Acórdão nº 046263 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04 de Dezembro de 2002

Magistrado ResponsávelISABEL JOVITA
Data da Resolução04 de Dezembro de 2002
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: A..., B..., C..., ... E ... recorrem contenciosamente dos despachos do MINISTRO DA AGRICULTURA, DO DESENVOLVIMENTO RURAL E DAS PESCAS e do SECRETÁRIO DE ESTADO DO TESOURO E DAS FINANÇAS, respectivamente de 3/2/2000 e 18/2/2000, de fixação da indemnização definitiva devida aos recorrentes pela privação do uso e fruição de prédios rústicos objecto de intervenção no âmbito da reforma agrária.

Nas suas alegações formularam as seguintes conclusões: A. No entender dos Recorrentes o acto recorrido encontra-se viciado por diversas razões, a saber: a) quanto ao período temporal nele considerado de duração da perda de uso e fruição como critério para o cálculo do valor da indemnização a pagar; b) quanto ao montante da renda (valor locatício da terra), a utilizar como critério para o cálculo do valor da indemnização a pagar; c) quanto ao facto de desconsiderar qualquer efectiva actualização dos valores indemnizatórios da data da prática dos factos lesivos do património para o momento do respectivo pagamento.

Posto isto: B. No que respeita à 1ª Questão - O cálculo da indemnização não se deve cingir ao período de 1975 a 1988 (datas entre as quais vigoraria o contrato de arrendamento), mas antes abranger todo o período até ao final da campanha de 1990-1991, data em que foi devolvida aos ora Recorrentes a "unidade económica total" da propriedade de que tinham sido privados e que só no seu conjunto permitia auferir o rendimento a que tinham direito.

  1. A justa indemnização tem, pois, que compensar os Recorrentes do tempo em que estiveram privados do uso "integrado e total" do seu património, mesmo após a data em que cessaria o contrato de arrendamento existente... porque a exploração do mesmo ou a percepção do respectivo rendimento foram impedidos pelo atraso da administração na resolução do contencioso fundiário (artºs 62° n° 2 da CRP, 7° nº 1 e 14° nºs 1 e 4 do D.-L. n° 199/88 de 31 de Maio na redacção do D.-L. n° 38/95, e artºs 2° nº 4 da Portaria n° 197-A/95 de 17 de Março).

  2. É ilegal o acto recorrido (por violação de lei e por ofensa à interpretação conforme à Constituição das disposições normativas citadas), ao recusar a justa compensação pelos lucros cessantes resultantes da privação de uso e fruição de que foram vítimas entre a data da ocupação, 12/07/1975, e a data do termo do ano agrícola durante o qual o património lhes foi, finalmente, devolvido, permitindo um restabelecimento do status quo prévio à causação do dano.

  3. No que respeita à 2ª Questão - Os Recorrentes têm direito a receber o valor das rendas que aufeririam mercê do contrato de arrendamento em causa, e têm direito a recebê-las pelo valor e nos moldes que em tal contrato estavam estipulados... isto com base num verdadeiro "juízo de prognose póstuma e de verosimilhança ou séria probabilidade", juízo este, in casu, isento de quaisquer dúvidas, pois as partes, no clausulado, estipularam um modo de fixação anual do valor a perceber pelo arrendamento (fixado por referência a géneros agro-pecuários).

  4. A interpretação dada no acto recorrido ao artigo 14° n° 4 do Dec.-Lei n° 199/88 é incorrecta: quer porque o espírito legislativo foi o de permitir calcular a indemnização em função das rendas que o proprietário teria recebido não fora o facto da nacionalização-expropriação-ocupação; quer porque olvida a natureza da indemnização em causa (por lucros cessantes); quer porque sustenta interpretação desconforme à Constituição, ao autorizar e fixar uma indemnização injusta e não efectivamente compensatória (artºs 1º nºs 1 e 3 e 13º nºs 1 e 2 da Lei n° 80/77 e artºs 3° n° 1 al. c) e 14° n° 4 do DL n° 199/88).

  5. Através do Acto Recorrido (e do Despacho Orientador nele citado), a administração cerceou um Direito Fundamental de natureza análoga - direito de propriedade privada -, constitucional e legalmente fixado... (cfr. artºs 17°, 18° e 62° da CRP), o que constitui violação do disposto nos artºs 62° n° 2 e 94° da CRP, 14° nºs 1 e 4 do D.-L. n° 199/88 de 31 de Maio (redacção do D.-L. n° 38/95 de 14 de Fevereiro), e artº 2° n° 4 da Portaria n° 197-A/95 de 17 de Março.

  6. No que respeita à 3ª Questão - saber se pela perda de uso e fruição durante os anos de 1975 a 1991, os Recorrentes têm hoje direito a receber o valor da renda de cada um desses anos pelos montantes contratados, ou se, uma vez determinados tais valores terão estes que ser "actualizados" para garantir que equivalem hoje ao valor que então teriam tais somas pecuniárias (actualizados por qualquer uma das vias sustentadas rectro nos pontos 105 a 107 destas Alegações, e especificamente explicitadas nos artigos 113° e ss da Petição de Recurso).

