Acórdão nº 443/08.1TAILH.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 30 de Março de 2011

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução30 de Março de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório No âmbito do processo nº 443/08.1TAILH que corre termos na Comarca do Baixo Vouga, Aveiro – Juízo de Instrução Criminal – Juiz 2, findo o inquérito, o Ministério Público, em 26/5/2010, proferiu despacho ordenando o seu arquivamento, nos termos do artigo 277.º, n.º 2, do CPP, sem prejuízo de posterior reabertura, ao abrigo do artigo 279.º, n.º 1, do mesmo diploma.

SP...

, ofendida nos autos, não se conformando com tal despacho de arquivamento, requereu, em 22/6/2010, a sua constituição como assistente e, consequentemente, nos termos do artigo 287.º, do CPP, a abertura de instrução, imputando ao denunciado JP... a autoria de um crime de burla, p. e p. pelo artigo 217º, n.º 1, do Código Penal.

A requerente, em 4/10/2010, foi admitida a intervir nos autos na qualidade de assistente.

A Meritíssima Juiz de Instrução, em 27/10/2010, proferiu despacho em que declarou nulo o requerimento para abertura de instrução apresentado pela assistente e, em consequência, liminarmente, ordenou a sua rejeição.

Tal despacho tem o seguinte teor: “A assistente SP..., melhor id. nos autos, requereu a abertura de instrução, ao abrigo do disposto no artigo 287.º, n.º 1, al. b), do CPP, visando obter a pronúncia de JP... pela comissão de um crime de burla.

Como é consabido e decorre, aliás, do artigo 287.º, n.º 2, do CPP, o requerimento para abertura de instrução, apresentado pelo assistente em caso de arquivamento pelo Ministério Público, deve equivaler, em tudo, a uma acusação, condicionando e delimitando a actividade de investigação do juiz de instrução e, consequentemente, o objecto da decisão instrutória – Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, Tomo III, págs. 125 e seguintes e 139 e segs. -, nos exactos termos em que a acusação formal, seja pública, seja particular, o faz.

E assim é de tal modo que na instrução apenas poderão ser considerados os factos descritos no requerimento para a sua abertura (ressalvada a hipótese a que se refere o artigo 303.º, do CPP, de alteração não substancial dos factos descritos nesse requerimento), sob pena de nulidade da decisão instrutória, como resulta claramente do disposto no artigo 309.º, n.º 1, do CPP.

Daí que, não constando do mesmo uma descrição clara e ordenada de todos os factos necessários à integração de todos os pressupostos legais de algum crime se torne inviável a realização desta fase processual por falta de delimitação do seu objecto, sendo manifesto que ninguém poderá vir a ser pronunciado com base apenas em alegações genéricas, inconclusivas ou omissas de factos susceptíveis de fazer integrar, na totalidade, os elementos objectivos e subjectivos do crime pelo qual se pretende essa pronúncia.

E, devendo o despacho de pronúncia quedar-se pela apreciação do conteúdo do requerimento de abertura de instrução, torna-se óbvio que as omissões deste podem comprometer irremediavelmente a pronúncia dos arguidos, não fazendo qualquer “sentido proceder-se a uma instrução visando levar o arguido a julgamento sabendo-se, antecipadamente, que a decisão instrutória não poderá ser proferida nesse sentido” – cfr. Ac. do STJ, de 22/10/2003, que pode ler-se na íntegra em www.dgsi.pt.

Esta estrita vinculação temática do Tribunal de Instrução aos factos alegados no requerimento para abertura de instrução, enquanto limitação da actividade instrutória, relaciona-se, assim, com a natureza judicial desta fase processual, sendo uma consequência do princípio da estrutura acusatória do processo penal e constituindo uma garantia de defesa consagrada no artigo 32.º, n.º 5, da CRP.

Acresce a isto, por outro lado, que as eventuais deficiências do requerimento não podem ser supridas por iniciativa do Tribunal, designadamente mediante decisão que convidasse o assistente para o efeito.

A admitir-se entendimento diverso, “(…) estar-se-ia a transferir para o juiz o exercício da acção penal, contra todos os princípios constitucionais e legais em vigor e a transformar a natureza da instrução que passaria de contraditória a inquisitória” – cfr. Ac. da Relação de Lisboa, de 25/6/2002, CJ, III, 143.

Em boa verdade, uma decisão nesse sentido – consubstanciando o exercício, pelo juiz de instrução, de uma faculdade inquisitória e de exercício de acção penal que, no actual quadro legal, não lhe assiste – contrariaria o princípio da estrutura acusatória do processo penal consagrada no referido artigo 32.º, n.º 5, da CRP.

Quanto a este ponto em particular, é pertinente chamar à colação o que expendêramos Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira, na CRP Anotada, 3ª ed., pág. 206: a estrutura acusatória do processo penal implica, além do mais, a proibição de acumulações orgânicas a montante do processo, ou seja, que o juiz de instrução seja também o órgão de acusação. De onde resulta que o juiz de instrução não pode intrometer-se na delimitação do objecto do processo – fixado pela acusação ou pelo RAI do assistente – no sentido de alterar ou completar, directamente ou por convite ao aperfeiçoamento feito ao assistente requerente da abertura da instrução.

