Acórdão nº 4033/05.2TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Janeiro de 2011

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução25 de Janeiro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (1): AA propôs a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra BB e esposa, CC, todos, suficientemente, identificados nos autos, pedindo que, na sua procedência, seja declarado nulo o contrato de mútuo celebrado entre o autor e o réu [1], seja declarado o proveito comum do casal em relação à dívida resultante do dinheiro entregue pelo autor ao réu marido [2] e, por via disso, sejam estes, solidariamente, condenados a restituir ao autor a importância entregue, no montante de €27.000,00, acrescida dos juros de mora [3].

Na contestação, os réus, na parte que ainda interessa considerar, defendem-se por impugnação, negando a existência de qualquer empréstimo e solicitando a condenação do autor como litigante de má fé.

Na réplica, o autor sustenta que são os réus quem litiga de má fé e, como tal, devem ser condenados, em multa exemplar e em indemnização, bem assim como nas despesas e honorários dos mandatários e técnicos.

A sentença julgou a acção improcedente e, igualmente, os incidentes de litigância de má-fé.

Desta sentença, o autor interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado a apelação procedente, no tocante ao recurso de facto, e improcedente, no tocante ao recurso de direito, confirmando a decisão impugnada.

Do acórdão da Relação de Lisboa, o autor interpôs agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, em termos de a acção dever ser julgada procedente, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem, integralmente: 1ª – O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado, art. 762º do Código Civil.

  1. – Do acordo firmado o recorrente obrigou-se a preencher em nome do recorrido um cheque e enviar o dinheiro mutuado via postal para local definido pelo recorrido.

  2. - O Tribunal a quo fez uma errada interpretação dos pressupostos do art. 1143° do CC, quando não põe em causa a existência de um acordo de contrato de mútuo.

  3. - A dúvida que o Tribunal a quo mantém e justifica para dar como improcedente a acção, é se foi o recorrido quem recebeu o valor do mútuo.

  4. - No entendimento do recorrente tal questão ou requisito não é pressuposto para a existência de contrato de mútuo e para o sucesso da presente acção, na perspectiva focada pela douta sentença da existência de um contrato real, manifestada pela transferência da posse.

  5. - Veja-se que o recorrente encontrava-se ausente em Castelo Branco, cfr. doc. 1 e 2, distante do local onde se encontrava o recorrido e do local estipulado para a entrega do bem em Lisboa, e procedeu à entrega da quantia mutuada remetendo-a por intermédio de empresa de transportes para o domicílio profissional do recorrido.

  6. - Conforme o acordo e as instruções do recorrido.

  7. - Ora o contrato de mútuo, como qualquer contrato é um acordo de vontades, no sentido de uma parte emprestar á outra dinheiro com a obrigação de restituir.

  8. - Não se está assim perante uma promessa de empréstimo.

  9. - Elemento essencial ao contrato de mútuo, é assim, a entrega da coisa - dinheiro.

  10. - Ora o que o recorrente entende, dos factos e da prova que foram apresentados e apreciados nos autos, é que procedeu á entrega da coisa.

  11. - Daí que o recorrente tenha efectuado a sua prestação, entregou a coisa.

  12. - No caso, não tem de haver identidade entre o mutuário e quem recebe a prestação, portanto a coisa foi endereçada ao recorrido e cabia-lhe a ele providenciar pela recepção, se terceiros receberam por ele, é algo a que o recorrente é estranho, algo que não lhe pode ser oponível, e o art. 1143º do CC não o exige, como na verdade veio a suceder na interpretação efectuada pela douta sentença em crise.

  13. – Já que estamos no âmbito dos direitos relativos.

  14. – Portanto a douta sentença violou o disposto no art. 1143º do Código Civil.

Os réus não apresentaram contra-alegações.

O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz, acrescentando-lhe, porém, um novo facto, sob o nº 21., com base no preceituado pelos artigos 373º, nº 1 e 376º, nº 1, do Código Civil (CC), 659º, nº 3, 713º, nº 2 e 726º, do CPC: 1. O autor preencheu e assinou o cheque n.º ..., sobre conta bancária do Banco I... do F..., SA, à ordem e em nome de BB, pelo montante de €47000,00 (quarenta e sete mil euros), datado de 24 de Julho de 2002 - A).

