Acórdão nº 934/08.4TBPBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Janeiro de 2011

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução11 de Janeiro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I A...L.

da instaurou, na comarca de Pombal, a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra B... L.

da, pedindo que a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 24.609,41 €, acrescida de juros de mora vencidos, no valor de 8.082,59 €, e vincendos até integral pagamento.

Alegou, em síntese, que no exercício da sua actividade, a pedido da ré, forneceu a esta diverso material de construção, pelo preço total de 24.609,41 €, que esta não pagou.

A ré contestou dizendo, em suma, que celebrou com a autora um contrato-promessa referente a uma loja de um prédio, sito na ..., com o preço de 74.820 €, que seria pago com os fornecimentos de materiais a efectuar por esta. Esses fornecimentos foram realizados, operando-se assim a compensação. Mais alegou que o gerente da autora recusa-se a celebrar a escritura pública de venda dessa fracção, alegando que o contrato-promessa é nulo. Conclui, pedindo a condenação da autora como litigante de má-fé em multa e indemnização, esta a seu favor em montante não inferior a 2.500 €.

A autora replicou mantendo a sua posição inicial e referindo ainda que o contrato-promessa invocado pela ré nada tem a ver com as partes, pois nele são intervenientes os seus gerentes em nome individual. Mais disse que esse contrato é nulo por falta de reconhecimento das assinaturas dos contraentes e que se houve incumprimento este foi da ré ao ter deixado de lhe adquirir produtos.

Foi proferido despacho saneador e seleccionaram-se os factos assentes e elaborou-se a base instrutória.

Realizou-se a audiência de julgamento.

Foi proferida sentença em que se decidiu absolver a Ré, B... L.

da, de todo o pedido formulado pela Autora, A...L.

da.

Inconformada com tal decisão, a autora dela interpôs recurso, que foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, findando a respectiva motivação, com as seguintes conclusões: 1– O documento junto aos autos a que foi chamado “Contrato Promessa de Compra e Venda” as partes foram identificadas em nome individual.

2– As partes assinaram em nome individual.

3– Em nenhuma parte do texto do documento consta que a sociedade autora ou a sociedade ré assumiu uma qualquer obrigação.

4– A autora não indicou qualquer testemunha ao facto 4.º da B.I.

5– O Sr.

C...

disse que agiu em nome individual e não como sócio gerente da autora.

6– As duas testemunhas que foram ouvidas pelo Tribunal, D...

vive em união de facto com E...

e este é filho do sócio gerente da ré.

7– Nenhum deles esteve presente quando foi celebrado o acordo Contrato Promessa de Compra e Venda.

8– Isto decorre do que ficou escrito pelo Tribunal quando explica como fundou a convicção – linha 13 e 20 da 3.º folha.

9– O Tribunal decidiu contra a prova existente nos autos.

10– Também em lado nenhum há a referência que o Sr.

F...

agiu na qualidade de sócio gerente da ré.

11– Ambos agiram, só e unicamente, a título individual.

12– Assim, da resposta ao quesito 4.º da Base Instrutória devem ser retirados as expressões “ na qualidade de sócio gerente da Autora” e “ este... e na qualidade de sócio gerente da Ré, passando resposta a ser “ ... entre C... por si e F..., por si, foi verbalmente...”.

13– Não há nos autos qualquer prova de que os fornecimentos feitos à ré estavam incluídos no acordo.

14– O acordo foi celebrado com o Sr. F..., em nome individual e não com a sociedade de que ele é sócio gerente.

15– O Tribunal não pode dar como provado que o acordo estabelecido em E) dos factos assentes incluía os fornecimentos feitos antes da outorga deste documento – 26-01-2005, porque, efectivamente não faziam parte.

16– A todos estes vícios, acresce que o contrato é nulo, porquanto não contém o reconhecimento presencial das assinaturas dos outorgantes, feitos perante o notário, nem dele consta a apresentação da licença de utilização ou de construção, como exige o artigo 410.º n.º 3 do Código Civil.

17– Logo as consequências desta nulidade são as descritas no artigo 289.º do Código Civil.

18– Além desta norma o tribunal violou o disposto nas alíneas b) c) e d) do artigo 668.º do C.P.C. - causas de nulidade da sentença.

Termina pedindo que a douta sentença ser revogada e ser proferido acórdão que julgue a acção procedente, por provada, com todas as consequências legais.

A ré contra-alegou defendendo que se mantenha decisão recorrida e pedindo a condenação da autora como litigante de má-fé, dado que, um vez mais falta, deliberadamente à verdade.

Face ao disposto nos artigos 684.º n.º 3 e 685.º-A n.

os 1 e 3 do Código de Processo Civil, as conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir consistem em saber se: a) a sentença é nula, nos termos do disposto no artigo 668.º n.º 1 b) c) e d) do Código de Processo Civil[1]; b) há erro no julgamento da matéria de facto que figura no quesito 4.º[2], se se concluir, após análise prévia, que estão reunidas as condições processuais para reapreciar a matéria de facto; c) o contrato-promessa é nulo, por as assinaturas dos seus subscritores não se encontrem reconhecidas presencialmente[3].

d) a autora, no âmbito do presente recurso, litiga com má-fé.

II 1.º Há duas questões sobre as quais importa, desde já, tomar posição.

A primeira refere-se à alegação de que o contrato-promessa celebrado entre as parte é nulo por nele não constar a apresentação da licença de utilização ou de construção, como exige o artigo 410.º n.º 3 do Código Civil[4].

Como é sabido, os recursos destinam-se a permitir que um tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação da decisão recorrida[5], constituindo, assim, um instrumento processual para reapreciar questões concretas, de facto ou de direito, que se consideram mal decididas e não para conhecer questões novas, não apreciadas e discutidas nas instâncias[6], sem prejuízo das que são de conhecimento oficioso.

Ora, por um lado a questão da nulidade do contrato com fundamento na ausência de certificação, pelo notário, da existência de licença de utilização ou de construção não foi suscitada no tribunal a quo, nomeadamente em sede de réplica[7], e, por isso mesmo, este não se pronunciou sobre ela. Por outro lado, essa omissão traduz-se numa nulidade mista ou atípica[8], que não é de conhecimento oficioso[9].

Assim, não pode agora, por via do recurso, este tribunal da Relação conhecer tal questão.

A segunda prende-se com o exposto nas conclusões 13.ª a 15.ª, em que se pretende colocar em crise uma parte do julgamento da matéria de facto.

Nos termos do disposto no artigo 685.º-B n.º 1 a) do Código de Processo Civil[10], o recorrente que queira ver reapreciada a decisão da matéria de facto está obrigado a, sob pena de rejeição, indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados.

Ora, a autora não diz nas suas conclusões, nem tão pouco nas alegações, qual o quesito ou quesitos a que se reporta o que afirma nas conclusões 13.ª a 15.ª e que considera incorrectamente julgados.

O ónus imposto ao recorrente que impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto traduz-se, deste modo, na necessidade de circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente qual a parcela ou segmento -o ponto ou pontos da matéria de facto- da decisão proferida que considera viciada por erro de julgamento[11]. Estas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, próprio de um instrumento processual que visa pôr em causa o julgamento da matéria de facto efectuado por outro tribunal em circunstâncias que não podem ser inteiramente reproduzidas na 2.ª instância[12]. É, pois, certo que se impõe ao recorrente um...

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