Acórdão nº 68/08.1GAMGR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Abril de 2011
Magistrado Responsável | BELMIRO ANDRADE |
Data da Resolução | 06 de Abril de 2011 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra: I.
Depois de realizada a audiência de discussão e julgamento, com exercício pleno do contraditório, foi proferida decisão na qual o Tribunal Colectivo decidiu, a final: a) Condenar o arguido IC…, melhor identificado nos autos, como autor material de um crime de homicídio simples, na forma tentada, p e p pelos artigos 131º, 22º e 23º, todos do C. Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeitando o arguido, durante tal período, ao acompanhamento do regime de prova, cujo plano assentará num plano de reinserção social a definir pelo IRS, num período de 30 dias após o transito da decisão, ouvido o arguido, de acordo com o expresso nos artigos 50º, n.ºs 1 e 5, 53º, n.º2 e 3, 54º do C. Penal e 494º, n.º3, do C.P.P.; b) Absolver o arguido da prática de dois crimes de ameaça agravada p e o pelo art. 153º n.º1 e 155º n.º1 a) do C. Penal por que vinha acusado; c) Absolver o arguido de um crime de dano p e p pelo art. 21º, nº1 do C. Penal, pelo qual vinha acusado; d) Julgar parcialmente o pedido de indemnização civil deduzido nos autos por PC…, condenando-se o arguido a pagar-lhe a quantia de € 111,80 (cento e onze euros e oitenta cêntimos) a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais e a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, absolvendo-se o arguido do mais peticionado; e) Declarar perdida a favor do Estado, nos termos do art. 109º do C. Penal a faca aprendida a fls. 8.
* Não se conformando com tal decisão, dela recorre o MºPº, formulando, na respectiva motivação, as seguintes CONCLUSÕES: 1. Os factos provados, mormente a circunstância de a vítima ser cônjuge do arguido e as agressões terem ocorrido na presença das duas filhas de ambos, revelam uma especial censurabilidade da conduta do arguido, justificando, no caso dos autos, um juízo acrescido de culpa, com a consequente qualificação do crime de homicídio na forma tentada, nos termos do disposto nos artigos 22º, 23º, 131º e 132º, n.º1 e n.º2 al. b) do C. Penal; 2. Ao convolar o crime de homicídio qualificado para o crime de homicídio simples, o tribunal interpretou incorrectamente tais disposições incriminadoras, devendo o arguido ser condenado pelo crime previsto no art. 132º nºs 1 e 2 alínea b) pelo qual vinha acusado; 3. Da matéria fáctica apurada resulta, também, que o arguido cometeu o crime de ameaça agravado, porquanto, as expressões verbalizadas pelo mesmo em matar o ofendido BL... e, quando este já se encontrava refugiado em casa, traduzem uma intenção de causar um mal futuro que não iminente, caso contrário, a conduta do arguido teria de ser enquadrada na tentativa de um crime de homicídio na pessoa do ofendido BL... o que não corresponde à realidade volitiva do arguido; 4. Tendo-se provado que o arguido provocou danos na porta de entrada da residência dos ofendidos, é irrelevante saber a que título o prédio era por estes habitado, nomeadamente, se o mesmo era propriedade destes, pois, a legitimidade para o exercício do direito de queixa no crime de dano pertence também e, desde logo, a quem frui o bem ou exerce a mera posse, como é o caso dos autos; 5. Pelo crime de homicídio na forma tentada em que o tribunal condenou o arguido deveria ter sido aplicada uma pena não inferior a cinco anos de prisão, ou se inferior, não suspensa na sua execução, atenta a gravidade deste ilícito e as exigências quer de prevenção geral, quer de punição mínima que a ordem jurídica e a comunidade reclama nestes casos e que o Estado deve assegurar; 6. O acórdão recorrido não aplicou, pois, correctamente, o direito à matéria de facto provada, infringindo, por erro de interpretação, as normas dos artigos 132º nºs 1 e 2 alínea b), 153°, 155° nº l, al. a), 212°, nº l, 113° nº 1, 71º e 50º n.º1, todos do C. Penal; 7. Deve, assim revogar-se o acórdão recorrido substituindo-o por outro que condene o arguido pelos crimes de que vinha acusado e numa pena nunca inferior a cinco anos de prisão, ou, se inferior, não suspensa na sua execução.
* Respondeu o arguido louvando-se na argumentação da decisão recorrida, desenvolvendo-a, concluindo no sentido de que o recurso não deve ser provido.
No visto a que se reporta o art. 416º do CPP a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no qual sufraga a motivação do recurso, salvo na parte relativa ao crime de ameaça, em relação ao qual sustenta que, não tendo existido ameaça com um mal futuro e não resultando provado que tenha condicionado a liberdade de determinação do ofendido, deve ser mantida a decisão recorrida.
