Acórdão nº 48/09.0GTGRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Abril de 2011

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução06 de Abril de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, os Juízes que compõem a 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório No âmbito dos autos de Processo Comum (Tribunal Singular) registados sob o n.º 48/09.0GTGRD, do Tribunal Judicial de Celorico da Beira, Secção Única, por sentença de 13/10/2010, o arguido PR... foi condenado, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de falsificação de notação técnica, p. e p. pelo artigo 258.º, n.º 1, al. c), e n.º 2, por referência ao artigo 255.º, al. a), ambos do C. Penal, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 7 euros, perfazendo um total de 840 euros.

**** O Ministério Público, não se conformando, parcialmente, com a citada Decisão, veio, em 2/11/2010, interpor recurso, defendendo a revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que condene, também, o arguido pela prática do crime de uso de documento de identificação alheio que lhe vinha imputado, extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões: 1. Por sentença proferida nos presentes autos, foi o arguido PR... condenado pela prática de um crime de falsificação de notação técnica, p. e p. pelo artigo 258.º, n.º 1, al. c) e n.º 2, do C. Penal, e absolvido da prática do crime de uso de documento de identificação alheio, p. e p. pelo artigo 261.º, n.º 1, do C. Penal, de que vinha acusado.

2. O tribunal a quo considerou, para o efeito, que há lugar apenas à punição do arguido pelo crime de falsificação de notação técnica o qual surge como crime fim, ficando, então, afastada, por via da subsidiariedade, a punição do crime de uso de documento de identificação alheio como crime meio, pelo que a punição, nestes casos, em concurso efectivo redundaria numa dupla punição do mesmo facto.

3. A nossa discordância relativamente à sentença recorrida diz respeito ao concurso de crimes, por entendermos que o arguido deve ser condenado pela prática, em concurso efectivo, dos crimes de falsificação de notação técnica e uso de documento de identificação alheio, p. e p. pelo artigo 258.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, do C. Penal, e artigo 261.º, n.º 1, ambos do C. Penal.

4. A determinação da existência de uma unidade ou pluralidade criminal de infracções na conduta de um agente será determinada em função do número de valorações que no mundo jurídico-criminal correspondem a uma certa actividade, ou seja, aplicando critério jurídico e não naturalístico.

5. Entendemos que o legislador penal, com a revisão introduzida ao Código Penal através da Lei 59/2007, de 4 de Setembro, pretendeu punir o uso de documento alheio de forma mais abrangente ao introduzir a expressão “com intenção de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime”.

6. Com a punição do uso de documento de identificação alheio protege-se o bem jurídico da segurança e credibilidade no tráfico jurídico-probatório.

7. Enquanto que, com a punição do crime de falsificação de notação técnica, tutela-se o interesse da segurança e credibilidade da informação fornecida exclusivamente por aparelhos técnicos prosseguido pelo Estado.

8. O crime de uso de documento de identificação alheio só é punível com o uso efectivo de um documento de identificação alheio.

9. Propugnamos que o legislador penal quis punir, de forma autónoma, duas condutas em separado e de forma autónoma: uma com o uso desse documento de identificação alheio e outra com a falsificação da notação técnica por constarem dados falsos que não correspondem à verdade juridicamente relevante.

10. In casu, não se verifica qualquer relação de subsidiariedade entre o crime de uso de documento de identificação alheio e o crime de falsificação da notação técnica.

11. O sentido de ilicitude na conduta do arguido praticada, tendo em conta a factualidade dada como provada, insere-se num quadro de uma duplicidade de ilicitude, uma vez que, por um lado, usou o documento de identificação, o cartão tacográfico, que não lhe pertencia, e, por outro lado, a notação técnica emitida encontra-se revestida de falsidade por conter dados jurídicos que não correspondem à verdade, nomeadamente os dados registados quanto à identificação do condutor do veículo em causa.

12. O legislador quis punir estes dois ilícitos de forma autónoma por se verificar aqui uma duplicidade de ilicitude nesta conduta complexa perpetrada pelo arguido, atendendo, desde logo, à relevância jurídico-penal do documento de identificação alheio.

13. O documento de identificação ou de viagem é um conceito penal com assaz relevância, definindo-o o artigo 255.º, al. c), e, nesta medida, o simples uso deste documento por pessoa diferente do seu titular constitui já um ilícito penal. O crime de falsificação de notação técnica é punido já por outra razão de política criminal, tendo em conta o bem jurídico subjacente a essa punição.

14. Assim sendo, pelo supra exposto, e salvo o devido respeito por diferente entendimento, entendemos que o arguido deve ser punido pelo crime de uso de documento de identificação alheio para além do crime de falsificação de notação técnica, por se verificar uma relação de concurso efectivo entre eles, numa pena única determinada ao abrigo do artigo 77.º, do C. Penal. **** O arguido não respondeu ao recurso.

**** O recurso foi, em 3/12/2010, admitido.

Nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, em 21/12/2010, no qual defendeu que o recurso merece provimento, acompanhando integralmente o alegado em 1ª instância.

Cumpriu-se o artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não tendo o arguido exercido o seu direito de resposta.

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, teve lugar conferência, cumprindo apreciar e decidir.

**** II. Decisão Recorrida (com relevo para o recurso): “(…) II – FUNDAMENTAÇÃO: II.1 – FACTOS PROVADOS: 1. No dia … de 2009, pelas 22.45h, na área de serviço de …, na auto-estrada n.º … sentido Viseu-Guarda, área desta comarca, o arguido conduzia o veículo pesado de mercadorias formado pelo tractor coma a matrícula …, pertencente à empresa “ ….” e pelo semi-reboque de matrícula …, pertencente à empresa “…”, quando foi mandado parar e fiscalizado numa operação levada a cabo pelo Destacamento de Trânsito da GNR.

  1. Nessa altura, os agentes da BNR-DT efectuaram a impressão do registo da actividade diária efectuada através do aparelho digital de controlo – tacógrafo -, com o objectivo de verificarem os períodos de condução.

  2. Aí, constatou-se que a folha do tacógrafo efectuava o registo em nome de FN... e não do arguido.

  3. No dia 2/10/2009, às 06h50,, em lugar não concretamente apurado, o arguido introduziu no aparelho tacógrafo digital do veículo … o cartão tacográfico n.º …, pertencente a FN..., titular da carta de condução n. … .

  4. Assim, os dados registados no aparelho tacográfico digital, onde ficam anotadas as indicações referentes à velocidade de circulação do veículo e ao tempo de duração da viagem, informavam que aquele estava a ser conduzido por FN... e não pelo arguido, como efectivamente acontecia.

  5. Entre os dias 2 e 4 de Outubro de 2009...

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