Acórdão nº 377/10.0TBGRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Maio de 2011

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução17 de Maio de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I A...

, B...

e C...

instauraram, na comarca da Guarda, a presente acção declarativa, com processo sumário, contra D...

e E...

, pedindo que se condene os réus a absterem-se de praticar quaisquer actos que consubstanciem a violação da obrigação natural de permitir o culto aos demais descendentes da falecida F...

[1].

Alegaram, em síntese, que as autoras e a ré mulher são filhas de F..., que faleceu em 2004 e que está sepultada numa sepultura que, em 2006, a ré adquiriu à Junta de Freguesia do .... Após essa data a ré vem impedindo as autoras de colocar flores e outros objectos no túmulo de sua mãe, de aí rezarem e de se aproximarem do respectivo talhão.

Os réus não contestaram.

Foi proferido despacho saneador-sentença em que se decidiu: Pelo exposto, o tribunal julga a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolve os réus do pedido.

Inconformados com tal decisão, os autores dela interpuseram recurso, que foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo, findando a respectiva motivação, com as seguintes conclusões: 1.ª As A.A. e Ré são irmãs e esta impede-as de colocar flores, rezar, velar e aproximar-se da sepultura da sua mãe.

  1. Diz que é dona do talhão ...

  2. E o Tribunal não encontrou “in casu” mais do que uma obrigação sem vínculo de coercibilidade ...

  3. As A.A. não se conformam com o teor da douta sentença recorrida.

  4. Estamos no domínio dos direitos de personalidade, de culto, mas também dos usos e dos direitos, liberdades e garantias.

  5. O direito de culto previsto no n.º 1 do artigo 41.º da Constituição da República Portuguesa traduz-se numa dimensão da liberdade religiosa, compreendendo o direito individual ou colectivo de praticar os actos externos de veneração próprios de uma determinada religião.

  6. O direito de culto é inviolável.

  7. Duas filhas que pretendem praticar os actos externos de veneração próprios de uma cultura, de uma religião, em face da morte da sua mãe, vêem violado o seu direito de culto.

  8. Estamos também perante um uso de uma dada comunidade – o que é facto notório carecendo de ser invocado.

  9. Este uso foi construído com base no respeito absoluto pelos princípios da boa fé, razão pela qual se convocam para a aplicação ao caso concreto.

  10. Quanto ao direito de propriedade das R.R. ninguém o questionou nem se pretende fazer.

  11. Apenas se questiona o uso ou conteúdo desse mesmo direito de propriedade, pois ele não é absoluto.

  12. O exercício do direito de propriedade pelos R.R. é contrário ao direito, ilegítimo e inapropriado.

  13. Tal como tem vindo a ser exercido, esse direito de propriedade excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos costumes e pelo fim económico e social do direito.

  14. Logo, este comportamento seria sempre em abuso de direito por parte dos R.R..

  15. Violou o Tribunal “a quo” os artigos 41.º-1 da C.R.P. o 27.º, 70.º e 71.º do C.C. e mal interpretou os artigos 397.º e 398.º do mesmo diploma legal.

Terminam pedindo a revisão da douta sentença condenando os R.R. a reconhecerem às A.A. o direito de prestar culto à memória de sua falecida mãe, não as impedindo de colocar flores, lápides e rezar[2] junto à campa.

Os réus contra-alegaram sustentando a improcedência do recurso.

Face ao disposto nos artigos 684.º n.º 3 e 685.º-A n.

os 1 e 3 do Código de Processo Civil[3], as conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir consiste em saber se aos autores assiste o direito de colocar flores, lápides e rezar junto à campa da mãe das autoras e sogra do autor.

II 1.º Nos termos do disposto nos artigos 713.º n.º 2 e 659.º n.º 3, o tribunal da Relação pode aditar factos aos factos dados como provados pelo tribunal a quo, desde que, evidentemente, se verifiquem os pressupostos enunciados nesta última norma.

Em virtude do efeito cominatório semi-pleno decorrente da circunstância de os réus não terem contestado[4], deve ter-se por confessado[5] o alegado no artigo 2.º da petição inicial, isto é que a 16 de Novembro de 2004 F... foi sepultada no talhão ... do cemitério de ....

E sendo este facto relevante para a decisão das questões colocadas nos autos, ele será levado aos factos provados.

  1. Estão provados os seguintes factos: a) Consta do assento de nascimento n.º 20677 do ano de 2008, lavrado na Conservatória do Registo Civil da ..., que A... nasceu no dia 25 de Fevereiro de 1950 e é filha de G...

    e de F...

    ; b) Consta do assento de nascimento n.º 813 do ano de 1942, lavrado na Conservatória do Registo Civil da ..., que B... nasceu no dia 27 de Julho de 1942 e é filha de G... e de F..., constando ainda averbado o seu casamento com C...; c) Consta do assento de nascimento n.º 883 do ano de 1945, lavrado na Conservatória do Registo Civil da ..., que D... nasceu no dia 17 de Junho de 1945 e é filha de G... e de F..., constando ainda averbado o seu casamento com E...; d) Consta do assento de óbito n.º 19/2005, do ano de 2005, lavrado na Conservatória do Registo Civil da ..., que F... faleceu no dia 12 de Novembro de 2004, no estado civil de viúva de G...; e) A 16 de Novembro de 2004 F... foi sepultada no talhão ... do cemitério de ...; f) A Junta de Freguesia do ..., no dia 29 de Abril de 2006, concedeu a D... o direito ao uso de uma sepultura simples e perpétua, onde se encontra sepultada a sua mãe, F..., tendo-lhe concedido o respectivo alvará para garantia dos seus direitos; g) Após tal facto, a ré vem impedindo as autoras, suas irmãs, de colocar flores na sepultura da sua mãe; h) E de aí rezar e velar pela sua mãe; i) Não lhes permitindo sequer aproximarem-se do talhão.

  2. Os autores pedem que os réus sejam condenados a abster-se de praticar quaisquer actos que consubstanciem violação da obrigação natural de permitir o culto aos demais descendentes da falecida F...

    .

    A redacção dada ao pedido é pouco clara e algo ambígua. Mas, face ao alegado pelos autores no artigo 18.º da petição inicial[6] e ao que afirmam na parte final das suas alegações de recurso[7], deve interpretar-se o pedido no sentido de que eles pedem a condenação dos réus a absterem-se de os impedir de, ao prestarem culto à memória da falecida F..., colocarem flores e lápides na campa desta, de se aproximarem da respectiva sepultura e de junto a ela rezarem.

  3. O artigo 26.º n.º 1 dispõe que o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer, acrescentando o seu n.º 3 que na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante...

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