Acórdão nº 10/11.2YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Maio de 2011

Magistrado ResponsávelFERNANDES DA SILVA
Data da Resolução04 de Maio de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – 1. – AA, com os demais sinais dos Autos, intentou no Tribunal do Trabalho de Matosinhos, em 16.3.2006, a presente acção com processo comum, contra: - ‘BB – ..., CRL’ - ‘CC – ..., CRL’ e - ‘DD’, pedindo que, julgada procedente a acção, sejam as RR. Condenadas, solidariamente, a pagar-lhe a quantia de € 55 533,69 e os juros à taxa legal desde o vencimento das prestações e até integral pagamento, sendo os vencidos até esta data de € 3 750,00.

Alegou para o efeito, em síntese útil, que, sendo engenheira química, celebrou com a 1.ª Ré, em 15 de Outubro de 1997, um contrato de trabalho a termo certo, com início em 15.10.97 e termo em 14.10.98, prorrogável por iguais períodos de tempo – contrato ainda em vigor porque nunca denunciado – para o exercício da actividade de "Professora Auxiliar sem Mestrado", na Universidade ..., pertencente à 1ª Ré, ministrando as disciplinas que pela 1.ª Ré lhe fossem atribuídas, de acordo com o horário por esta fixado e exercendo a actividade nas respectivas instalações, mediante remuneração.

Mais alegou que fez a Pós-graduação em "Engenharia de Qualidade" e parte curricular do Mestrado em "Ciência e Engenharia do Ambiente", doutorou-se em 2002 em "Biotecnologia", tendo passado a receber, além do vencimento mensal, o "Subsídio de Grau" e o "Subsídio de Tempo Integral", no valor mensal de 598,66 Euros, tudo no total mensal de 2.164,78 Euros, sendo que a partir de Outubro de 2002 inclusive, sem nada que o justificasse, ou lhe tivesse sido dado qualquer aviso, a Ré deixou de lhe pagar o referido subsídio de tempo integral.

Por comunicação datada de 18 de Outubro de 2005, a 2.ª Ré, ‘CC’, informou a A. de que havia celebrado um "acordo" de transferência do estabelecimento "Universidade ..." da 1.ª Ré, para a 2.ª Ré e a instalação da 3.ª Ré.

Que desconhece o teor desse acordo de transmissão, mas se existe, será a 2.ª Ré responsável pela liquidação dos créditos da A., cabendo à 1.ª Ré a responsabilidade solidária pelo que, subsidiariamente e por mera cautela, deduz contra a 2.ª Ré o pagamento peticionado.

Porém, e se assim for, atenta a autonomia e personalidade jurídica e judiciária, da "DD" e designadamente, a sua responsabilidade no pagamento dos débitos aos seus docentes, justifica-se seja igualmente a 3.ª Ré, ‘DD’ e subsidiariamente, a assumir o ressarcimento dos créditos reclamados pela A., a título de Subsídios de Férias e de Natal não pagos, correspondentes aos anos de 1999, 2001, 2002, 2003 e 2004; vencimentos mensais não pagos de Dezembro de 2000, Maio a Setembro de 2004, a Dezembro de 2004 e de Março de 2005 a Fevereiro de 2006 e subsídio de tempo integral, não pago de Outubro de 2002 a Fevereiro de 2006.

Frustrada a conciliação empreendida na Audiência de partes, vieram contestar: - A R.

‘BB, CRL’, aceitando parte da factualidade e impugnando a remanescente, sustenta que tendo processado contabilisticamente e entregue as respectivas folhas na Segurança Social, os valores reclamados terão de ser considerados em termos líquidos, reconhecendo apenas dever à A. o montante de € 19 442,63; alega ainda que devido à crise do chamado “escândalo ...”, com a subsequente perda de alunos, teve que reestruturar os cursos e diminuir a respectiva carga horária dos docentes, pelo que deixou de fazer sentido a atribuição do subsídio a tempo integral.

Concluiu pela procedência parcial do pedido.

- A R.

‘CC, CRL’, excepcionando a sua ilegitimidade, porquanto não foi ajustada a substituição de sujeitos, nem a transmissão, revestindo a natureza meramente administrativa, impôs a subsistência dos vínculos contratuais, pelo que não pode ser demandada; e em sede de impugnação, realçando a inexistência de transmissão de estabelecimento, bem como de contrato de trabalho entre a A. e a própria ‘CC’, assevera que não há relação jurídica a justificar o pedido formulado.

Pugna, a final, pela procedência da excepção com a consequente absolvição da instância e do pedido.

A A. respondeu às contestações das RR., sustentando a improcedência do excepcionado e concluindo, no mais, como na P.I.

Saneado o processo, o M.º Juiz a quo julgou improcedente a excepção de ilegitimidade deduzida pela R. ‘CC’, que inconformada interpôs recurso de agravo.

A A. contra-alegou defendendo o não provimento do agravo.

Discutida a causa, proferiu-se sentença julgando a acção parcialmente procedente, por provada, com condenação solidária das aludidas Rés a pagarem à A. a importância de € 52.897,46, acrescida de juros de mora, à taxa legal, julgando-a parcialmente improcedente, por não provada, quanto ao mais peticionado, com absolvição nessa parte do pedido das co-Rés ‘BB - … CRL’ e ‘CC - ... CRL’.

