Acórdão nº 800/10.3TBVLG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 23 de Março de 2011

Magistrado ResponsávelMARIA DOLORES SILVA E SOUSA
Data da Resolução23 de Março de 2011
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. n.º 800/10.3TBVLG.P1 Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto.

I-Relatório.

A Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte – CCDRN condenou no presente procedimento contra-ordenacional B…, Ldª., pela prática de uma contra-ordenação de aterro em área incluída na Reserva Ecológica Nacional (abreviadamente designada por REN), prevista nos artigos 20º, n. 1, alínea d), e 37º, nº 3, alínea a), do D.L. 166/2008, de 22/08 (Regime Jurídico da REN), e punida no artigo 22º, nº 4, alínea b), da Lei 50/2006, de 29/08 (Lei quadro das contra-ordenações ambientais - LQCOA), na coima de € 100.000,00, tendo suspendido parcialmente a execução da sanção relativamente à quantia de € 97.500,00 pelo período de um ano, quantia a que acresceram € 50,00 pela instrução do respectivo processo.

*Não se conformando com a decisão proferida, B…, Ldª., dela veio interpor recurso, nos termos do disposto no artigo 59º, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas para o Tribunal Judicial da Comarca de Valongo, onde se realizou julgamento e a final se decidiu julgar totalmente improcedente o presente recurso de contra-ordenação, e manter na íntegra a decisão administrativa.

É desta decisão judicial, proferida no dia 05 de Julho de 2010, com depósito no dia seguinte, constante a fls. 116 a 123, que vem agora interposto recurso para este Tribunal da Relação, e onde a recorrente apresenta a motivação de fls. 125 a 134, que remata com as seguintes conclusões: “I. A questão central e principal neste recurso prende-se com o facto de a recorrente ter agido sem culpa.

  1. Pelo tribunal “a quo”, foi dado como facto provado que a recorrente ignorava que o terreno onde efectuou a descarga estava classificado como área de REN.

  2. Na verdade, a recorrente não tem obrigação de conhecer se o referido terreno se encontrava classificado como área de REN, pois, a responsabilidade de conhecer tal facto incumbia unicamente ao proprietário do mesmo.

  3. A descarga de terras no referido terreno, apenas teve lugar devido à solicitação e consequente autorização do proprietário do terreno, facto este que foi, inclusivamente, dado como provado pelo tribunal "a quo".

  4. Ao proceder à referida descarga de terra, a recorrente agiu sem consciência da ilicitude do facto, pois desconhecia, nem tinha obrigação de conhecer, que o referido terreno se encontrava classificado como área REN.

  5. A obrigação de conhecer da classificação do terreno recaía sobre o proprietário do terreno e não da recorrente.

  6. O proprietário nunca comunicou à recorrente da classificação daquele terreno como REN, aliás, porque ele próprio desconhecia tal classificação.

  7. Quem deveria ter zelado pelo cumprimento da legalidade era o proprietário e nunca a aqui recorrente, pois esta apenas procedeu conforme solicitado pelo proprietário.

  8. Era sobre o proprietário que impendia a obrigação de conhecer as características do terreno de sua propriedade, devendo ter-se assegurado destas antes de solicitar à recorrente que efectuasse a descarga de terras. X. A recorrente agiu com a consciência de que o proprietário teria pleno conhecimento das características daquele terreno.

  9. A recorrente apenas procedeu à descarga naquele local, uma vez que tal foi solicitado pelo proprietário do sobredito terreno, caso contrário, a descarga teria sido efectuada onde habitualmente a recorrente efectuas as ditas descargas, isto é, no aterro licenciado de sua propriedade, sito em Recarei.

  10. Em circunstância alguma, a recorrente teria efectuado a descarga naquele local, caso não fosse a solicitação e consequente autorização do seu proprietário.

  11. Conforme Ac. R. Porto, de 29/04/2009, proc. nº 454/07.4GCSJM (www.dgsi.pt), "o comportamento da recorrente é enquadrável na figura do erro, na medida em que a ignorância ou má representação da realidade traduz-se num problema de valoração sobre a realidade, o que é sinónimo de uma falta de consciência de ilicitude, não censurável" XIV. O proprietário contactou a recorrente para fazer uma reestruturação do terreno e posteriormente plantar um eucaliptal, sendo sua obrigação reunir todas as condições, quer para requerer a autorização com vista a realizar a referida reflorestação, quer para conhecer das características da classificação do terreno.

  12. Em virtude de o proprietário nunca ter dado conhecimento à recorrente da dita classificação, a recorrente não achou conveniente nem necessário consultar o PDM de Valongo.

