Acórdão nº 748/07.9TAMCN.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 23 de Março de 2011

Magistrado ResponsávelÁLVARO MELO
Data da Resolução23 de Março de 2011
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Procº nº 748/07.9TAMCN.P1 Acordam, em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto 1. No processo comum (Tribunal Singular) acima identificado, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Marco de Canavezes, os arguidos: - B…, LDª; - C…; e, - D…, foram submetidos a julgamento e na sequência do mesmo, foi proferida sentença na qual foi decidido: «A.

Condenar o arguido C…, como autor material e na forma consumada, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social continuado, previsto e punido, pelas disposições conjugadas dos artigos 105.°, n.° 1 e 107.°, n.° 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de 14 (catorze) meses de prisão.

Nos termos do artigo 50.°, n.° 1 do Código Penal e 14.° do Regime Geral das Infracções Tributárias suspender a pena de prisão pelo período de 14 (catorze) meses, condicionada ao pagamento, no prazo de 5 (cinco) anos, da quantia de € 109.726,52 (cento e nove mil setecentos e vinte e seis euros e cinquenta e dois cêntimos).

Condenar o arguido D…, como autor material e na forma consumada, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social continuado, previsto e punido, pelas disposições conjugadas dos artigos 105.°, n.° 1 e 107.°, n.° 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa à taxa diária de € 6 (seis euros), o que perfaz um total de € 1500 (mil e quinhentos euros) Condenar a sociedade arguida na pena de 300 (trezentos) dias de multa à taxa diária de € 10,00, o que perfaz um total de € 3.000,00 (três mil euros), ao abrigo do disposto no artigo 7.° do Regime Geral das Infracções Tributária.

(...) B. Quanto à parte cível, foi decidido julgar o pedido de indemnização cível deduzido pela demandante/assistente “Instituto da Segurança Social, I.P” procedente e, em consequência, decidiu-se: «Condenar os demandados “B…, Lda.”, C… e D… no pagamento da quantia de € 135.534,98 (cento e trinta e cinco mil quinhentos e trinta e quatro euros e noventa e oito cêntimos), acrescidos de juros moratórios nos termos previstos nos artigos 16.° do Decreto-Lei n.° 411/91, de 17.10 e 3º do Decreto-lei n.° 73/99, de 16.03, os quais ascendem até à data da apresentação do pedido de indemnização ao montante total € 83.918,05 (oitenta e três mil novecentos e dezoito euros e cinco cêntimos), e ainda juros vincendos sobre o capital em dívida até efectivo e integral pagamento.» Inconformado com o que quanto a ele foi decidido, recorreu o arguido C…, apresentando a respectiva motivação a qual no final sintetiza nas conclusões que se transcrevem integralmente: «01- O presente recurso tem como referência imediata a sentença proferida pelo Senhor Juiz titular do 1° juízo do Tribunal Judicial de Marco de Canavezes que aplicou ao recorrente a pena de 14 meses de prisão, pela prática de um crimes de abuso de confiança fiscal contra a Segurança Social p. e p. pelo art° 107° do RGIT. A pena de prisão foi suspensa na sua execução por igual período com, na condição do arguido pagar à Segurança Social, a quantia de 109.726,52 €.

02- A conduta do recorrente mostra-se despenalizada/ descriminalizada face ao disposto no art. 107 do RGIT, conjugado com a nova redacção do n° 1 do art. 105 do RGIT, introduzida pela Lei n° 64-A12008, de 31/12.

03- Esta questão prévia suscita-se precisamente porque o montante mensal deduzido e comunicado, mas não entregue à Segurança Social, que era devido a título de contribuições (descontadas mensalmente nas remunerações dos trabalhadores da sociedade arguida) nos períodos da acusação, é de valor não superior a € 7.500,00.

04- Ora, através dos arts. 113° a 115° da Lei n° 64-A/2008, de 31/12, foram introduzidas alterações ao RGIT, estabelecendo agora o n° 1 do art. 105º: ”Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a € 7500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.” 05- A questão é saber se tal limite mínimo é também aplicável ao crime de abuso de confiança em relação à segurança social, previsto no art. 107° do mesmo diploma, uma vez que na parte final do n° 1 remete-se para o art° 105º.

