Acórdão nº 595/09.3TTMTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Junho de 2011

Magistrado ResponsávelMACHADO DA SILVA
Data da Resolução13 de Junho de 2011
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Reg. nº 1547.

Proc. nº 595/09.3TTMTS.

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: 1. B… intentou a presente acção, com processo comum, contra C…, S.A., pedindo seja declarada a ilicitude do seu despedimento, condenando-se a Ré a reintegrá-lo ou, em substituição, a pagar-lhe uma indemnização em função da antiguidade, à data da propositura da acção, no montante de € 33.503,76, e as retribuições que deixou de auferir desde a data da propositura da acção até ao trânsito em julgado da sentença.

Para tanto, alega que, com antiguidade reportada a 1 de Dezembro de 1993, exercia sob a autoridade, direcção e fiscalização da ré, desde 1 de Maio de 2005 as funções correspondentes à categoria profissional de encarregado, auferindo a remuneração mensal ilíquida de € 1.172,72, à qual acrescia a quantia mensal de € 223,27 a título de isenção de horário e a quantia diária de € 6,17 a título de subsídio de alimentação.

Mais alega que no termo do processo disciplinar que a ré lhe instaurou, em 26/05/2009, foi despedido com invocação de justa causa, que alega inexistente, reputando o despedimento de ilícito, quer por lhe ter sido recusada a consulta do processo disciplinar, quer por o respectivo mandatário ter sido impedido de assistir à prestação dos depoimentos das testemunhas arroladas na resposta à nota de culpa.

+++A ré contestou, reiterando a justa causa invocada para o despedimento traduzida no desrespeito pelo autor do procedimento de compras que importou um prejuízo de € 81.500,00 num período de 3 anos, privilegiando o autor um único fornecedor apesar de este praticar preços, superiores aos do mercado, em média 41% e por o autor se ter aproveitado das suas funções em proveito próprio, valendo-se da sua qualidade de encarregado da oficina da ré e da relação de confiança, por via disso existente com o fornecedor G…, fazendo-lhe crer que a ré tinha nela interesse, para receber uma máquina que nunca foi utilizada pela ré e que o autor só restituiu à G… depois de duas vezes notificado para o efeito.

A ré alegou igualmente a regularidade do processo disciplinar e ainda que o autor esteve a trabalhar depois de cessado o contrato e que como tal, no caso de a acção ser julgada procedente sempre deverão ser deduzidas às retribuições vencidas as quantias auferidas, bem como o valor do subsídio de desemprego que tenha recebido após o despedimento.

+++Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi, posteriormente, proferida sentença, declarando a ilicitude do despedimento do autor, condenando a Ré a: - reintegrá-lo, no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; - a pagar-lhe uma compensação correspondente às retribuições que o autor deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, à razão de € 1.395,99 por mês, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o trânsito em julgado da sentença até integral pagamento, deduzida das quantias que o autor tenha auferido no mesmo período de tempo e que não receberia se não fosse o despedimento, designadamente as remunerações provenientes de trabalho dependente ao serviço de terceiros.

+++Inconformada com esta decisão, dela recorreu a R., formulando as seguintes conclusões: 1. A noção de justa causa de despedimento exige a verificação, cumulativa, de dois requisitos: um comportamento ilícito e culposo do trabalhador, violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, grave em si mesmo e nas suas consequências; que esse comportamento torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.

  1. Existe a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, susceptível de criar, no espírito da primeira, a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral.

  2. Na apreciação da gravidade da culpa e das suas consequências, deve recorrer-se ao entendimento do "bom pai de família", de um "empregador razoável", segundo critérios objectivos e razoáveis, em face do circunstancialismo concreto, devendo atender-se, "no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes", como estabelece o nº 2 do art. 396º do Código do Trabalho de 2003.

  3. O dever de lealdade tem um alcance normativo que impõe ao trabalhador responsável por processos de compras que aja, nas relações com o empregador e seus fornecedores, com seriedade, estando-lhe vedado, nomeadamente, comportamentos que determinem situações de perigo para o empregador ou para a organização da empresa, aqui se incluindo a estabilidade das relações comerciais.

  4. Um comportamento do trabalhador que consubstancie uma actuação desleal e desonesta, em si mesma, é relevante no quadro da justa causa, independentemente de se saber se entidade patronal sofreu efectivos e concretos prejuízos ou se o trabalhador obteve benefícios pessoais.

