Acórdão nº 379/09.9TTMAI.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 29 de Novembro de 2010

Magistrado ResponsávelMACHADO DA SILVA
Data da Resolução29 de Novembro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: NEGADO PROVIMENTO.

Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) Área Temática: .

Sumário: I - A noção legal de justa causa – contida no art. 396º, nº 1, do Cód. do Trabalho, na versão aprovada pela Lei nº 99/2003, de 27.08 – pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: um comportamento culposo do trabalhador, violador dos deveres de conduta ou valores inerentes à disciplina laboral, que seja grave em si mesmo e nas suas consequências; um nexo de causalidade entre esse comportamento e a impossibilidade de subsistência da relação laboral.

II - O apuramento da “justa causa” corporiza-se, essencialmente, na impossibilidade prática da subsistência da relação de trabalho, que deve ser reconduzida à ideia de inexigibilidade da manutenção vinculística, no sentido de implicar uma impossibilidade prática, com necessária referência ao vínculo laboral em concreto, e imediata, no sentido de comprometer, desde logo e sem mais, o futuro do contrato.

III - Consubstancia violação do dever de realizar o seu trabalho com zelo e diligência – previsto na alínea c) – e ainda dos deveres previstos na alínea d) – dever de cumprir as ordens e instruções do empregador em tudo o que respeite à execução e disciplina do trabalho – do nº 1 do art. 121º do CT, o comportamento da trabalhadora, traduzido na sua recusa reiterada, durante três dias seguidos, de assinar documentos, relativos a regras de condução defensiva e a jogos de qualidade, que a Ré fez circular por todos os colaboradores IV - