Acórdão nº 2930/09.5TBPVZ.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Maio de 2011

Data09 Maio 2011
ÓrgãoCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. n.º 2930/09.5TBPVZ.P1 - Apelação Trib. Recorrido: 1º Juízo, 2ª Secção Cível do Porto Recorrente: B… Recorrida: C…, Lda.

SUMÁRIO (da responsabilidade da relatora): 1. Não age em abuso de direito o fornecedor que resolve o contrato de fornecimento de café por a R. ter deixado de comprar café (nem as quantidades acordadas, nem inferiores – nenhumas), a partir de determinada data.

  1. Uma coisa é a A. ter revelado, ao longo de anos, uma atitude de tolerância relativamente ao incumprimento parcial do contrato – compra de café em quantidades inferiores ao contratado - eventualmente por conhecimento da situação subjacente ao mesmo, que aceitou, outra coisa é entender-se que essa tolerância se estende ao incumprimento definitivo do contrato.

  2. Nem a natureza excessiva da cláusula penal, nem a desproporção das obrigações em caso de incumprimento importa a nulidade daquela.

  3. Sendo a cláusula manifestamente excessiva, permite a lei que o tribunal a reduza de acordo com a equidade, mas já não que a declare nula.

*Acordam na 5ª Secção Judicial do Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO.

C…, Lda. intentou, contra B…, no Tribunal da Póvoa do Varzim, acção declarativa de condenação, sob a forma sumária, pedindo que a R. seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 15.831,843, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, e acrescida da quantia anual de € 688,341 desde 13.11.2008 até efectivo pagamento.

A fundamentar o peticionado, alegou, em síntese, que: A A. dedica-se à importação e exportação de café e no desenrolar dessa actividade celebrou, em 13.11.1995, com D…, que à data explorava o estabelecimento comercial denominado “E…”, sito na Póvoa do Varzim, um contrato de fornecimento de café “F…”, lote “…”, nos termos do qual aquela se vinculou à compra, em regime de exclusividade, do total de 3.600 kg de café durante a vigência do contrato.

O contrato foi celebrado por 5 anos, renovável automaticamente por igual período, se nenhuma das partes o denunciasse.

Na data da celebração, a A. entregou à R. o material constante da cláusula 4ª ao qual foi atribuído o valor de € 6.883,41 [1].

Por documento de 5.3.2001, a D… transferiu os direitos e obrigações decorrentes do contrato para a R., tendo A. e R. aceite essa transmissão.

O contrato nunca foi denunciado.

Por carta de Setembro de 2008, a A. alertou a R. para o facto de não estar a adquirir a quantidade de café acordada contratualmente, ao que a R. não respondeu e, em 26.11.2008, a A. procedeu à resolução do contrato.

Nos termos da cláusula 6ª, a R. deve pagar à A. o montante equivalente ao investimento realizado, acrescido de uma actualização de 10% sobre esse valor, desde a data da assinatura do contrato até efectivo pagamento, o que liquida em € 15.831,843.

Regularmente citada, a R. contestou, por excepção, invocando a incompetência territorial do tribunal da Póvoa de Varzim para conhecer da acção, e abuso de direito da A., e por impugnação, propugnando pela improcedência da acção.

A A. replicou, propugnando pela improcedência das excepções invocadas.

Foi proferido despacho no qual se declarou territorialmente incompetente o Tribunal da Póvoa de Varzim para conhecer da acção e se ordenou a remessa dos autos ao Tribunal da comarca do Porto.

Foi proferido despacho saneador, procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal, vindo, oportunamente, a ser proferida sentença que julgou a acção procedente, e, em consequência, condenou a R. a pagar à A. a quantia de € 15.831,843, acrescida de juros de mora contabilizados à taxa legal, desde a citação da R. para contestar, em 16.11.2009, até efectivo e integral pagamento e da quantia anual de € 688,341, desde 13.11.2008 até efectivo e integral pagamento.

Não se conformando com a decisão a R. apelou, tendo no final das respectivas alegações formulado as seguintes conclusões: A- O tribunal a quo considerou que as testemunhas G…, H…, I… e J… depuseram de forma convincente sobre os factos.

B- A sentença sob recurso enferma de erro de julgamento.

C- Essa sentença é contraditória poisa assenta, por ex., como facto provado o mencionado na alínea f), quando, na realidade, a entrega deste material foi feito a D… que, posteriormente, em inícios de 2001, trespassou o estabelecimento para a Ré, D- e que na alínea i) “foi entregue à Ré uma cópia do contrato referido em b) (contrato nº …). Porém, do depoimento das testemunhas não resulta esta conclusão, mas antes o contrário (G… – 04:04 m; H… – 05:40 m; J… – 04:44 m e 07:55 m).

E- A sentença deu como provado, na alínea j) que foram adquiridas à Autora as seguintes quantidades de café (...) e em Abril de 2008, 10 quilos de café. Mas na alínea l) refere que de Fevereiro de 2008 (inclusive) em diante, a Ré não mais comprou café à Autora.

F- O tribunal recorrido considerou provado, na alínea q), que a manutenção do equipamento incumbia à Ré, que para o efeito reclamava directamente a intervenção da firma K…. Porém, o tribunal não apreendeu correctamente esta situação fáctica. A empresa K… era recomendada pela A., com a qual tinha relações comerciais. Sempre que a Ré contratava a K…, a A. dava um bónus de café à Ré, para a compensar no gasto despendido com a manutenção feita pela K… (G… – 06:44 m; I… – 04:05 m e 04:16 m; J… – 10:28 a 11:15 m).

G- A máquina de café é propriedade da Autora, só passando a ser da Ré no final do contrato (G… – 09:50 a 10:01 m e 10:11 m; H… – 08:54 m), sendo a Ré mera fiel depositária dos equipamentos.

H- Não competia à Ré provar que não lhe foi disponibilizada uma cópia do contrato nº 0616, mas sim à Autora. A A., aquando da P.I. juntou 7 documentos, mas não juntou aquele em que a Ré declarava tomar conhecimento do contrato nº …., nem que fosse por rubrica. Questionadas as testemunhas se sabiam se foi entregue cópia do contrato …. à Ré, nenhum viu tal (G… – 07:53 m; H… – 05:40 m; J… – 17:00 m; L… – 01:09 a 01:18 m, 02:39 a 02:59 e 12:48 a 12:58).

I- Dispõe o artigo 5º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro que “as cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las”, recaindo o “ónus da prova da comunicação adequada e efectiva ao contraente que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais”.

J- Considerou o tribunal recorrido, como não provado, que a máquina de café já não funcionava em condições e que o café tirado já não poderia ser assim chamado, uma vez que só saía água escura. Exactamente o contrário do que respondeu a testemunha J… (12:17 m e 12:49 m).

K- Também contraditório resulta a consideração como não provado que “tal facto (estado da máquina) levou alguns clientes a frequentar outro estabelecimento comercial”, como se vê pelo depoimento de J… (13:00 a 13:23 m).

L- A Autora não coloca em causa o mau estado da máquina de café, mas que apenas não a substituía por outra pelo facto de a Ré não ter consumos que justificassem, do ponto de vista da Autora, a colocação de outra (G… – 08:13 a 08:39 m; H… – 03:23 a 3:39 m e 3:50 m; L… – 12:32, 12:37 a 12:49 m; J… – 3:44 a 4:12 m).

M- A Autora deixou passar treze anos e só em finais de 2008 veio denunciar o contrato quando sabia, ab initio, que a cedente (D…1) e contratante com a Autora não havia adquirido mensalmente 60 quilos de café e havia, até mesmo, comprado café à concorrência.

N- Resulta do mapa de consumos (Doc. nº 3 da P.I.) que em todos os meses do ano de 1996, 1997, 1998, 1999 e 2000 nunca a cedente adquiriu a quantidade de café contratualmente estabelecida, tendo a aquisição variado entre os 5 e os 20 quilos mensais.

O- A Ré, durante vários meses, seja seguidos – às vezes quatro e cinco -, seja interpolados, não adquiriu qualquer quantidade de café, tendo por diversas vezes incumprido o “contrato”. Nestas situações, a Autora não enviou qualquer alerta de a Ré ter deixado de adquirir café, nem que iria resolver o contrato.

P- Dispõe o artigo 334º do Código Civil que “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

Q- O abuso de direito, no caso de “venire contra factum proprium”, tem por base a ideia de que o procedimento do titular do direito tornou este indigno de o exercer.

R- Esta variante do abuso do direito equivale a dar o dito por não dito, radica numa posição contraditória da mesma pessoa, pois pressupõe duas atitudes espaçadas no tempo, sendo a primeira (factum proprium) contraditada pela segunda atitude, o que constitui, atenta a reprovabilidade decorrente de violação dos deveres lealdade e de correcção, uma manifesta violação dos limites impostos pela boa fé.

S- E foi precisamente isso que aconteceu no caso sub iudice, em que a Autora sabia que o contrato não estava a ser cumprido e só ao fim de treze anos de incumprimento é que resolve denunciar o contrato por incumprimento.

T- O facto de ter havido tolerância para com o incumprimento é decisivo, pois se tal passividade da Ré fosse esporádica não teria relevo, mas perdurado pelo tempo que perdurou, tendo inclusive passados quatro e cinco meses seguidos sem adquirir café, quando a Autora resolveu o contrato, agiu contraditoriamente com a conduta inicial, passando a considerar infractor aquilo que antes não considerava. Neste sentido se pronunciou o STJ, no acórdão de 07-06-2001, no processo nº 01B1334, in www.dgsi.pt e o TRP, no acórdão de 23-05-2005, no processo nº 0552581, in www.dgsi.pt.

U- A sentença sob recurso violou os artigos 334º, 406º, nº 1 e 762º, nº 2 do Código Civil, pois os mesmos deveriam ser interpretados e aplicados pela conclusão da quebra das regras da boa fé na modalidade de venire contra factum proprium e o artigo 5º do DL. 446/85, de 25 de Outubro, com a declaração de nulidade das cláusulas que prevêem indemnizações a pagar à Ré no caso de incumprimento devido ao facto de serem cláusulas gerais que contêm obrigações...

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