  5. Constitui justa causa de despedimento, ao abrigo e nos termos do disposto no nº 1 do art. 396º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 99/2003, de 27 de Agosto, o comportamento do trabalhador que, sendo responsável exclusivo pela consulta de mercado e selecção dos fornecedores para as compras da oficina por si gerida, competindo-lhe assegurar que a compra era a mais conveniente para a sua entidade patronal, optava sistematicamente por escolher o fornecedor com base apenas na rapidez de entrega dos materiais quando o mesmo conhecia as alternativas disponíveis no mercado, as economias significativas de preço relativamente ao fornecedor seleccionado e que a diferença nos tempos de entrega não ultrapassava um dia relativamente à concorrência, por violação irreparável da confiança em si depositada e do dever de lealdade e diligência a que se encontrava sujeito.

  6. É também de afirmar a justa causa de despedimento, ao abrigo e nos termos do disposto no nº 1 do art. 396º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 99/2003, de 27 de Agosto, quando um trabalhador, responsável por processos de compra, viola ao longo de um ano acordos comerciais subscritos pela sua entidade patronal, promovendo compras a fornecedores fora do âmbito daqueles acordos e em condições económicas mais graves para a sua entidade patronal, quando o mesmo sabia da existência dos mesmos acordos e não cuidou de apresentar qualquer motivo justificativo para a compra, por violação irreparável da confiança em si depositada e do dever de lealdade e diligência a que se encontrava sujeito.

  7. É, ainda e também, de afirmar a justa causa de despedimento, ao abrigo e nos termos do disposto no nº 1 do art. 396º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 99/2003, de 27 de Agosto, quando o trabalhador, responsável de uma oficina mecânica e valendo-se da sua condição, cria num fornecedor da sua entidade patronal a convicção do interesse desta na compra de um equipamento de modo a garantir que o mesmo fornecedor, convencido que o equipamento seria colocado ao serviço da entidade patronal para uma ulterior venda, lhe cedia este equipamento para benefício próprio, por violação irreparável da confiança em si depositada e do dever de lealdade a que se encontrava sujeito.

  8. Ao decidir em sentido contrário, violou o tribunal a quo o disposto nos nºs 1 e 2 do art. 396º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 99/2003, de 27 de Agosto, aplicável por força do disposto no art. 7º da Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro.

    +++Contra-alegou o A., pedindo a confirmação do decidido.

    +++Nesta Relação, o Ex.mo Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu o seu douto parecer no sentido do não provimento do recurso.

    +++Cumpre decidir.

    +++ 2. Factos provados (na 1ª instância): 1. Em 01 de Dezembro de 1993, o Autor foi admitida ao serviço da antecessora da Ré, D…, SA, para sob a sua autoridade, direcção e fiscalização desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de mecânico.

  9. A Ré resultou de uma operação de fusão por incorporação da empresa D…, SA, na empresa E…, Lda., tendo esta empresa adquirido e incorporado aquela.

  10. Esta operação de transmissão de empresa foi comunicada aos trabalhadores da D…, à qual o Autor pertencia.

  11. Aquando do registo definitivo da operação, em 02 de Janeiro de 2006, foram novamente informados os trabalhadores, nomeadamente o Autor, ao abrigo e nos termos do disposto no nº 3 do art. 319º do Código do Trabalho, vigente à data, da existência de um prazo de três meses para reclamarem à C…, caso existissem, os seus créditos.

  12. O Autor nunca apresentou à C… qualquer reclamação.

  13. Em 01 de Maio de 2005, o Autor, pela sua competência e desempenho profissionais, foi promovido à categoria de Encarregado.

  14. Ultimamente, o Autor auferia a remuneração mensal ilíquida de € 1.172,72.

  15. O Autor nunca foi alvo de qualquer procedimento disciplinar.

  16. Ao valor referido em 7, acresciam € 223,27, mensais, a título de isenção de horário e € 6,17, por dia, de subsídio de alimentação.

  17. Em 21 de Janeiro de 2009, o Autor foi suspenso preventivamente pela Ré, conforme doc. de fls. 34 que se dá por integralmente reproduzido.

  18. Em 17 de Março de 2009, o Autor recebeu Nota de Culpa, datada de 13 do mesmo mês, com o teor de fls. 35 a 47 que se dá por integralmente reproduzida.

  19. Em 30 de Março de 2009, o Autor apresentou a sua defesa escrita, com o teor de fls. 53 a 65 que se dá por integralmente reproduzida.

  20. Em 26 de Maio de 2009, o Autor recebeu decisão final, datada de 22 do mesmo mês, que lhe aplicava a sanção disciplinar de despedimento com alegada justa causa com o teor de fls. 66 a 81, que se dá por integralmente reproduzida.

  21. Ultimamente o Autor vinha desempenhando as funções de encarregado na oficina mecânica de Valongo, sendo nessa qualidade o responsável técnico máximo daquela...

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