06- A tal propósito a Relação do Porto, em 27/5/2009, proferiu um acórdão (consultável em www.dgsi.pt) que refere: “Também importa ter presente que a interpretação de qualquer tipo legal não se esgota apenas no argumento literal, entendido este no seu sentido mais restrito, quando o mesmo, ainda assim, é lacunoso e deficiente (mesmo antes da alteração introduzida pela Lei n° 64-A/2008, de 31/12, só recorrendo ao critério do valor - apesar de não haver qualquer referência expressa ao mesmo no art. 107 n° 1 do RGIT - é que o julgador poderia aplicar uma ou outra moldura abstracta prevista nos n°s 1 e 5 do art. 105 do mesmo diploma legal). Para se perceber melhor as dúvidas que se suscitam recorde-se Isabel Marques da Silva, quando salienta que, as duas especificidades que caracterizam o crime de abuso de confiança contra a segurança social (art. 107 do RGIT) em relação ao crime de abuso de confiança (art. 105 do RGIT) prendem-se, por um lado, com a sua natureza enquanto “crime próprio ou especifico de entidades empregadoras” e, por outro lado, com o facto de ter por “objecto necessário as contribuições à segurança social deduzidas do valor das remunerações dos trabalhadores ou dos membros dos órgãos sociais, excluindo todas as demais (designadamente as da responsabilidade da própria entidade empregadora).” 07- A interpretação sistemática e teleológica do art. 107º n° 1 do RGIT, origina que se a contribuição deduzida e comunicada em cada declaração, que não foi entregue, for não superior a € 7.500, o crime de abuso de confiança contra a segurança social não é punido, por estar descriminalizado (art. 2 nº 2 do CP).

08- Nos autos uma vez que as quantias devidas a título de contribuições, declaradas mensalmente, são de valor não superior a 7.500,00 € (tendo em atenção, portanto, o disposto no art. 105 n° 7 do RGIT, aplicável por força do estatuído no n° 2 do art. 107° do mesmo diploma legal), mostra-se descriminalizado o crime de abuso de confiança contra a segurança social pelo qual o recorrente foi condenado, impondo-se, nos termos do art. 2º no 2 do CP, declarar extinto o respectivo procedimento criminal.

09- Dos factos provados com interesse para a economia deste recurso, provaram-se os seguintes factos: 3 - A sociedade arguida, desde meados de 2000, atravessou graves dificuldades económico-financeiras.

4 - A sociedade arguida não facturava mensalmente o suficiente para o pagamento de todos os custos fixos, sendo que os gerentes privilegiaram o pagamento daqueles que se mostravam essenciais para a continuidade dos negócios sociais, deforma a potenciar a recuperação da empresa; 5 - O pagamento dos salários foi sempre a primordial preocupação dos responsáveis sociais da arguida, tanto mais que os trabalhadores eram de nível socioeconómico muito baixo e estritamente dependentes do salário.

6 — De forma a permitir a continuidade da laboração da empresa e mesmo o pagamento dos salários, os gerentes injectaram dinheiro pessoal e assumiram particularmente empréstimos e avais bancários.

7 — Os arguidos sempre pugnaram pelo pagamento pontual dos salários aos trabalhadores, à custa do seu próprio rendimento e património, evitando o descalabro dos trabalhadores e famílias no desemprego e o pagamento, por parte do Estado, de grande valor de subsídios de desemprego e prestações sociais complementares.

8 — Os arguidos nunca tiveram meios efectivos para liquidar as prestações parafiscais em falta.

10- Foi neste quadro factual desolador e claramente mitigador da culpa e do dolo do recorrente que o co-arguido D…, exactamente na mesma posição do recorrente, foi condenado a uma pena de multa de 250 dias à taxa diária de seis euros (6 €), num total de 1.500.00 €.

11- O recorrente, apenas pelo facto de ter averbado condenações no seu registo criminal (que se escalpelizarão), foi condenado a uma pena de 14 meses de prisão, ainda para mais condicionada ao pagamento de 109.726,52€.

12- Ou seja, no que se não concede, o tribunal “a quo” não fixou como condição de suspensão metade do valor dois débitos parafiscais — 67.767,49 € (135.534.987 € : 2), mas, de forma ilegal e que a não proceder a aplicação de uma multa ao recorrente, deverá também ser substituída, a...

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