Acórdão nº 01567/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Abril de 2003

Magistrado ResponsávelFREITAS CARVALHO
Data da Resolução09 de Abril de 2003
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo I . A..., SA, identificada nos autos, vem recorrer da sentença do TAC de Lisboa, de 15-04-02, que negou provimento ao recurso contencioso por ela interposto do despacho do Vereador do pelouro de Finanças e Património da Câmara Municipal de Lisboa que, por sua vez, havia indeferido o recurso hierárquico do despacho da Directora Municipal de Finanças, Planeamento e Controlo de Gestão, da Câmara Municipal de Lisboa, que determinou a desocupação, no prazo de 60 dias, de uma parcela de terreno municipal onde se encontrava instalada uma central de betão propriedade da recorrente.

A recorrente nas suas alegações de fls. 121 e seg.s, apresenta as conclusões seguintes : 1.º A decisão recorrida - ou a de 3 de Agosto de 1999 a que se referiu o recurso hierárquico interposto e rejeitado de que emergiu o recurso contencioso decidido pela douta decisão recorrida - carecia de ser fundamentada.

  1. Isto porque o n.º 1 do artigo 124.º do Código de Procedimento Administrativo é bem claro na sua aplicabilidade ao caso da decisão em questão nestes autos, em razão quer da sua alínea a) quer da alínea e) .

  2. Na medida em que aquela decisão recorrida afectou e extinguiu direitos e interesses legalmente protegidos da Recorrente (que paga uma taxa mensal de mais de dois mil e quinhentos euros pela ocupação que lhe for autorizada e impôs-lhe um dever de desocupação altamente gravoso - tudo a justificar a necessidade de fundamentação de acordo com a alínea a) do n.º 1 do referido artigo 124.º do Código de Procedimento Administrativo.

  3. Além de que, quando do inicio da ocupação mediante licença fora praticado um acto administrativo de que resultou a cedência à Recorrente do terreno em causa e a decisão impugnada manteve e confirmou a revogação da licença e o acto administrativo respectivo, razão por que tinha de ser fundamentado por imposição da alínea e) do mesmo n.º 1 do artigo 124.º do Código de Procedimento Administrativo.

  4. Quanto à questão da falta de audiência prévia da Recorrente, não havia urgência que justificasse a não audiência, nem ela foi invocada.

  5. Ainda que fosse urgente a decisão, tinha sempre que fundamentar-se as razões da inexistência de audiência, sendo que o despacho de 3 de Agosto de 1999 nada disse em termos de fundamentação das razões da inexistência de audiência da Recorrente, acrescendo que a omissão da audiência da Recorrente preteriu formalidade essencial e insuprível.

  6. Não é correcto, no caso específico dos autos, o entendimento acolhido na douta decisão recorrida, segundo o qual seria de recusar relevância anulatória à preterição do dever de audiência em virtude de concluir "que a decisão tomada é a única decisão legítima, por força do princípio do aproveitamento do acto administrativo".

  7. Tal orientação só é de seguir e só tem razão de ser quando está em causa um poder vinculado da Administração, sendo que, no caso concreto em presença, se está manifestamente perante um poder da Administração que é discricionário, e não vinculado, como a própria decisão recorrida reconhece.

  8. Sendo assim, a falta de audiência prévia não pode deixar de redundar na anulação do acto impugnado.

  9. Ao contrário do que se entendeu na douta decisão recorrida, a Recorrente indicou suficientemente "que outros motivos" levaram a Entidade Recorrida a agir como agiu, que razões para além das que a lei prevê, motivaram a decisão".

  10. O artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 45.133 de 13 de Julho de 1963, ao estabelecer que "o disposto no artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 23.465 passa a ser extensivo à ocupação de bens imóveis dos corpos administrativos " revela bem que tanto no caso dos prédios arrendados como no dos cedidos a título precário o fim que justifica a decisão de desocupação ocorre quando os corpos administrativos necessitem dos prédios "para instalação dos próprios serviços ou de serviços do Estado cuja instalação constitua seu encargo, ou quando tenham de ser demolidos para execução de planos de urbanização devidamente aprovados".

  11. A Recorrente invocou e mostrou que, no caso concreto em presença, não existia documento urbanístico aprovado e definitivo que apontasse o destino a dar ao local ocupado, nem estava provada nem sequer suficientemente indiciada a necessidade de desocupação no curto prazo, como mostrou que estava apenas em gestação um plano de pormenor.

  12. Mostrou ainda que a informação de fls. 9 do processo administrativo remete afinal para aquilo que entende e diz a ..., não se comprovando nos autos a invocada integração em programa de requalificação urbanística que apenas aquela Sociedade refere.

  13. A suposta circunstância de haver um plano de pormenor em curso de realização não é razão suficiente e justificativa aceitável para a decisão tomada, como não o é que a empresa ... tivesse dito que era preciso desocupar e a Câmara, sem mais, aquiescesse e decidisse em conformidade.

  14. É seguro que a decisão de desocupação não teve como motivo determinante, manifestamente, nada que condissesse com o fim visado pela lei na concessão daquele poder (instalação dos próprios serviços ou, que é que no caso interessa, execução de planos de urbanização devidamente aprovados), pelo que houve efectivamente desvio de poder, como tal devendo ser anulado o acto recorrido.

  15. Foram violados os preceitos dos artigos 8.º do Decreto-Lei n.º 23.465, de 18 de Janeiro de 1934, 1.º e 2.º do artigo 2.º do Decreto-lei n.º 45.133, de 13 de Julho de 1963 e 100.º e 124.º, n.º 1, alíneas a) e e), do Código do Procedimento Administrativo.

  16. Com base em especial na falta de audiência da Recorrente, na violação dos preceitos apontados e no desvio de poder, justifica-se a anulação, denegada pela douta decisão em recurso, do despacho camarário recorrido e, por via dessa anulação, também do despacho (de 3 de Agosto de 1999, a que respeitava o recurso hierárquico indeferido por este.

  17. Deve, pois, ser julgado procedente o presente recurso.

A entidade recorrida contra-alegou a fls. 133 e seg.s, apresentando as conclusões seguintes : 1- Foi no âmbito do Proc. n.º 778/82, e na sequência do pedido apresentado pela Agravante, que à mesma foi...

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