Acórdão nº 394/08.0PIPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 06 de Abril de 2011
Magistrado Responsável | ÉLIA SÃO PEDRO |
Data da Resolução | 06 de Abril de 2011 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Recurso Penal 394/08.0PIPRT.P1 Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto 1. Relatório Na 2ª Secção do 1º Juízo Criminal do Porto, foi julgado em processo comum e perante Tribunal Singular, o arguido B…, devidamente identificado nos autos, tendo final sido proferida decisão que o condenou como autor material de um crime de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1 al. a) e n.º 2 com referência ao art. 132.º, n.º 2, als. e) e h), todos do Código Penal/07, (na versão em vigor à data da pratica dos factos), na pena de 16 meses de prisão efectiva.
Inconformado com a sentença condenatória, o arguido recorreu para esta Relação, formulando as seguintes conclusões (transcrição): 1. Encontra-se errada e incorrectamente julgada a matéria de facto considerada como provada nos números 1, 2, 3 e 5 dos factos provados, os quais deveriam ter sido, ao invés, dados como não provados, nos termos e pelos fundamentos expostos supra e que aqui se dão ora por reproduzidos por razões de economia processual.
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Efectivamente, foi considerado como provado que: “1. A hora não concretamente não determinada do inicio da madrugada do dia 19 de Março de 2008, mas sempre antes das 2h00, na R. …, próximo do café “C…”, o arguido, que ali se encontrava, ao ver passar o ofendido D…, pessoa com 60 anos de idade e com dificuldades visuais, que se dirigia para o referido café, sem qualquer motivo ou qualquer outro propósito que não o gozo pessoal, desferiu pelas costas do ofendido, com uma navalha de marca “…”, com 21,5cm de comprimento total, sendo 9,5cm correspondentes à lamina, um golpe de cima para baixo nas costas do ofendido.
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Em consequência directa e necessária da conduta do arguido, o ofendido sofreu uma ferida sangrenta superficial na grelha costal posterior direita, lesão esta que determinou para a respectiva cura 5 dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho.
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A lesão sofrida só não foi de maior gravidade por o ofendido vestir, no momento, um “kispo”, uma camisola, uma camisa e ainda junto ao corpo um pijama, roupas estas que ficaram, no local atingido, rasgadas/cortadas e ainda, por aquele ter pressentido a aproximação do arguido pelas suas costas e ter, em consequência e instintivamente acelerado o passo e empinado o corpo para a frente, o que evitou a ocorrência de um ferimento mais profundo.
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O arguido havia ingerido bebidas alcoólicas em quantidade não concretamente apurada.
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Não obstante, o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito concretizado de molestar o ofendido no respectivo corpo e saúde, movido por mero prazer pessoal e a descoberto de qualquer motivo e fazendo uso de um objecto cortante que sabia ser idóneo a provocar as lesões efectivamente sofridas pelo ofendido, bem como apto inclusive a colocar em risco a vida ou a provocar lesões graves, bem sabendo ainda a sua conduta proibida e punida por lei.
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Tal matéria encontra-se erradamente julgada, porquanto da prova directa produzida em audiência de julgamento, não resultam aqueles factos como provados e da prova indirecta tal não se pode intuir.
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De facto das declarações do arguido podemos concluir que o mesmo se encontrava alcoolizado não sendo sua intenção ofender quer o corpo quer a saúde do Ofendido; Ao min. 08.58 Arguido – “Eu trazia uma navalha comigo por acaso no bolso. Eu fiz isso mas não foi para ferir o Senhor, passei-lhe só assim de raspão, não foi espetar, nem fazer força, nem nada. Só passei mesmo de raspão.” Ao min. 12.20 Arguido – “Estava alcoolizado, não estava...se estivesse normal não fazia isso.” Juiz – “Estava alcoolizado?” Arguido – “Sim, fazia anos. Não sabia o que estava a fazer, estava bêbado.” Ao min. 18.32 Juiz – “O Senhor costuma beber muitas vezes Senhor B…?” Arguido – “Costumo.” Ao min. 19.16 Juiz – “E estupefacientes é consumidor?” Arguido – “Haxixe.” Juiz – “Também regularmente?” Arguido – “Sim.” Ao min. 19.52 Juiz – “O Senhor Costuma Ficar descontrolado quando bebe bebidas alcoólicas, é isso?” Arguido – “É.” 5. Ora resulta claramente das declarações do Arguido que este se encontrava alcoolizado, alias é frequente este estar alcoolizado sendo que é, também, consumidor regular de estupefacientes.
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Como pode então o arguido ser condenado pelo crime de ofensa á integridade física qualificada neste caso quando o comportamento do arguido nesse dia não foi dominado por si mas sim pelo álcool? 7. A resposta é que não pode uma vez que o arguido estava alcoolizado, este não tinha sequer intenção de molestar o ofendido e tal não foi feito conscientemente antes sim sob o efeito do álcool.
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Devia assim ter sido o arguido absolvido da prática do crime de ofensa à integridade física qualificada.