  1. No dia 24 de Julho de 2002, AA remeteu missiva urgente, através da empresa M..., dirigida a BB, para a morada Rua M... F... de F..., ...-..., 1... Lisboa - B).

  2. Esta missiva foi recebida na morada do destino, a 25 de Julho de 2002 - C).

  3. Na Rua M... F... de F..., ...-..., 1... Lisboa, está instalada a EE- M... - Comércio Automóvel, Lda. - D).

  4. No verso do cheque, referido em A), encontra-se aposta assinatura manuscrita que se lê BB - E).

  5. O cheque n.º ... foi apresentado à cobrança, no dia 25 de Julho de 2002, e pago por desconto na conta sacada - F).

  6. Do montante, referido em A), ao autor não foram restituídos €27000,00 (vinte e sete mil euros) - G).

  7. Por carta registada com aviso de recepção, datada de 15 de Junho de 2005, recebida pelo réu, a 20 de Junho de 2005, o autor interpelou o réu para que procedesse à restituição do remanescente em débito de € 27.000,00, decorrentes do empréstimo de €47.000,00 que, a seu pedido, foi acordado (…), em Julho de 2002 (…), no prazo de 10 (dez dias - H).

  8. Por carta registada com aviso de recepção, datada de 1 de Julho de 2005, recebida pelo réu, a 5 de Julho de 2005, o autor solicitou ao réu a restituição de € 27000,00 (vinte e sete mil euros), no prazo de 5 dias, após a sua recepção - I).

  9. No dia 24 de Julho de 2002, BB pediu a AA que lhe emprestasse €47 000,00 (quarenta e sete mil euros) - 1º.

  10. Autor e réu acordaram que o dinheiro seria restituído, no prazo de quinze dias – 3º.

  11. Em cumprimento do acordado, o autor remeteu ao réu o cheque n.º 58917029, no dia 24 de Julho de 2002, por missiva urgente, através da empresa DD-M..., dirigida a BB, para a morada Rua M... F... de F..., 3-A, 1...Lisboa - 4º.

  12. O réu é sócio da EE-“M... - Comércio Automóvel, Lda.”, tendo sido registada a cessação das suas funções de gerente, em 17 de Dezembro de 2003, por ter renunciado, em 1 de Abril de 2002 - 6º.

  13. No dia 8 de Novembro de 2002, foram depositados € 5000,00 (cinco mil euros) na conta bancária, titulada em nome do autor, com o n.º ..., do FF-Banco C... P... - 9º.

  14. No dia 21 de Novembro de 2002, foram depositados € 7500,00 (sete mil e quinhentos euros) na conta bancária, titulada em nome do autor, com o n.º ..., do FF-Banco C... P... - 10º.

  15. No dia 7 de Março de 2003, foram depositados € 2500,00 (dois mil e quinhentos euros) na conta bancária, titulada em nome do autor, com o n.º ..., do FF-Banco C...P... - 11º.

  16. No dia 8 de Junho de 2005, o autor interpelou, pessoalmente, o réu, para que lhe pagasse os € 27 000,00 (vinte e sete mil euros) em falta, no prazo de 10 dias - 13º.

  17. O réu respondeu à carta do autor de 1 de Julho de 2005, em 7 de Julho de 2005 (cf. fls. 80 a 83).

  18. O número e inscrição .../0,05/11/98 O..., constantes do verso do cheque n.º ..., correspondem ao bilhete de identidade do cidadão GG (cf. fls. 23 e 256).

  19. Mostra-se registado, na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, pela Ap. .../..., o contrato de sociedade comercial com a firma EE-“M... – Comércio Automóvel, Lda.”, com sede na rua M...de F... B..., n.º ... A, B..., Lisboa, figurando como sócios BB, HH e GG - Certidão de folhas 141.

  20. No verso do cheque, aludido em 1. [A] e 5. [E], encontra-se aposta, em atravessado, a assinatura manuscrita do réu “BB” e, na horizontal, a assinatura manuscrita do sócio “GG”, referido em 20. – Documento de folhas 23.

* Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.

As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha...

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