Julgou-se por fim improcedente, por não provada, a presente acção contra a co-R. ‘DD’, que foi em consequência, absolvida do pedido.” 2.

– A co-R.

‘CC, CRL’, irresignada com a decisão, dela interpôs recurso de apelação, em que, pugnando basicamente pela inaplicabilidade à presente situação do art. 318.º do Código do Trabalho, por se tratar de uma Universidade e de o contrato sujeito ser um contrato de trabalho de serviço de docência universitária, concluiu que o Tribunal 'a quo' errou ao considerar o contrário, pedindo a sua absolvição do pedido.

A recorrida contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso, com a consequente manutenção do julgado.

A Relação do Porto, em Acórdão prolatado a fls. 600-627, confirmou a decisão impugnada, julgando improcedente o recurso.

É contra esta decisão que a R. se rebela, trazendo o presente recurso de Revista, cuja motivação remata com a formulação das seguintes conclusões: A. O Tribunal Recorrido violou a lei e o direito ao decidir:

a) Que existiu entre a A. e a co-Ré ‘BB’ um contrato de trabalho pelo qual aquela se obrigou a prestar a sua actividade docente; e, b) Que existiu transmissão de estabelecimento nos termos e para os efeitos do artigo 318.° do CT, passando para a aqui recorrente a titularidade do contrato celebrado entre a A. e a co-Ré ‘BB’, ocupando a posição jurídica de empregador relativamente à A; B.

O Tribunal a quo qualificou incorrectamente como contrato de trabalho o contrato que vinculou a A. à ‘BB’, dado que os factos provados impõem qualificação diversa, a de contrato de prestação de serviços, ou, quando muito, um contrato de trabalho especial.

C.

O Tribunal a quo, ao aplicar indevidamente o art. 318.° do CT, conclui incorrectamente pela transmissão para a aqui recorrente da titularidade do contrato da A.

Com efeito, D.

Para além dos critérios/índices e da metodologia sintética de procurar, caso a caso, o vínculo de subordinação jurídica, clássico na distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços, tem de trazer-se à colação o ambiente histórico de onde eclodiu o juslaboralismo: não pode esquecer-se a Questão Social e o horizonte fabril.

E.

Os Professores das Universidades nunca estiveram coligados à Questão Social, regulando-se o estatuto jurídico do desempenho de funções docentes superiores, desde sempre, pelo modelo romanista da prestação de serviços.

F.

E sem necessidade de qualquer especialização no seio do ordenamento: nunca se tratou verdadeiramente de salariato no sentido que o conceito obteve justamente do ponto de vista da Questão Social.

G.

As Universidades seguem, na verdade, o modelo institucional das corporações de Mestres e Alunos para a transmissão e elaboração do saber, herança cultural nacional.

H.

Este enfoque institucionalizado do relacionamento Professores/ Universidades inibe de todo a produtividade do método analítico baseado na subordinação jurídica, qualquer que sejam as modalidades concretizadoras com que se nos apresente.

I.

Por isso mesmo, é que são absolutamente claras e justas as conclusões da sentença de 1.ª instância no sentido de o recorrido não ter provado estar sujeito à disciplina da recorrente (mera entidade instituidora), nem sequer alguma vez ter havido um critério disciplinar coagente, nem para conformidade e avaliação do seu desempenho como Professor.

J.

E, não despiciendo no campo de uma lógica ultra-liberal, o Professor pode, na última das reduções lógicas, ser encarado como um certificador de competências adquiridas: é o que resulta dos exames públicos.

K.

E esta actividade implica um esforço e um juízo absolutamente autónomo, fora de qualquer subordinação ou condicionamento: tal como a qualquer actividade de certificação da qualidade corresponde-lhe, sem dúvida, um exercício liberal.

L.

Quanto a este último tipo de relações sociais (ocupação liberal) também não há dúvida que são recobertas pela prestação de serviços romanista originária.

M.

As Universidades não são um estabelecimento que constitua uma unidade económica. Como vimos, a salvaguarda, transmissão e produção do saber são uma actividade política e não do âmbito e alcance da mera economia. E apenas a condicionam a economia por se tratar, sim, de estabelecimentos de ensino de onde vão sair os inputs que supõem, amparam e são condição maior do desenvolvimento, mas do desenvolvimento humano, conquanto este tenha de ter, naturalmente, uma dialéctica base de apoio nas estratégias de afectação dos recursos materiais.

N.

Por isso mesmo, o acto administrativo da substituição da entidade instituidora da Universidade .../Porto se nos apresenta como uma descontinuidade, passível, por exemplo, de impugnação em si e por si, com vida jurídica de raiz: não foi nem é qualquer título de transmissão de um estabelecimento, nem sequer de um estabelecimento de ensino, portanto de todo distraído do conceito de unidade económica.

O.

Trata-se de um marco público de revisão fundacional da universidade como instituição que o direito reconhece na realidade dos acontecimentos societais, que o direito não cria mas acolhe e regulamenta nos limites e traves do nicho ecológico donde emerge.

P.

Ou seja, essa comunidade de professores e alunos é uma entidade natural e o recrutamento dos professores, tal como a admissão dos...

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