Acórdão nº 800/06.8TTRA.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Fevereiro de 2011
Magistrado Responsável | PINTO HESPANHOL |
Data da Resolução | 09 de Fevereiro de 2011 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.
Em 28 de Julho de 2006, no Tribunal do Trabalho de Leiria, 1.º Juízo, AA instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra UNIVERSIDADE BB, na qual pede que, declarado ilícito o respectivo despedimento, a ré fosse condenada: (i) a reintegrá-la ao serviço, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, ou, em substituição, caso assim venha a optar, no pagamento de uma indemnização, nos termos do disposto no artigo 439.º do Código do Trabalho; (ii) a pagar-lhe os diferenciais devidos a título de retribuição pela dedicação exclusiva e pela regência de cadeiras, a liquidar em execução de sentença, os subsídios de férias e de Natal, bem como as demais quantias, que estão em dívida ou outras que, eventualmente, sejam apuradas no decurso da audiência de discussão e julgamento; (iii) a pagar-lhe o suplemento de remuneração devido pela coordenação de estágios, a liquidar em execução de sentença; (iv) a pagar-lhe € 12.252,33, relativos à remuneração variável designada ajudas de custo/guias, «sendo ainda condenada no pagamento do IRS e Segurança Social devido[s] pelos montantes pagos à A. a este título, bem como no montante do que ora se pede a condenação»; (v) a pagar-lhe € 12.500, a título de compensação por danos não patrimoniais; (vi) a pagar-lhe juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.
Em suma, alegou que, em 1991, foi admitida ao serviço da ré, por contrato de trabalho não escrito, para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, leccionar no Núcleo de Leiria da Universidade BB, com a categoria de docente/assistente estagiária, tendo assinado, no dia 1 de Outubro de 1999, por imposição da ré, um contrato apelidado «Contrato Especial de Trabalho Docente», mantendo-se, porém, a sua situação laboral, e que, em 27 de Junho de 2005, a ré denunciou o contrato, invocando um termo que não existia na relação laboral, sendo que se configura a violação do princípio da igualdade, porquanto a ré, em situações semelhantes, operou o despedimento colectivo de docentes, o que tudo lhe provocou crises de depressão e nervosismo, «criando-lhe forte angústia e abalo moral».
Realizada sem êxito a audiência de partes, a ré foi notificada para contestar, o que fez, invocando que o contrato de trabalho celebrado com a autora estava sujeito a um regime jurídico especial que afasta a aplicabilidade do regime geral, sendo que os Estatutos da Carreira Docente da Universidade BB não obrigam a que o contrato especial de trabalho docente seja reduzido a escrito.
A ré alegou, ainda, que a autora foi, inicialmente, contratada como docente visitante e/ou convidada, contrato com a duração de um ano lectivo (com início em 1 de Outubro e cessação em 30 de Setembro do ano subsequente) e que tal situação se manteve entre 1991 e 1999, altura em que, após completar a tese de mestrado, foi contratada como docente integrada na carreira docente da Universidade BB, pelo que sujeita aos direitos e obrigações que tal situação implica; mais aduziu que, em Outubro de 1994, a autora solicitou, por razões de conveniência, se poderia começar a emitir recibos verdes, ao que a ré acedeu, informando-a que, nesse caso, não lhe pagaria o subsídio de férias, nem o subsídio de Natal, o que se manteve até Setembro de 1996, e que, a partir de 1 de Outubro de 1996, após ter cessado o exercício de outras actividades profissionais e porque pretendia fazer o mestrado, a autora solicitou a atribuição do regime de exclusividade, o que foi deferido, tendo passado, na qualidade de assistente estagiária, a auferir subsídio de exclusividade.
Consignou, igualmente, a ré que a autora concluiu a tese de mestrado no dia 8 de Junho de 1999 e lhe solicitou a passagem à categoria de assistente e a integração no estatuto da carreira docente, o que foi aceite, pelo que foi celebrado um contrato especial de trabalho docente, pelo prazo de 6 anos, com início em 1 de Outubro de 1999, sendo a autora remunerada de acordo com as tabelas de remuneração em vigor, tendo em conta a sua categoria e o número de horas de docência; além disso, afirmou ter comunicado a denúncia do contrato, com a antecedência devida, extinguindo-o de forma válida e eficaz, e que, ao operar a cessação, em simultâneo, de outros contratos de docência, classificou indevidamente tal cessação como sendo um despedimento colectivo; no entanto, tal não importou a violação do princípio da igualdade, tanto mais que a autora se manteve em funções até ao encerramento do Pólo de Leiria e foi-lhe paga a remuneração até ao termo do contrato, nunca tendo criado à autora qualquer expectativa do contrato se prolongar para além do respectivo prazo, bem sabendo a autora que a ré, atingido o respectivo termo, poderia denunciar o contrato, daí que não lhe seja devida qualquer quantia a título de danos não patrimoniais.
