, por despacho conjunto da Secretária de Estado do Desenvolvimento Regional, do Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional e do Ministro da Economia.

O contrato celebrado pela Autora com a Ré foi de concessão de crédito, apenas no âmbito do protocolo de apoio financeiro às microempresas, que ela (Ré) havia contraído com aquela Direcção-Geral.

Assim, era à DGDR, e não à Ré, que cabia a responsabilidade da concessão do incentivo e do seu controlo, bem como a de poder rescindir esse contrato de concessão e responder por essa rescisão, e tudo isso se apresentava claro para a Autora.

Daí que não possa agora invocar-se a existência de dúvida séria e fundamentada acerca do sujeito da relação controvertida, para formular o pedido subsidiário nos termos dos arts. 31 - B e 25º nº 2 do Código de Processo Civil.

Bem andou, pois, a sentença recorrida em julgar improcedentes a acção e o incidente." 2 - Colhidos os vistos legais, cumpre...

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