Acórdão nº 048155 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Março de 2002

Data06 Março 2002
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Processo n.° 48155 Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1 - A... e mulher B..., em nome próprio e representação do seu filho menor C... propuseram no Tribunal Administrativo e Fiscal agregado de Ponta Delgada a presente acção contra a Região Autónoma dos Açores, pedindo a condenação desta no pagamento, ao menor, de uma indemnização de 13.852.800$00 de danos patrimoniais e de 1.000.000$00 de danos não patrimoniais e, aos pais, de outra indemnização de 500.000$00, por danos não patrimoniais.

Aquele Tribunal julgou a acção parcialmente procedente, absolvendo a Região Autónoma dos Açores do pedido contra ela formulado pelos AA A... e mulher B... e condenando aquela Região Autónoma a pagar ao A. C... a quantia de 6.867.200$00, sendo 2.000.000$00 de danos não patrimoniais.

O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público naquele Tribunal, em representação da Ré Região Autónoma dos Açores, interpôs o presente recurso jurisdicional para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando alegações com as seguintes conclusões: 1 - A responsabilidade civil extracontratual do Estado por actos de gestão pública, prevista no artigo 2° do DL 48051 de 21-11-67 e no artigo 22º da Constituição da República Portuguesa pressupõe a verificação cumulativa de um facto danoso ilicitude culpa e nexo de causalidade.

2 - Não se verificam estes três últimos elementos no acidente sofrido por um aluno com uma serra de cortar madeira numa aula de trabalhos oficinais se se demonstrar que o professor responsável havia efectuado todos os avisos de precaução adequados, impedia aos alunos o acesso directo à máquina, que só ele manipulava, e que o acidente ocorreu porque a manga larga do blusão do aluno se prendeu na serra quando este pretendia entregar um papel ao professor, puxando-lhe o braço para o contacto com o respectivo disco, não tendo o professor conseguido afastá-lo do aparelho a tempo de evitar o referido contacto.

3 - Uma máquina de trabalhar madeiras, composta por serra, graloupa e topia aprovada para uso escolar pelas entidades que tutelam o ensino não pode sem mais ser considerada como integrando a noção de «actividade perigosa», do artigo 493° n.º 2 do Código Civil, ou « excepcionalmente perigosa» do artº 8° do DL 48051, de 21-1 1-67.

4 - Afastada a responsabilidade por factos ilícitos culposos, não é possível lançar mão dos institutos da responsabilidade pelo risco, ou por factos lícitos, se na petição não se alegou esse tipo de responsabilidade.

5- Verificando-se do teor da P.I que a utilidade económica que se pretende obter com a acção é no valor de 6.367.200$00, embora tenha sido indicado um valor para a acção, por manifesto erro de cálculo, de 15.352.800$00, condena além do pedido a sentença que atribui uma indemnização no valor de 6.867.200$00 ao A, duplicando o valor do pedido de danos morais que ele havia subscrito, de 1.000.000$00 para 2.000.000$00.

6 - Em circunstâncias normais de tratamento e recuperação possível o valor a atribuir a uma vitima de um acidente que tenha ficado com uma incapacidade parcial permanente de 15% a título de indemnização por danos morais não deverá normalmente ultrapassar cerca de 1/4 do valor que a jurisprudência dos tribunais superiores vem considerando para o mesmo tipo de danos no caso de perda da vida.

7 - A equidade mostra-se adequada para a fixação de uma indemnização por danos patrimoniais a título de «lucro cessante» a atribuir a um menor, em detrimento de um critério baseado na aptidão laboral que ele manifestamente ainda não tem.

8 - Nessa óptica, para um menor que ficou com a incapacidade acima indicada, sofreu uma intervenção cirúrgica, necessitou de efectuar sessões de fisioterapia durante alguns meses e «perdeu» o ano, será adequada uma indemnização de 2.000.000$00 a esse título, o que somado a 875.000$00 (3.500.000$00 : 4) perfaz uma indemnização global de 2.875.000$00.

9 - Com os entendimentos relatados constantes da aliás douta sentença em recurso, foram violados, designadamente, os artigos 2° e 6º do DL 48051, de 21-11-67, 22° da Constituição da República Portuguesa, 4°, 493° nº 2, 563º, 564° n.º 1 e 661º n.º 1 do Código Civil, e 305° n.º 1 do Código de Processo Civil.

10 - Deve, pelo exposto, sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva a Ré Região Autónoma dos Açores do pedido contra si formulado, por não se verificarem in casu os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado, ou, caso assim não se entenda, determine que o valor global da indemnização a atribuir não deverá ultrapassar os 2.875.000$00.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

2 - Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto: 1 - Os A.A. são pais do menor C..., nascido em 16/01/1978, na freguesia de S. José, cidade de Ponta Delgada (doc. 1).

2 - No ano lectivo de 1991/1992, o mesmo frequentava o 7º ano de escolaridade na turma H, com o n ° 25, da Escola Secundária Antero de Quental, em Ponta Delgada.

3 - Do seu mapa escolar fazia parte, como disciplina obrigatória, as aulas de trabalho oficinais, aulas estas leccionadas com a periodicidade de duas horas semanais e subdivididas em, aulas de "madeira" e de "metais".

4 - As primeiras - aulas de madeira - eram da responsabilidade do D... enquanto as aulas de metais eram da responsabilidade do professor E... .

S - No dia 3 de Abril de 1992, cerca das 16 horas, o C... assistia a aula de "madeiras" sob a direcção e responsabilidade do identificado D... numa sala conhecida por "sala das madeiras", 6 - Aula na sequência da qual, eram obrigados a idealizar e construir um objecto em madeira.

7 - O aluno C... estava acompanhado por cerca de 12 colegas e um professor.

8 - No interior da sala, precisamente no centro, estava posicionada numa máquina industrial denominada tipo "Universal".

9 - É uma máquina com triplas funções de serra circular, graloupa e topia, com funcionamento concomitante, isto é, está ligada a uma serra circular que coloca em movimento a graloupa e a tobia.

10 - Graloupa e tobia que são compostas por peças aguçadas e/ou afiadas com funções, de alisar e aparar as peças de madeira.

11 - Esta máquina estava colocada no centro da sala e tinha um diâmetro de cerca de 2m.

12 - Encontrava-se rodeada de 5 bancas de carpinteiro onde os alunos trabalhavam.

13 - Bancas estas que estavam colocadas a cerca de 1 metro, 1,5 metro da máquina.

14 - Por via de regra, os alunos amontoavam-se em grupos de 4, 5 em cada banca, ocupando por completo a sala das "madeiras" e não deixando muito espaço útil.

15 - Esta máquina não se encontrava cercada por qualquer vedação que impedisse os alunos de...

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