Acórdão nº 455/08.5TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Maio de 2011

Magistrado ResponsávelGONÇALVES ROCHA
Data da Resolução04 de Maio de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: Processo nº 455/08.5TTLSB.L1.S1- 4ª secção 1---- TRANSPORTES AÉREOS PORTUGUESES, S.A., que também usa TAP – AIR PORTUGAL, intentou em 31/1/2008, uma acção com processo comum, contra AA, pedindo que se condene o R. a pagar-lhe a quantia de € 50.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, desde a citação e até integral pagamento.

Alegou para tanto e em suma, que celebrou com o R um acordo de formação, nos termos do qual se obrigou a proporcionar-lhe um conjunto de acções de formação profissional e o R. se obrigou a frequentá-las; contudo o R, violando tal acordo, não frequentou todas as acções de formação a que se obrigara, fazendo-o cessar através de carta em que invocou fundamentos para a sua rescisão, mas que são falsos.

Por isso e como foi acordado que a sua quebra constitui o R. na obrigação de a indemnizar pelos encargos decorrentes da formação, vem reclamar o montante de € 50.000, valor da cláusula penal contratualmente aceite.

Como a audiência de partes não derivou em conciliação, veio o R contestar, sustentando, em resumo, que o acordo denominado de "formação", deve sujeitar-se ao Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais, aprovado pelo DL 446/85, de 25/10 (RGCCG).

Por isso, as cláusulas 8ª, 12ª, e 14ª do referido acordo, que consagram uma cláusula penal de € 50.000 são nulas, nos termos do seu art. 19º, al. c), por consagrarem indemnização desproporcionada aos danos a ressarcir.

Por outro lado, as cláusulas 12ª e 14ª do mesmo acordo contêm uma promessa unilateral de trabalho, que só vincula o R, sendo assim nula nos termos previstos no art. 94º do Código do Trabalho.

Além disso, no decurso das acções de formação que frequentou, o R foi por diversas vezes insultado, humilhado e maltratado pelos seus formadores, razão pela qual resolveu o contrato, com justa causa.

A A. apresentou articulado de resposta, concluindo como na P.I.

Notificado deste articulado, o R. requereu que parte da matéria alegada no mesmo fosse considerada não escrita, pretensão que foi satisfeita, pois no despacho saneador foi o articulado de resposta julgado parcialmente inadmissível.

Dispensada a audiência preliminar, bem como a selecção dos factos assentes e controvertidos, realizou-se a audiência de julgamento, tendo-se fixado, no seu final, a factualidade provada e não provada, sem qualquer reclamação.

De seguida, foi proferida sentença, que julgando a acção totalmente improcedente, absolveu o R. do pedido.

Inconformada com esta decisão, interpôs a A recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, que julgando procedente o recurso, revogou a decisão recorrida, e, em consequência, condenou o Réu a pagar à Autora, a indemnização correspondente ao valor dos custos que esta suportou com as acções de formação que aquele efectivamente frequentou, fixando-se desde já que esse valor se situará entre €25.000,00 e €50.000,00.

É agora o R que, inconformado, nos traz esta revista, tendo rematado a sua alegação com as seguintes conclusões: A. O contrato celebrado entre as partes denominado “contrato de formação” não foi qualificado como contrato de formação profissional nem como contrato de aprendizagem pelo acórdão recorrido, que o considerou erradamente como um resultado da autonomia da vontade das partes.

  1. O acordo denominado, pela TAP, de “acordo de formação” era um contrato de aprendizagem.

  2. Este acordo constitui a formalização da frequência do “38º Curso de Qualificação em Airbus 320 (“Type Rating”)” - Ponto 5 da matéria provada.

  3. “A TAP está certificada como TRTO (“Type Rating Training Organization”) quer pelas autoridades aeronáuticas nacionais, quer pelos organismos internacionais que regem a aviação civil.” - Ponto 9 da matéria provada E. O 38º Curso de Qualificação em Airbus 320 (“Type Rating”) da TAP frequentado pelo recorrente compreendeu: a) Uma fase de estudo com recurso a aplicações informáticas, denominada “Computer based Training”, e de formação acompanhada por instrutor, num total de 90 horas; b) Uma fase de simulador (EVAL), com 85 horas de formação, das quais 51 horas em simulador de tipo D, e um exame final; c) A realização de um “voo base” (voo sem passageiros); d) Uma fase de formação em voo, designada LIFUS (Line Flying Under Supervision). - Ponto 6 da matéria provada.

  4. A noção de contrato de aprendizagem definido no art. 16º, n.º 1 do D.L. 205/96 de 25 de Outubro corresponde ao acordo celebrado e constante do ponto n.º 1 da matéria dada como provada.

  5. A aprendizagem “é um sistema de formação profissional inicial em alternância” entre a teoria e a prática tal como se encontra definido no n.º 3 do art. 2 do D.L. 205/96 de 25 de Outubro. Ou seja, estamos sempre no âmbito da formação profissional.

