Acórdão nº 01057/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Janeiro de 2011

Magistrado ResponsávelPOLÍBIO HENRIQUES
Data da Resolução20 de Janeiro de 2011
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1.

RELATÓRIO O Procurador-Geral da República recorre para este Pleno do acórdão da Secção, proferido a fls. 356-367, que, julgando procedente a acção administrativa especial intentada por A…, condenou o réu, ora recorrente, a “ordenar o processamento e pagamento do subsídio de desemprego à Autora através dos Serviços da Procuradoria-Geral da República”.

1.1. Apresenta alegações com as seguintes conclusões: 1ª A razão de dissidência que opõe o entendimento do PGR e o do Acórdão recorrido arranca de divergente conclusão sobre a interpretação do DIREITO aplicável à situação em presença.

  1. Por força das disposições combinadas dos artigos 29°, nº 5 e 31°, nºs 2 e 1, ambos da Lei nº 4/2009, de 29 de Janeiro e na ausência da regulamentação prevista no primeiro destes normativos, a situação em presença é enquadrável no REGIME GERAL DE SEGURANÇA SOCIAL DOS TRABALHADORES POR CONTA DE OUTREM (que não dispõem dos mecanismos legais disponíveis próprios de actos administrativos, designadamente da suspensão de eficácia de actos punitivos), exclusivamente para efeitos de protecção na eventualidade de desemprego, uma vez que se mantêm em vigor as normas dos artigos 9° e 10°, ambos da Lei nº 11/2008, de 20 de Fevereiro.

  2. A norma do nº 2 do artigo 9° desta Lei, que criou o regime jurídico de protecção no desemprego dos Trabalhadores da Administração Pública, REMETE EXPRESSAMENTE para o regime do D. L. nº 220/2006, o qual, por sua vez, define o regime jurídico da protecção social no desemprego.

  3. O PRIMEIRO DOS PRESSUPOSTOS de aplicação do regime previsto no artigo 9°, nºs 1 e 11, da Lei nº 11/2008 é o EXERCÍCIO DE FUNÇÕES à data da produção dos seus efeitos (1 de Janeiro de 2008), pelo beneficiário da protecção no desemprego.

  4. O conceito de EXERCÍCIO DE FUNÇÕES é preenchido com A PRESTAÇÃO DE TRABALHO EFECTIVO, definido na alínea h) do artigo 14° da Lei nº 4/2009 de 29 de Janeiro como o "TRABALHO REALMENTE PRESTADO PELO TRABALHADOR NAS ENTIDADES EMPREGADORAS”, constituindo este conceito a ESSENCIALIDADE daquele.

  5. Para que os trabalhadores possam beneficiar do estatuto, regalias e benefícios próprios decorrentes do exercício efectivo de funções, em casos especiais de ausências justificadas do serviço, a lei estabelece EXPRESSAMENTE A EQUIPARAÇÃO dessas ausências à prestação efectiva de funções.

  6. Ora a Autora, a 1 de Janeiro de 2008, NÃO EXERCIA FUNÇÕES, porque do respectivo exercício estava ABSOLUTAMENTE IMPEDIDA, quer por decisão judicial proferida no processo crime, que lhe aplicara MEDIDA DE COACÇÃO que lhe PROIBIU A ENTRADA E PERMANÊNCIA NO SEU LOCAL DE TRABALHO (a PGR), quer por decisão de SUSPENSÃO PREVENTIVA proferida no processo disciplinar que culminou com a imposição da pena de “DEMISSÃO”. De resto, 8ª O legislador escolheu a expressão “exercício de funções”, no nº 11 do artigo 9° da Lei nº 11/2008, não tendo optado pela referência ao “vínculo”, que seria mais abrangente e que expressamente usou, PORQUE QUIS, noutros lugares da lei aplicável.

  7. A situação da Autora - AUSÊNCIA TOTAL DO SERVIÇO POR IMPOSIÇÃO JUDICIAL PROFERIDA EM PROCESSO CRIME, QUE SE MANTÉM NESTA DATA EM VIGOR, dada a pendência do recurso no Supremo Tribunal de Justiça - NÃO É EQUIPARADA AO EXERCÍCIO DE FUNÇÕES, TENDO ESTE exercício O ALCANCE QUE A LEI LHE QUIS DAR: presença material, prestação efectiva de funções.

  8. Mas ainda que assim se não entendesse, o que resulta da interpretação das normas vigentes (artigos 9° e 10°, ambos da Lei n° 11/2008) é que a eventualidade de desemprego, CONSUMADA com a produção dos efeitos da aplicação da pena expulsiva, desde logo com a privação do vencimento, ocorreu já em Janeiro de 2009, NÃO CABENDO, por isso, AOS SERVIÇOS DA PGR, enquanto entidade à qual a Autora se encontrava vinculada, A DECISÃO SOBRE A ATRIBUIÇÃO E O PAGAMENTO DE QUALQUER SUBSÍDIO e, consequentemente, a OBSERVÂNCIA DE QUALQUER FORMALIDADE CONEXA.

  9. Por isso, há-de concluir-se pela INQUESTIONÁVEL CONFORMIDADE LEGAL DAS DECISÕES DO PGR e nessa medida revogar-se o Acórdão recorrido.

  10. A adopção desta tese NÃO VIOLA O PRINCÍPIO DA IGUALDADE: as demais situações invocadas no Acórdão recorrido - “baixa”, licença de maternidade e acidentes de serviço - ESTÃO EXPRESSAMENTE EQUIPARADAS NA LEI A EXERCÍCIO EFECTIVO DE FUNÇÕES.

  11. Ao contrário, a violação desse princípio resulta da integração da situação da Autora no conceito de EXERCÍCIO DE FUNÇÕES, sem norma que expressamente consagre a equiparação. E, 14ª O pagamento das remunerações, pela PGR, antes e depois de Fevereiro de 2007, até aplicação da pena de demissão não consubstancia nem substitui a necessária equiparação: esse pagamento resulta de imposição legal - D. L. nº 24/84 de 16 de Janeiro e Lei nº 100/99 - cuja inspiração encontra suporte apenas na conformidade constitucional com o princípio da presunção de inocência, inspiração essa que 15ª Não é importável para a decisão do objecto do recurso: NÃO PODE CONSIDERAR-SE EXERCÍCIO DE FUNÇÕES, para os efeitos da Lei nº 11/2008, uma situação que a lei NÃO EQUIPARA a “prestação efectiva de serviço”, a exercício efectivo de funções” ou a exercício de funções”, expressões estas que 16ª O legislador - repete-se - usa indistintamente para abranger as situações de efectiva “AUSÊNCIA” do serviço. De resto.

  12. Como sempre se admitiu, a exclusão da Autora do regime decorrente da Lei no 11/2008 NÃO A PREJUDICA NEM A DISCRIMINA, pois entender-se que não é a PGR a entidade competente para a atribuição e pagamento do subsídio não exclui a aplicabilidade, à sua situação, do regime jurídico da protecção social da eventualidade de desemprego dos trabalhadores por conta de outrem, previsto no D. L. n° 220/2006 de 3 de Novembro, a processar pelos Serviços competentes da Segurança Social.

  13. Se outra interpretação das normas vigentes fosse possível, além da operada pelo actos de indeferimento do PGR em apreciação, nunca estaria prejudicada a possibilidade de EXERCÍCIO DE TODOS OS MEIOS CAUTELARES de tutela da utilidade da sentença a proferir no âmbito da Acção impugnação contenciosa do próprio acto punitivo, MEIOS ESSES 19ª Ao alcance de TODOS os Trabalhadores que exercem Funções Públicas e que, na ausência da regulamentação necessária a implementação dos regimes de protecção social convergente, nomeadamente na eventualidade de desemprego, SEMPRE FUNCIONARAM - NADA OBSTANDO A QUE CONTINUEM A FUNCIONAR -, por via da sindicância judicial da verificação, CASO A CASO, dos pressupostos da respectiva concessão.

  14. Por isso, e com estes fundamentos foi INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO E MANTIDO NOS SEUS PRECISOS TERMOS O DESPACHO DE 19 de Junho de 2009, QUE CONSTITUIU O OBJECTO DA ACÇÃO.

  15. Ao eliminá-lo da ordem jurídica, o Acórdão recorrido VIOLOU AS NORMAS DOS NºS 1 E 11 DO ARTIGO 9° E DO ARTIGO 10°, AMBOS da Lei nº 11/2008 de 20 de Fevereiro. Por isso, 22ª Deve ser revogado e substituído por outro que PRONUNCIE A CONFORMIDADE LEGAL DA DECISÃO DO PGR E JULGUE IMPROCEDENTE A ACÇÃO.

1.2. A Autora, ora recorrida, contra-alegou, concluindo: 1- Ao contrário do requerido pelo recorrente, ao presente recurso deve ser atribuído efeito meramente devolutivo, ao abrigo do n° 3 do nº 143º do C.P.T.A.

2- Com efeito, a questão legal ainda “sub judice” prende-se com a atribuição de um dos mais elementares direitos do trabalhador, como seja o direito ao subsídio de desemprego.

3- A parte vencedora, ora Recorrida, não recebe qualquer meio de subsistência, a nenhum título, desde 23 de Janeiro de 2009, com as dificuldades e os prejuízos decorrentes desta ausência de meios de subsistência, o que lhe tem causado prejuízos de muito difícil reparação, agravados com o alongar do período de tempo por que a situação se vem arrastando.

4- Os prejuízos verificam-se automática e necessariamente, logo que aquele que deva beneficiar do subsídio de desemprego fique em situação de o receber, ou seja, logo que, por desemprego, passa a ficar abrangido por esse benefício, o que decorre como consequência, quer da natureza do direito ao subsídio de desemprego, quer da razão que impõe as respectivas prestações, como melhor elucidam algumas passagens do Acórdão do Tribunal Constitucional supra referido.

5- A localização sistemática da norma vertida na alínea e) do nº 1 do artigo 59° da Constituição no Capítulo I do Título III da sua Parte I, poderia levar a concluir que direito dos trabalhadores à assistência material, quando involuntariamente se encontrem em situação de desemprego, gozaria, tão só, do regime dos direitos económicos, sociais e culturais, não lhe sendo, consequentemente, aplicável o regime constitucionalmente consagrado para os direitos, liberdades e garantias constante do Título I, nos quais se incluem os direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores a que se reporta o Capítulo III desse Título; 6- Contudo, o facto de, nominalmente, se tratar de um direito económico e, estruturalmente, de um direito a uma prestação, não impede que lhe possa ser reconhecida, em parte, natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, beneficiando do regime destes, nos termos do artigo 17º da Constituição, já que o direito dos trabalhadores à assistência material, reclama, pela sua ligação indissociável, um tratamento analógico com o direito fundamental – que é condição prévia da existência de todos os outros direitos das pessoas singulares e condição primeira da dignidade humana - justamente o direito a vida; 7- Não se podendo considerar o direito ao trabalho como tendo natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, nada permite deixar, sem mais, de admitir essa natureza ao direito dos trabalhadores à assistência material quando involuntariamente se encontrem em situação de desemprego, como forma residual de assegurar as condições mínimas de subsistência necessárias para a salvaguarda do direito à vida; 8- A suspensão de execução do douto Acórdão posto em crise no presente...

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