Acórdão nº 0113/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 02 de Abril de 2003
Magistrado Responsável | J SIMÕES DE OLIVEIRA |
Data da Resolução | 02 de Abril de 2003 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, 3ª Subsecção:- I -O CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA ANA - AEROPORTOS DE PORTUGAL, S.A., recorre da sentença do T.A.C. de Lisboa que, no recurso contencioso interposto por A..., LDA, anulou a deliberação do ora recorrente, de 10.1.02, que adjudicou a ..., S.A., o fornecimento de monitores do sistema de informação de voo para o aeroporto de Lisboa, objecto do concurso público nº 1/ALS/2001.
Fundamento da anulação foi a violação do preceituado no art. 94º do Dec-Lei nº 197/99, de 8.6, e bem assim os princípios da estabilidade do concurso e dos critérios de adjudicação.
Nas suas alegações, o recorrente enuncia as seguintes conclusões: "a) a sentença recorrida, ao dar como assente a aplicabilidade ao concurso sub iudice do disposto no Decreto-Lei nº 197/99, de 8 de Junho, nomeadamente das regras constantes dos respectivos art.s 8º e 94º, enferma de erro de direito; b) em primeiro lugar, porque a ANA não se encontra subordinada aos regimes financeiro e administrativo de formação dos contratos previstos no Decreto-Lei nº 197/99 (entre outros, o de fornecimento de bens), porquanto não se subsume em nenhum dos tipos de entidades descritas nos arts. 2º e 3º desse diploma, nos quais se delimita subjectivamente o âmbito obrigatório da sua aplicação; c) por outro lado, nem sequer pode ela submeter-se directamente aos regimes constantes desse diploma legal, dado que esses regimes são indisponíveis tanto para os entes que lhes estão sujeitos, como para todos os que deles estão excluídos: as leis administrativas e financeiras deste género são de sujeito obrigatório; d) assente que está que a ANA não se encontra sujeita na matéria da contratação de fornecimentos de bens, ao regime imperativo do Decreto-Lei nº 197/99, necessariamente se terá de concluir que ela goza, em geral, de um poder de auto-conformação jurídica dos procedimentos adjudicatórios concursais de direito público que promova, podendo, portanto, afastar-se dos diplomas "nominados" e tornar esses procedimentos muito mais céleres, maleáveis, e menos burocráticos, com o limite, claro, de dever respeitar os princípios gerais do direito adjudicatório; e) o que, aliás, é reconhecido na sentença a quo, ao admitir-se que os procedimentos de direito público por ela promovidos podem comportar desvios, desde que os mesmos estejam expressamente previstos nos programas dos respectivos concursos; f) e foi isso precisamente - como se demonstrou no nº 10 destas alegações - que a ANA fez no procedimento sub iudice, onde, entre outras especialidades, estabeleceu, no Programa, que o concurso decorreria perante duas comissões, respectivamente a Comissão de Abertura e a Comissão de Apreciação das Propostas (cf. art. 16º, nº 1 do Programa) ; g) do esquema de funcionamento estabelecido no Programa do Concurso decorre manifestamente que a Comissão de Apreciação das Propostas apenas entraria em exercício de funções após o encerramento do acto público do concurso (e depois de resolvidas todas as eventuais questões relativas à admissão de concorrentes e respectivas propostas) ; h) ou seja, a ANA, no âmbito dos seus poderes de auto-conformação do procedimento, estabeleceu, nesta matéria, um regime de direito público, mas diferente do previsto no Decreto-Lei nº 197/99 - e que arreda a possibilidade de aplicação aqui do art. 94º, nº 1 desse diploma legal; i) Não havia, portanto, que convocar subsidiariamente - nos termos do disposto no art. 25º do Programa - o regime do Decreto-Lei nº 197/99; j) A sentença recorrida, ao ignorar tudo o que ficou dito - e que já se deixara invocado nas alegações de recurso contencioso - padece, portanto, de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do disposto na alínea d) do nº 1 do art. 668º do Código de Processo Civil; k) Além de que, ao considerar aplicáveis ao procedimento sub iudice as regras dos art.s 94º e 8º do Decreto-Lei nº 197/99, padece também de erro de direito; l) Em novo erro de direito incorreu a sentença recorrida ao considerar que a deliberação recorrida violou o disposto no art. 94º, nº 1 do Decreto-Lei nº 197/99; m) Desde logo, porque - como ficou demonstrado nos nºs 7, 8, 17 e 18 destas alegações - a ANA não se encontra sujeita, no procedimento sub iudice, ao regime do Decreto-Lei nº 197/99, nomeadamente à regra do respectivo art. 94º, nº 1; n) Por outro lado, juridicamente relevante e decisivo nesta matéria, é que os subfactores ou "campos autónomos" tenham sido fixados - como efectivamente sucedeu - antes de a Comissão proceder à análise das propostas, como ficou demonstrado no nº 19 destas alegações; o) Assim, com essa actuação da Comissão não podem ter sido violado - contrariamente ao que implicitamente se considerou na decisão a quo - os princípios basilares dos procedimentos concursais como os da igualdade, da boa fé e da justiça, da imparcialidade e da transparência; p) Não houve violação do princípio da igualdade, uma vez que os subfactores criados eram iguais para todos, serviam (ou não serviam) por igual a todos os concorrentes, e todos eles os conheceram ao mesmo tempo; q) Como também não houve, com essa actuação da Comissão, violação dos princípios da boa fé e da justiça - como se demonstrou no nº 22 destas alegações; r) Nem foi violado o princípio da imparcialidade, como também ficou demonstrado no nº 23 destas alegações para onde se remete; s) Por último, ficou demonstrado (nº 24 destas alegações) que a actuação da Comissão também não consubstanciou uma violação do princípio da transparência; t) Demonstrou-se também (no nº 25 destas alegações) que - contrariamente ao que parece vir implícito na sentença recorrida -, mesmo no regime do Decreto-Lei nº 197/99, só há dever de comunicação dos subfactores estabelecidos pela Comissão, no caso de os concorrentes o solicitarem; u) O que quer dizer que, com a norma do nº 1 do art. 94º do Decreto-Lei nº 197/99, não se pretendeu dar a conhecer aos concorrentes os subfactores eventualmente fixados pela Comissão, para efeitos de melhor elaboração das respectivas propostas.; v) Quando, porém, se admite - como no caso sub judice - que os subfactores sejam adoptados após a apresentação das propostas, para utilização pela comissão, nesse caso, aos concorrentes já só interessa conhece-los quando lhes for dada audiência prévia para se pronunciarem sobre o relatório elaborado pela comissão de apreciação das propostas; w) O que significa que, dando a conhecer os referidos subfactores aos concorrentes no momento em que submeteu a sua audiência o relatório de apreciação e classificação de propostas nele baseado, a Comissão cumpriu integralmente os deveres de publicidade a que estava obrigada, permitindo-lhes verificar, quando isso era procedimentalmente devido, como tinha sido organizada a análise, comparação e classificação das suas propostas; x) Por outro lado, constitui jurisprudência firmada deste Alto Tribunal a de que qualquer violação de lei não funciona em abstracto, ou seja, só releva quando da sua concreta verificação derivam efeitos lesivos dos fins a tutelar - nesse sentido, ver os Acórdãos do STA de 7/12/1994 (rec. nº 32.996) e de 30/11/1995 (in ADSTA nº 418, pág. 1123); y) Quer isto dizer que a sentença recorrida, ao dar por procedente a verificação do vício de violação do art. 94º, nº 1 do Decreto-Lei nº 197/99, sem avaliar quais os concretos efeitos lesivos, para ora Recorrida, da citada conduta da Comissão, enferma de novo erro de direito; z) A sentença recorrida, ao que considerar que, pelo facto de a Comissão ter fixado os subfactores no momento em que o fez, se mostra violado o princípio da estabilidade das regras do concurso e dos critérios de adjudicação padece, também nesta parte, de erro de direito e deve ser revogada; a
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Em primeiro lugar, porque - como se deixou demonstrado nestas alegações - ela parte de um pressuposto erróneo, de que a imposição do art. 94º do Decreto-Lei nº 197/99 tem subjacente a ideia de que o momento temporal de fixação dos subfactores de apreciação se destina a possibilitar aos concorrentes uma melhor elaboração das suas propostas; bb) Em segundo lugar, porque não houve na verdade, qualquer alteração das regras fixadas no Programa do presente Concurso; cc) Além de que a concretização dos critérios de adjudicação - perfeitamente legítima e necessária - foi feita tendo em conta unicamente as características fixadas no Caderno de encargos e respectivos anexos; dd) Como não houve, obviamente com esta actuação, qualquer alteração dos critérios previamente fixados que se mantiveram inalterados desde a elaboração do regulamento do concurso".
Enquanto isso, a recorrida contra-alegou, extraindo as conclusões seguintes:
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Tal como se decidiu na douta sentença recorrida, o DL 197/99 é aplicável ao procedimento de concurso público referido nos presentes autos, embora não o seja necessariamente em bloco, sendo que os desvios eventualmente introduzidos no procedimento concursal objecto do presente processo nunca poderiam implicar a violação dos princípios essenciais do regime da contratação pública, sob pena de se desvirtuar a natureza pública do procedimento de concurso público promovido pela ANA, S.A.
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A aplicabilidade do DL 197/99 ou, pelo menos, dos princípios fundamentais da contratação pública nele consagrados, é inquestionável face ao decidido no Acórdão desse Venerando Tribunal de 17.07.2002, no qual se decidiu que o acto de adjudicação sub judice, resultante de um procedimento concursal regido por um regime de direito público, tem a natureza de um acto administrativo e, em consequência, a apreciação da respectiva legalidade é da competência dos tribunais administrativos.
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Os artigos 94º e 8º do DL 197/99 visam garantir o cumprimento de princípios caracterizadores da figura do concurso público, de direito público, como sejam a imparcialidade, isenção, justiça, boa fé, transparência e publicidade da actuação da entidade adjudicante e, nessa medida, terão...
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