  6. A licenciatura e a experiência concreta de voo do recorrente não o excluem do regime da formação profissional, nomeadamente do regime da aprendizagem, ao contrário do que se afirma no acórdão recorrido. A formação profissional é inclusiva, por definição não exclui ninguém. Por isso se invoca presentemente o princípio da aprendizagem ao longo da vida activa de todos os que se encontram no mercado de trabalho independentemente da sua formação de base ou adquirida.

    I. O recorrente não tinha experiência de voo em aviões Airbus pois “trabalhou na companhia de aviação civil ..., como co-piloto de avião Boeing 767.” - Ponto 41 da matéria provada.

  7. A experiência de voo do avião Boeing 767 não afastava a necessidade de formação profissional em Airbus 320, por isso foi necessário submeter-se à formação descrita.

  8. Por outro lado, o acórdão recorrido erra a definição dos parâmetros do regime da aprendizagem ao afirmar “tratar-se de um processo formativo dirigido a não diplomados do básico e a diplomados dos ensinos básico de 9 anos de escolaridade e a diplomados do ensino secundário sem qualificação profissional”.

  9. Para além das situações enunciadas a lei prevê, ainda, os cursos de formação pós-secundária, especialização tecnológica ou qualificação tecnológica avançada, dirigidos, a Cursos dirigidos a diplomados do ensino básico de 9 anos de escolaridade ou a diplomados do ensino secundário sem qualificação profissional (art. 7, n.º 5 do D.L. 205/96).

  10. O grau de licenciatura – em engenharia ou em qualquer outra área – é totalmente irrelevante para a função de piloto de aviões daí que a exigência seja para que o candidato tenha a escolaridade obrigatória realizada e não tenha qualificação profissional para a área em que pretende obter formação, caso contrário iludir-se-ia as disposições laborais pois a formação deve ocorrer em ambiente de trabalho.

  11. A noção de formando utilizada pelo diploma é oposta à visão restritiva da aprendizagem enunciada pelo acórdão recorrido.

  12. Segundo o D.L. 205/96, formando é todo “aquele que, tendo ultrapassado a idade limite da escolaridade obrigatória, reúna as restantes condições de admissão, frequenta um curso de aprendizagem” (art. 6º).

  13. Por tudo o que ficou exposto, entendemos que se está perante uma situação de formação profissional, em concreto de um contrato de aprendizagem sendo aplicável o regime constante do D.L. 205/96 de 25 de Outubro.

  14. A rescisão do contrato de aprendizagem é livre por parte do formando segundo o art. 28, n.º 1 do D.L. 205/96 de 25 de Outubro.

  15. Sendo a rescisão livre a comunicação nesse sentido realizada pelo formando AA é licita e não gera obrigação de indemnizar.

  16. O art. 28, n.º 1 do D.L. 205/96 de 25 de Outubro tem carácter imperativo.

  17. Daí que qualquer cláusula que procure afastar a liberdade de rescisão do contrato de aprendizagem – nomeadamente a cláusula penal constante da cláusula 8ª do acordo de formação, seja nula.

    V. Ao excluir o regime da aprendizagem e aplicar as regras gerais das obrigações, nomeadamente o art. 405º, o acórdão recorrido erra a determinação das normas aplicáveis.

  18. Quanto à promessa de trabalho, o art. 16, n.º 3 do D.L 205/96 de 25 de Outubro estatui que “o contrato de aprendizagem não gera nem titula relações de trabalho subordinado” não podendo, consequentemente, fundamentar qualquer promessa de contrato de trabalho.

    X. Ao contrário do que defende o acórdão recorrido o objectivo da lei não é apenas evitar a invocação pelo formando aprendiz de uma relação contratual laboral mas principalmente, impedir que o ascendente da entidade formadora condicione as condições contratuais futuras do formando tirando partido do facto do mesmo ainda não se encontrar formado e estar na dependência pedagógica da entidade formadora para obter a certificação que o habilitará a exercer determinadas funções qualificadas.

  19. Não resulta inequívoco a espécie de trabalho a prestar no contrato definitivo de trabalho embora o acordo de formação visasse habilitar AA ao desempenho das funções inerentes à categoria profissional de oficial piloto de linha aérea TAP em nenhuma cláusula se diz que essas seriam as funções a desempenhar por AA num eventual futuro vínculo laboral Z. Quanto à retribuição a relação reconhece que o acordo de formação não a referia expressamente AA. O montante da retribuição tem que constar expressamente da promessa.

    AB. Não há qualquer remissão para instrumento de regulamentação colectiva no “acordo de formação”.

    AC. Contudo, ainda que estivesse determinada a retribuição de cada categoria profissional no AE - o que não se encontra provado nem foi alegado - teria que verificar-se a indicação expressa da futura categoria do trabalhador e verificar-se a remissão para instrumento de Regulamentação colectiva de trabalho aplicável devidamente identificado para se poder discutir a validade dessa remissão que consideramos, caso se verificasse, contrária ao espírito do art. 94 do CT pois o legislador impõe que o montante da retribuição constasse expressamente da promessa.

    AD. Estes factos consubstanciam a violação dos artigos 94, n.º 1 e 103, n.º 1 a) do CT.

    AE. O vício de forma do contrato promessa de trabalho determina a nulidade do...

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