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Mas mesmo que assim não se entenda não deveria o Tribunal a quo ter condenado o arguido por ofensa à integridade física qualificada, senão vejamos: 10. O arguido nunca teve qualquer condenação pelo crime que agora se lhe imputa.
SEM PRESCINDIR: MATÉRIA DE DIREITO 11. Sendo que o crime de ofensa à integridade física qualificada é punido com pena de prisão até quatro anos considerou o Tribunal a quo, no caso em apreço, como agravante a previstas nas alíneas e) e h) do n.º 2 do artigo 132º do CP, qual seja “praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas ou utilizar meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de um crime de perigo comum” e ainda “determinado por avidez, pelo prazer de matar ou causar sofrimento, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil;” 12. Quanto à primeira parte da alínea e), dúvidas não há de que não se aplica ao caso concreto restando assim, a última parte da referida alínea ou seja “determinado....por qualquer motivo torpe ou fútil;” 13. Diz-nos, então, a Jurisprudência que motivo fútil é aquele que se apresenta como razão subjectiva desproporcionada com a gravidade da infracção penal.
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Ora o arguido utilizou uma navalha cujo comprimento de lâmina não chega sequer aos 10cm, tendo provocado uma ferida superficial na grelha costal do ofendido e após este lhe ter dirigido algumas palavras que o arguido já não recorda quer pelo tempo que entretanto decorreu, quer porque no momento dos factos (o dia do seu aniversário) se encontrava já alcoolizado.
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Parece claro não haver aqui especial censurabilidade ou perversidade mas sim um jovem alcoolizado, no dia do seu aniversário, que se excedeu na forma como reagiu a um comentário feito pelo ofendido.
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O motivo é fútil quando é notório ou notavelmente desproporcionado ou inadequado para ser sequer um começo de explicação da conduta, do ponto de vista do homem médio.
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Ora não foi apurado o motivo pelo qual o arguido terá agredido o ofendido já que o arguido refere que o ofendido lhe terá dito algo que já não se recordar uma vez que se encontrava alcoolizado na altura dos factos, logo não pode verificar-se este elemento agravativo da conduta do arguido neste caso concreto.
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Não poderia assim o Tribunal a quo ter dado como provado qual o motivo da agressão já que a convicção do tribunal quanto aos factos dados como provados ancorou-se nas declarações do ofendido, fazendo tábua rasa do depoimento do arguido.
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Quanto à primeira parte da alínea h), dúvidas não há de que não pode operar.
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Quanto ao “meio particularmente perigoso”, veja-se o entendimento do STJ no seguinte acórdão de 10/03/2005 - SANTOS CARVALHO, disponível online: “MEIO PARTICULARMENTE PERIGOSO - O Prof. Figueiredo Dias discorreu assim: «(...) Utilizar meio particularmente perigoso é ..servir-se para matar, de um instrumento, de um método ou de um processo que dificultem significativamente a defesa da vítima e que (não se traduzindo na prática de um crime de perigo comum) criem ou sejam susceptíveis de criar perigo de lesão de outros bens jurídicos importantes. (...) deve sobretudo ponderar-se que a generalidade dos meios usados para matar são perigosos e mesmo muito perigosos. Exigindo a lei que eles sejam particularmente perigosos, há que concluir duas coisas: ser desde logo necessário que o meio utilizado revele uma perigosidade superior à normal nos meios usados para matar (não cabem seguramente no exemplo - padrão e na sua estrutura valorativa revólveres, pistolas, facas ou vulgares instrumentos contundentes); em segundo lugar, ser indispensável determinar, com particular exigência e severidade, se da natureza do meio utilizado - e não de quaisquer outras circunstâncias acompanhantes - resulta já uma especial censurabilidade ou perversidade do agente. Sob pena, de outra forma - aqui, sim! -, de se poder subverter o inteiro método de qualificação legal e de se incorrer no erro político – criminal grosseiro de arvorar o homicídio qualificado em forma - regra do homicídio doloso».
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Ou seja a utilização de uma navalha não cabe de per si nesta agravante sob pena de todos os homicídios cometidos com uso de arma, facas ou vulgares instrumentos contundentes serem qualificados.
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Logo nunca a qualificativa da alínea h) do n.º 2 do artigo 132º do C.P poderia operar.
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Estaríamos assim perante um crime de ofensas à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º n.º 1 do C.P cuja moldura penal é de 1 mês a 3 anos de prisão ou pena de multa.
DA NÃO SUSPENSAÇÃO DA PENA 24. Não se compreende que face às exigências do artigo 50.º do C. Penal, o arguido não tenha visto a execução da pena de prisão em que foi condenado, suspensa, até porque, a pena é exagerada.
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Basta atentar à gravação da audiência de discussão e julgamento, para nos apercebermos da índole do arguido, em que nem sequer a sua idade sabia, tendo sido o colectivo de juízes a auxiliar o arguido a tentar chegar à sua idade.
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O arguido necessita de tratamento e não, salvo o devido respeito por opinião diversa, e não da prisão, pelo que, fará todo o sentido que dando cumprimento ao artigo 50.º do Código Penal seja a pena em que o arguido venha a...
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