    I. Diga-se, todavia, que a ser legal e admissível que inexistisse actualização (para além do mecanismo resultante dos artºs 13° e ss e 24° da Lei n° 80/77, 1° do D.-L. n° 199/88, 32° da Lei n. 109/88 e do D.-L. n° 213/79 de 14 de Julho), correria por conta dos particulares expropriados-nacionalizados a mora do devedor Estado. . . o que seria inadmissível.

    Assim: J. Da leitura da Lei n° 80/77. maxime artºs 10°, 15° e 37°, n° 2, conclui-se que: o processo de indemnização provisória devia permitir que 90 dias após a Expropriação os valores indemnizatórios estivessem entregues aos particulares; o processo de indemnização definitiva devia permitir que 60 dias sobre o dia 26/10/1977 estivessem fixados todos os critérios de indemnização...

  7. i.e., o legislador da Reforma Agrária nunca "imaginou" que "demorasse tanto" a regulamentar o processo necessário à fixação dos valores indemnizatórios e à criação da base legal para emissão dos títulos destinados a "pagar" as indemnizações devidas... é que o sistema legislado nunca funcionou como era suposto que tivesse funcionado...

    L. E este facto não é despiciendo: se as indemnizações tivessem sido fixadas e os títulos de dívida pública tivessem sido entregues prontamente, desde então que os lesados teriam tido na sua posse os ditos títulos e igualmente teriam, anualmente, recebido os juros previstos nos diplomas legais citados, de carácter remuneratório (frutificação dos títulos de dívida pública)...

  8. i.e., o legislador nem se preocupou em regular juros moratórios / actualizações, porque a "lógica" do pagamento pressupunha a realização do pagamento em prazo razoável, o que garantia a "actualidade" das indemnizações fixadas a valores de 1975-1976...

  9. A justiça do sistema legislado só se desvirtuou quando os anos foram decorrendo sem que fixação e pagamento existisse... porque, então, os juros previstos para os títulos da dívida pública não se venciam nem podiam ser quantificados, quanto mais serem recebidos pelos lesados... daí o desacerto, ilegalidade e inconstitucionalidade da posição que defende a inexistência de lacuna no que à "actualização" dos montantes indemnizatórios pelos actos da Reforma Agrária concerne.

  10. Se é certo que a "actualização querida pelo legislador" era apenas a que resultasse da utilização de um "sistema de capitalização de juros" dos títulos da dívida pública usados como "modo de pagamento" das indemnizações a fixar, não menos certo é que tal "desejo" do legislador tinha como pressuposto uma duração de processo indemnizatório "razoável", não uma "pendência administrativa" de um-quarto-de-século!... que por Justiça impõe a "actualização".

  11. Paralelamente, entendem os Recorrentes que uma interpretação conforme à Constituição do art° 7° nºs 1 e 2 do D.-L. n° 199/88, impõe a actualização dos valores indemnizatórios a receber pelos particulares, única via para assegurar uma justa compensação (artºs 18°, 62º e 94° da CRP, e art. 8° do mesmo diploma por referência ao artº 1º do Protocolo n° 1 Adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem).

  12. Entendem os Recorrentes ser inconstitucional a interpretação que defende que os art°s 13° e ss da Lei n° 80/77 afastam qualquer "actualização" pela mora verificada, por violação dos art°s 18º, 62° nºs 1 e 2 e 94° da CRP e do estatuído no art° 8° do mesmo Texto Fundamental em conexão com o artº 1° do Protocolo Adicional n° 1 à Convenção Europeia dos Direitos do Homem (isto porque se deixa a "propriedade privada" por indemnizar justamente...).

  13. Constituindo ainda Ficção jurídica inadmissível porque se "finge" hoje que os títulos de dívida pública "frutificaram" desde 1977/79 (apesar de nunca entregues aos indenmizandos), e porque se "finge" que os pagamentos entretanto ocorridos foram feitos "antes do prazo" (o que além de juridicamente inadmissível é ilógico).

  14. Também não procede sustentar a impossibilidade da aplicação de qualquer factor "actualizador" dos montantes indemnizatórios devidos, com o argumento de que nesse caso se estaria a duplicar os "mecanismos de colecção do valor indemnizatório"... é que "actualizar" os montantes devidos (da data da prática do acto lesivo para o momento do pagamento), nada tem que ver com o pagamento de juros remuneratórios equivalentes à frutificação legal dos títulos de dívida pública utilizados para proceder ao dito pagamento.

  15. É que os juros previstos na Lei n° 80/77 têm por fim remunerar a não disponibilidade do capital durante o período decorrido entre a data da emissão dos títulos e o momento da sua amortização final, enquanto que a actualização pretendida tem em vista "transportar" os valores do dano (quantificados à data do seu surgimento), para o momento do efectivo pagamento da indemnização, garantindo equivalência de "poder aquisitivo" da quantia que tenha sido fixada.

  16. O disposto no D.-L. n° 213/79 de 14 de Julho não garante a "actual equivalência" dos montantes a receber com o respectivo valor à data da causação da lesão, nem indemniza o período decorrido entre a data da lesão e a data do pagamento indemnizatório, apenas remunera o período decorrido entre a data da entrega dos títulos de dívida pública (o que pressupõe a fixação e pagamento da indemnização), e a data da sua amortização.

    V. Por todo o exposto, ou se entende que o artº 7° n° 2 do...

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