  13. Está assim, afastada a censurabilidade da prática da contra-ordenação pelo qual vem a aqui recorrente acusada.

  14. A recorrente é uma empresa que há mais de vinte anos se encontra no mercado da construção civil e terraplanagens, que se preocupa e zela pela preservação do meio ambiente, tendo todos os cuidados exigíveis no exercício da sua actividade profissional.

  15. A recorrente possui um aterro próprio, devidamente licenciado, onde efectua habitualmente descargas das terras provenientes da sua actividade, não tendo necessidade alguma de efectuar descargas ilícitas ou em local que não se encontre devidamente licenciado.

  16. Deve ser absolvida da presente contra-ordenação por entender que não praticou os factos a título de dolo.

  17. Caso a recorrente venha a ser condenada pela prática desta contra-ordenação, tendo que proceder ao pagamento da coima que lhe vier a ser aplicada, sempre se dirá que tal montante colocará em risco sério o cumprimento por parte da mesma das suas obrigações, nomeadamente, fiscais, a trabalhadores e aos fornecedores.

  18. A coima aplicada à recorrente, teve por base a conjugação de várias disposições legais, nomeadamente, do artigo 37º, nº3, alínea a), do D.L. 166/2008, de 22/08, com o artigo 22º, nº4, alínea b), da Lei 89/2009, de 31/08, aplicada por força do regime previsto no artigo 4º, nº2 da LQCOA.

  19. Coima esta aplicada a título doloso, o que não poderia ter acontecido, dado que este tipo de contra-ordenação, só a título de negligência pode ser sancionada.

  20. Dispunha o artigo 9º, nº2, da Lei 50/2006 (LQCOA) que, "salvo disposição expressa em contrário, as contra-ordenações ambientais são sempre puníveis a título de negligência", ou seja, caso não fosse expressamente prevista a punibilidade a título de dolo, as contra-ordenações ambientais apenas eram punidas a título de dolo.

  21. Após a alteração introduzida pela Lei 89/2009, o nº 2 do referido artigo 9º passou a ter a seguinte redacção: "A negligência nas contra-ordenações ambientais é sempre punível", isto é, a regra de que as contra-ordenações ambientais apenas eram punidas a título de dolo caso existisse previsão expressa, desapareceu.

  22. Assim, entre ambos os regimes há uma significativa discrepância quanto aos casos de punibilidade: enquanto que o anterior regime exigia a expressa menção para punição a título de dolo, o regime actualmente vigente veio impor a punição para todos os casos, dispensando-se qualquer menção especial.

  23. Dado isto, o regime anteriormente em vigor mostra-se mais favorável à recorrente, dado que apenas poderia ser punida a título de dolo, uma vez que inexiste qualquer menção expressa relativamente ao preceito legal infringido, e portanto, a ser punida, apenas o poderia ser a título negligente.

  24. Impõe-se, portanto, a aplicação do regime constante da Lei 50/2006, de 29/08, por força do disposto no nº 2 do artigo 4º desse mesmo diploma, aplicando-se porém, a moldura abstracta correspondente à negligência constante do Artigo 22º, nº 4, alínea b), da Lei 89/2009.

  25. Assim, para aplicação da referida coima, a entidade administrativa e consequentemente o tribunal “a quo", não efectuaram uma correcta aplicação dos respectivos preceitos legais.

  26. Desta forma, como a coima efectivamente aplicada pelo tribunal “a quo” foi pelo seu mínimo legal, deverá, caso haja condenação a título de negligência, ser igualmente aplicada coima especialmente reduzida.

Termos em que com a procedência do presente recurso se fará JUSTIÇA!”*O Mº Pº junto do Tribunal a quo respondeu, pugnando pelo não provimento do recurso.

Nesta Relação, o Ministério Público emitiu parecer, no sentido de a recorrente ser apenas punida a título de negligência, atenta a prova de que agiu em erro censurável sobre a ilicitude e atento o disposto no artigo 8º do RGCOC, caso em que haverá que reduzir os montantes da coima em consonância com o artigo 22º, n.º4 al. b) da Lei n.º 89/2009 de 31.08 e artigo 12º da Lei n.º 50/2006 de 29/08.

Terminou dando parecer no sentido da procedência do recurso, e da revogação da sentença recorrida na parte em que determina os limites da coima e fixa o seu montante concreto, fixando-se nova coima segundo os critérios do artigo 18º do RGCOC e respectiva suspensão parcial de acordo com o supra exposto.

Cumprido o artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o recorrente nada disse.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

*II- Fundamentação.

Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – vícios decisórios e nulidades referidas no artigo...

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