Dispensada a audiência preliminar e a fixação de base instrutória, os autos prosseguiram a sua normal tramitação, tendo a autora optado por indemnização em substituição da reintegração (fls. 832), sendo, entretanto, exarada sentença que julgou a acção totalmente improcedente e absolveu a ré do pedido formulado pela autora.
-
Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação no qual defendeu (i) a alteração da decisão da matéria de facto, (ii) que a relação laboral firmada entre as partes se achava sujeita às normas do Código do Trabalho e, antes da sua entrada em vigor, à legislação laboral por este revogada, configurando-se um verdadeiro contrato de trabalho por tempo indeterminado e um despedimento ilícito, (iii) que ocorria a violação do princípio da igualdade de tratamento, (iv) que a ré devia ser condenada a pagar-lhe uma indemnização por danos não patrimoniais, (v) bem como a pagar-lhe a remuneração devida pelas aulas de pós-graduação, no ano lectivo de 2002/2003.
Para melhor elucidação, passam-se a transcrever as conclusões que a autora formulou na alegação pertinente ao mencionado recurso de apelação: «1 – A recorrente, no seu articulado inicial, invoca a violação do Princípio da Igualdade de Tratamento, nos seus arts. 5.º a 8.º inclusive, sendo que tal facto deve ser considerado provado, porquanto não foi impugnado pela Recorrida — vide art. 490.º do C.P.C. aplicável ex vi art. 1.º do CPT; 2 – A invocada violação do Princípio da Igualdade de Tratamento foi também objecto de confissão pela própria Recorrida na sua contestação (arts. 61 e 62); 3 – Confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária — artigo 352.º do C.C. —, sendo que a Recorrida e o douto Tribunal a quo não podem ignorar o efeito jurídico da sua confissão; 4 – Também nos factos dados como Provados pelo Mmo. Juiz a quo, nos pontos que se transcrevem a seguir, tal matéria é dada como provada: “50 – A R. procedeu ao despedimento colectivo de diversos docentes do Pólo de Leiria do Centro Regional das Beiras da Universidade BB, no ano de 2004. [51] – Este despedimento colectivo envolveu os docentes, Dra. CC/Mestre DD, Dra. EE, Dr. FF, Mestre GG.” 5 – Mais, o processo de despedimento colectivo foi junto aos autos pela Recorrida e, numa análise sumária, verifica-se que existem situações contratuais — Dra. CC e Mestre GG — exactamente iguais à da Recorrente, e nem sequer foram consideradas na douta sentença em crise; 6 – Porém, a douta sentença andou mal, porquanto só um dos trabalhadores envolvidos no despedimento colectivo é que não pertencia ao pólo de Leiria e os motivos invocados para o despedimento colectivo são os que conduziram ao encerramento do Pólo de Leiria; 7 – Resulta inequívoco que as duas situações, quer a do despedimento colectivo, quer a situação da Recorrente, são interligadas, conforme se demonstrou ao longo de múltiplas sessões de audiência de julgamento.... ou será que a Recorrente esteve a ser julgada noutro julgamento e a decisão em causa só por lapso lhe foi remetida, mas refere-se a um outro qualquer julgamento...
8 – Com efeito, à relação laboral entre a Recorrente e Recorrida e ao invés do decidido aplicam-se as regras do contrato de trabalho — cfr. art. 1.º do C.T. e art. 1.º do DL n.º 49408, de 24.11.69; 9 – Estamos perante um contrato sujeito a regime especial pelo que se aplica o Código do Trabalho — art. 11.º “Aos Contratos de trabalho com regime especial aplicam-se as regras gerais deste Código que não sejam incompatíveis com a especificidade desses contratos”, o que sucede no caso em apreço; 10 – Também ficou provado que a Recorrente foi contratada em 1991 pela Recorrida, integrando o corpo docente desta; 11 – Em 01/10/1999, a Recorrente assinou um contrato de trabalho; porém, tudo o mais se manteve inalterado, designadamente o facto dado como provado no ponto 6, mantendo-se todos os deveres e obrigações referidos no aludido ponto 6 iguais ao longo de toda a relação laboral; 12 – Pelo que a douta sentença, ao sustentar a sua fundamentação em Ac. do TRC andou mal, porquanto os referidos Acs., pelo menos o último ainda não transitou, estando a correr termos Recurso de Revista para o STJ; 13 – O contrato existente entre a Recorrente e Recorrida é um verdadeiro contrato de trabalho por tempo indeterminado, tendo a recorrida através da sua BB astúcia despedido a Recorrente e manipulando [sic] o tribunal para legitimar tal actuação canonicamente duvidosa...
14 – E, face à confissão da Recorrida, não se percebe porque foi a mesma desconsiderada e/ou ignorada pela sentença de que aqui se recorre; 15 – Logo, trata-se de matéria que tem de se considerar como assente e provada e como tal decidido, a menos que os lapsos e ou erros da Recorrida sejam considerados face a uma lei que à Recorrente e ao comum do cidadão não será aplicável; 16 – Sendo que dos factos dados como provados pelo Mmo. Juiz do douto Tribunal a quo, não consta o erro ou lapso ou “indevido” da Recorrida; 17 – Igualmente...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO