Acórdão nº 35/1997.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Maio de 2011

Data31 Maio 2011
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)
  1. AA - ..., S.A. demandou no dia 6-1-1997 BB …,S.A. pedindo a sua condenação no pagamento à A. da importância de 96.214.241$00 a título de perdas anuais ocorridas enquanto se manteve a relação de grupo acrescida de juros de mora contados dia a dia à taxa de 15% desde 25-6-1996 e até efectivo pagamento os quais, à data de 6-1-1997 ascendem a 6.365.955$00.

  2. A A. foi constituída em 1-1-1990 como sociedade em relação de grupo por domínio total inicial, ao abrigo do artigo 488.º do Código das Sociedades Comerciais, tendo como única sócia a ré.

  3. A A. registou prejuízos em 1991, 1992 e 1993 conforme relatório e contas, respectivamente, de 1.058.164$00, 45.762.210$00 e 7.423.524$00.

  4. Outros prejuízos houve em 1991 e 1992 no montante de 41.970.000$00, ocultados nas contas, que constam do certificado do revisor oficial de contas. Estes prejuízos foram contabilisticamente capitalizados em imobilizado em curso.

  5. O total de prejuízos acumulados enquanto durou a relação de grupo ascende a 96.214.241$00.

  6. A relação de grupo terminou em 31-12-1993.

  7. O valor reclamado funda-se no disposto no artigo 502.º/1 do Código das Sociedades Comerciais que possibilita à sociedade dominada exigir à sociedade dominante que “ compense as perdas anuais que, por qualquer razão, se verifiquem durante a vigência do contrato de subordinação, sempre que estas não forem compensadas pelas reservas constituídas durante o mesmo período”. O artigo 502.º é aplicável aos grupos constituídos por domínio total por força da remissão do artigo 491.º do mesmo Código que diz: “ aos grupos constituídos por domínio total aplicam-se as disposições dos artigos 501.º a 504.º e as que por força destes forem aplicáveis”.

  8. A ré considera-se parte ilegítima porque em Dezembro de 1993 vendeu a totalidade da sua participação na A. à sociedade CC, S.A., ou seja, a relação de domínio total que antes existia com a ré passou a existir com a CC, cessão essa dotada de efeitos retroactivos.

  9. No entanto, porque a CC, por virtude da referida alienação, passou a deter na sua esfera jurídica todos os direitos e obrigações antes mantidos entre A. e ré, sempre a CC é responsável, com base em direito de regresso, perante a ré, pelos pagamentos que esta tenha de suportar.

  10. A CC em Maio de 1995 vendeu a sua participação na A. a um II da sociedade, entre os quais se contava o então administrador delegado DD ( ver fls. 142 e segs), assim fazendo cessar a relação de domínio e possibilitando a interposição da presente acção visto que a exigibilidade da compensação das perdas anuais a que alude o mencionado artigo 502.º/1 do C.S.C. apenas se verifica “após o termo do contrato de subordinação” (artigo 502.º/2 do C.S.C.), devendo ler-se, por força da remissão, “ após o termo da relação de domínio”.

  11. Do protocolo de acordo de venda de acções celebrado entre a CC e o referido II consta que “a CC fez já entrega à AA de 35.000.000$00, quantia parcialmente reembolsável nas condições descritas em 4.1 infra para solver as responsabilidades imediatas da AA por dívidas vencidas à Segurança Social e ao Estado, destinando-se o remanescente a reduzir a dívida da AA ao Banco..., quantia que fica depositada em conta-caução aberta no Banco... e que só poderá ser movimentada nos termos que constam do Anexo I rubricado pelas partes e que faz parte integrante do presente contrato” 12.

    Para além da intervenção provocada acessória da CC, a ré requereu, dado o exposto, também a intervenção provocada acessória do Eng.º DD que, no entender da ré, agiu de forma autónoma e independente dos negócios e estratégia empresarial da ré, não ocorrendo, por conseguinte, ordens ou instruções da ré das quais pudesse advir prejuízo para autora; por isso, é o referido interveniente responsável nos termos do artigo 79.º do Código das Sociedades Comerciais.

  12. Por sua vez o chamado a intervir Eng.º DD requereu a intervenção acessória provocada do Dr. EE e do Dr. FF ( ver fls. 214) que intervieram nos autos, nos termos do artigo 332.º do C.P.C., conforme fls. 227 e segs e 264. e segs.

  13. As referidas verbas ( ver 4 supra), que a A. considera prejuízos ocultos, inscritas em “imobilizações em curso” correspondem ao valor líquido dos custos menos proveitos do departamentos “GG” que resultou de um acordo estabelecido entre a A. ( por iniciativa do seu administrador-delegado), a sociedade inglesa GG e HH para a futura formação de uma sociedade que desenvolveria a sua actividade na área do “design”, dando a autora “ guarida” a essa actividade enquanto a nova sociedade não estivesse formada, devendo o resultado de tal actividade no seio da A. (positivo ou negativo) ser posteriormente transferido para a sociedade a constituir especificamente para o projecto; por isso, a prática contabilística adoptada foi, no entender da ré, a única admissível, pois os referidos valores não deveriam ser tratados de “ganhos” ou “ perdas” sob o prisma contabilístico.

  14. Referiu ainda a ré que os adquirentes da participação no capital social da A. - o denominado “II” - (a) conheciam perfeitamente a situação económico-financeira da sociedade no momento em que a adquiriram, porque eram quadros da A. desde o momento da sua fundação, (b) porque acompanhavam as reuniões mensais de avaliação dos negócios e a análise das contas sociais com base em relatórios em cuja elaboração participavam (c) porque o Eng.º DD era administrador delegado da sociedade A. desde o momento da sua constituição e o Dr. JJ (outro membro do referido “II”) era membro do Conselho de Administração da A. à data da transacção e porque (d) o acordo de venda das acções foi precedido de intensas negociações. Por isso, o valor reclamado ao abrigo do disposto no artigo 502.º do Código das Sociedades Comerciais não se justifica até porque a A, mercê de reestruturação financeira levada a cabo em 2003, começava a apresentar resultados positivos e, por outro lado, esta actuação dos adquirentes permite configurar uma situação de abuso do direito pela instrumentalização da sociedade em proveito próprio.

  15. Sustentou ainda a ré que o normativo contido no artigo 502.º do C.S.C. encontra sentido no âmbito das relações derivadas do contrato de subordinação, mas perde sentido tratando-se de um caso de domínio total. Ao pretender aplicar-se este preceito a uma relação de domínio total, podem, à partida, suscitar- -se duas hipóteses, a da tutela dos interesses dos credores da sociedade ou a tutela dos interesses dos accionistas. Aqueles, porém, estão salvaguardados pelo disposto no artigo 501.º do C.S.C; os interesses dos accionistas estão defendidos pela aplicação das regras referentes aos contratos de compra e venda das acções. Quanto ao interesse da sociedade, certo é que esta não deve ser entendida como ente autónomo da sociedade dominante que é o único accionista da sociedade dominada, constituindo um absurdo que, alienada que fosse uma acção, cessasse o domínio, indemnizando-se a dominante a si própria.

  16. Por outro lado, os prejuízos sofridos pela A. , no período em que durou a relação de domínio com a ré, quaisquer que eles tenham sido, repercutiram-se no preço pelo qual o “II” adquiriu a participação da sociedade que, pelas razões indicadas, bem conheciam, Ora, a seguir-se este entendimento, o risco de capital da ré seria duplicado, considerado o valor perdido com o investimento e o valor atribuído a título de indemnização.

  17. A aplicabilidade do artigo 502.º do C.S.C. aos casos de domínio total seria o preço a pagar pela possibilidade de dar instruções desvantajosas à sociedade dominada (artigo 503.º/2 do C.S.C.) que , no caso, não ocorreram.

  18. Quanto aos invocados danos, a ré salienta que estão em causa , quando a lei fala em perdas anuais, as “ perdas contabilísticas”, ou seja, as perdas apuradas nas contas de exercício e, por isso, não podem ser considerados prejuízos não contabilizados.

  19. Quanto aos contabilizados, eles foram cobertos pela accionista por via das entradas no capital social da A., por via de suprimentos e por via ainda da injecção de capital quando foi alienada a empresa à CC.

  20. Na réplica a A. sustenta que desconhece os termos da transacção efectuada entre a ré e a CC, não tendo recebido qualquer comunicação nem alguma vez ratificou a transmissão de dívidas, tão pouco houve, até à aquisição das participações à CC, alguma vez cessação da relação de grupo pela venda de mais de 10% do capital da sociedade, verificando-se que a relação de grupo não se extinguiu com a venda à CC e, obviamente, a venda à CC não apaga a responsabilidade que promana do artigo 502.º do C.S.C.

  21. A presente acção, prossegue a autora, está baseada em responsabilidade contratual objectiva e não em responsabilidade subjectiva, constatando-se que os poderes delegados pela ré nos administradores da A. eram muito limitados.

  22. A A. juntou certificação legal de contas dos exercícios de 1992 e 1993 das quais constam as reservas às contas e, nos termos do n.º7 do artigo 37.º do Estatuto dos Revisores Oficiais de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/93, de 30 de Dezembro, ” a certificação legal das contas, em qualquer das suas modalidades, bem como a declaração de impossibilidade de certificação legal, são dotadas de fé pública, só podendo ser impugnadas por via judicial quando arguidas de falsidade”, o que não sucedeu no caso vertente.

  23. No que respeita ao referido dossiê GG, prossegue a autora, foi sempre comandado pelo administrador da ré e presidente do Conselho de Administração da A. que decidiu manter a GG dentro da A. enquanto dava prejuízos até autonomizar a GG com a denominação social KK Lda. aparecendo como sócia, não a A., mas sim outra sociedade do LL, assumindo esta nova sociedade um prejuízo de 20.000 contos pelo passado, mantendo-se e assumindo a A. os restantes prejuízos.

  24. Do dito “II” constam outros accionistas que não são parte na acção, não podendo eles ser atingidos pelo eventual reconhecimento do abuso do direito e a circunstância de os actuais accionistas da A...

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