Foi cumprido o disposto no art. 417º, n.º2 do CPP.
Corridos os vistos foi realizado o julgamento, em conferência, com observância do formalismo legal.
Não se verifica a existência de nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
Cumpre decidir.
*** II.
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Tendo em vista as conclusões, que delimitam o objecto do recurso, estão em causa, no presente recurso, apenas questões de direito, a saber: Qualificação do crime de homicídio; Verificação dos pressupostos do crime de ameaça; Legitimidade / crime de dano; Pena / suspensão.
Para proceder à apreciação, vejamos a matéria de facto provada.
* 2. A MATÉRIA DE FACTO PROVADA (não impugnada) é a seguinte: 1. No dia …, o arguido, com o propósito de ver as filhas dirigiu-se, cerca das 20h.30m., à Rua …, residência de BL... e de PC..., mulher do arguido.
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Ao avistá-la de mão dada com o companheiro BL..., que trazia uma das filhas ao colo, encaminhou-se na sua direcção.
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E à sua aproximação, agarrou-lhe um braço.
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Imobilizou-a.
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Empunhou uma faca, tipo navalha, de uso doméstica, articulada, com cabo em madeira, lâmina em bico, de um só gume, com 3 cm de largura máxima e 9 cm de comprimento, que trazia no bolso e desferiu-lhe duas facadas ao nível do pulso e da palma da mão esquerda, uma facada na face anterior esquerda do pescoço e uma facada na região sub-clavicular esquerda.
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Com o que a quis matar.
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Pois bem sabia tratarem-se de zonas vitais.
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Por aí se alojarem órgãos essenciais à vida.
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Só não o conseguiu, por, com os gritos da PC... ter surgido PX....
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Que lhe implorou para largar a mulher.
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A qual, de seguida, logrou encaminhar-se para um estabelecimento comercial, onde foi desencadeado processo de auxilio.
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Tendo sido prontamente conduzida para as urgências do Hospital de ... em ....
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E aí ter sido submetida, de imediato a procedimentos médicos de urgência, nomeadamente com administração de uma unidade de sangue, drenagem toráxica e controlo de hemorragia interna (hemotórax).
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Com a descrita conduta causou, ainda na PC... ferida ao nível da região supra-clavicular esquerda (ferida penetrante toractica) com 4 cm de comprimento, com hemotórax ligeiro e feridas do pescoço e da mão esquerda, bem como cicatriz da face esquerda do pescoço com 1 cm de comprimento, cicatriz com 3 cm de comprimento do hemitorax esquerdo superior, cicatriz da axila esquerda com 1 cm de diâmetro e cicatriz da face palmar da mão esquerda com 1,5 cm de comprimento, que foram causa directa e necessária de 12 dias de doença, 10 dos quais com afectação da capacidade para o trabalho em geral e profissional.
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Na altura, após ter desferido a primeira facada na Pc..., dirigiu-se a BL..., apontou-lhe a faca e disse-lhe "a seguir és tu, também te mato" 16. O que fez com foros de seriedade.
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Perturbando-lhe dessa forma, a quietude de espírito, o seu sossego e tranquilidade.
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Fazendo-o recear que pudesse vir a concretizar o aludido propósito de atentar contra a sua vida.
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Na ocasião já a filha mais velha do arguido chorava.
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Razão pela qual o BL... correu na direcção da residência de ambos.
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Levando consigo as duas filhas da Pc....
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Logrando dessa forma refugiar-se.
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Ainda assim, após ter largado a PC..., o arguido foi no encalço de BL....
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E junto da residência gritou dizendo que matava o BL....
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O que mais uma vez fez com foros de seriedade.
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Perturbando-lhe, dessa forma, a quietude de espírito, o seu sossego e tranquilidade.
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Fazendo-o recear que pudesse vir a concretizar o aludido propósito de atentar contra a sua vida.
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Ao mesmo tempo desferiu facadas e pontapés na porta de entrada da residência.
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Com O que a inutilizou parcialmente.
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E provocou prejuízos não concretamente apurados.
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Bem sabendo que as suas condutas eram proibidas.
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A demandante foi internada no Hospital de ... em ... no dia …, onde permaneceu durante 5 dias, tendo alta no dia … .
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A demandante precisou fazer pensos diariamente no Centro de Saúde, situação que terminou com o retirar dos pontos no dia 19.05.08, obtendo nesse mesmo dia a alta do sector de enfermagem.
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Da guia de tratamento da ofendida constam os seguintes tratamentos: mobilização articular manual, parafinoterapia, outras técnicas de terapia ocupacional, treino de destreza manual, reeducação da sensibilidade, treino de actividades de vida O, fortalecimento muscular manual.
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