Anote-se, ainda neste âmbito, que a inadmissibilidade de renovação do requerimento para abertura de instrução não implica uma limitação desproporcionada do direito do assistente a deduzir acusação através desse requerimento – como referido no Acórdão do TC de 30/1/2001 – Publicado no DR-IIS, de 23/3/2001 (acerca da não equiparação do estatuto de assistente ao do arguido, cfr., também, Acórdão do mesmo Tribunal, de 31/10/2003, publicado no DR-IIS, de 17/12/2003, a pág. 18.455) -, “(…) na medida em que tal facto lhe é exclusivamente imputável, para além de constituir – na sua possível concretização – uma considerável afectação das garantias de defesa do arguido”.

Ainda segundo este aresto. “(…) do ponto de vista da relevância constitucional merece maior tutela a garantia de efectivação do direito de defesa (na medida em que protege o indivíduo contra possíveis abusos do poder de punir), do que garantias decorrentes da posição processual do assistente em casos de não pronúncia do arguido, isto é, em que o Ministério Público não descobriu indícios suficientes para fundar uma acusação e, por isso, decidiu arquivar o inquérito”.

Esclarecendo, definitivamente, as divergências jurisprudenciais que se vinham verificando a este respeito – No sentido de que a apontada deficiência do requerimento para abertura de instrução consubstanciaria mera irregularidade processual cuja reparação poderia ser oficiosamente ordenada, nos termos do artigo 123.º, n.º 2, do CPP, cfr., i.a., Acórdãos da Relação de Lisboa, de 12/7/1995, CJ, IV, 140, e de 20/6/2000, CJ, III, 153; da Relação de Coimbra, de 17/11/1993, CJ, V, 59; da Relação do Porto, de 5/5/1993, CJ, III, 243, de 28/2/2001 e de 7/2/2001 – podendo ler-se os sumários dos dois últimos em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf; da Relação do Porto, de 21/11/2001, CL, V, 225; da Relação de Lisboa, de 21/3/2001, CJ, II, 131; da Relação de Coimbra, de 13/11/2002 – podendo ler-se o respectivo sumário em www.trc.pt. No sentido de que não é admissível o convite ao aperfeiçoamento do requerimento do assistente, cfr., i.a., Acórdãos do STJ, de 13/11/2002 e de 22/10/2003 (neste último se referindo “(…) uma tendência na jurisprudência deste Supremo Tribunal no sentido de não haver lugar, nos casos de requerimento do assistente para abertura de instrução, a convite para suprir as deficiências do requerimento”), ambos podendo ler-se na íntegra em www.dgsi.pt; Acórdão da Relação de Coimbra, de 23/2/2005, CJ, I, 48; Acórdão da Relação de Guimarães, de 14/2/2005, CJ, I, 229; Acórdão da Relação de Coimbra, de 31/10/2001, podendo ver-se o respectivo sumário em www.trc.pt/index1.htlm; Acórdãos da Relação de Lisboa, de 3/2/2005, CJ, I, 139, de 9/2/2000, CJ, I, 153, de 3/10/2001 e de 31/1/2001, cujos sumários podem ler-se em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf; cfr., também, Acórdãos da Relação do Porto, de 23/5/2001, CJ, III, 239; da Relação de Lisboa, de 11/10/2001, CJ, IV, 141, de 11/4/2002, CJ, II, 147, e de 14/1/2003, CJ, I, 124; também da relação de Lisboa, de 15/5/2003, 19/3/2003, 11/12/2002, 17/12/2002, 19/12/2002 e de 13/3/2003, cujos sumários podem ler-se em http://www.pgdlisboa.pt (jurisprudência sumários – área criminal), o último também publicado in CJ, II, 124 a 126, - veio o STJ fixar jurisprudência, por Acórdão de 12/5/2005 /Acórdão do STJ n.º 7/2005, publicado no DR – I S – A, de 4/11/2005) nos termos seguintes: “Não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento para abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287.º, n.º 2, do CPP, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido”.

Já no que concerne às consequências da inobservância do preceituado no artigo 287.º, n.º 2, do CPP, importa desde logo atender que este mesmo normativo remete para a aplicação do disposto no artigo 283.º, n.º 3, als. b) e c), do mesmo diploma legal.

Pelo que, além de inviabilizar, objectivamente, a possibilidade de realização da instrução (artigo 309.º, do CPP), a deficiência de conteúdo (e não de mera forma) do requerimento – por não conter a narração de factos que fundamentem a aplicação a um concreto arguido de uma pena ou medida de segurança, como o impõe o citado artigo 283.º, n.º 3, als. a) e b), do CPP -, implica a sua nulidade, tornando assim legalmente inadmissível a abertura da instrução e obrigando, consequentemente, à rejeição daquele nos termos do artigo 287.º, n.º 3, do CPP, onde se dispõe que “o requerimento (para abertura de instrução) só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução”.

Dito isto e tendo em mente o teor do RAI deduzido pela ora assistente, logo se vislumbra que o mesmo terá de ser totalmente rejeitado.

Tudo porque, como bem se vê, não obedece ao que se estatui no artigo 287.º, n.º 2, do CPP, sendo manifesto que, contrariamente ao exigido no artigo 283.º, n.º 3...

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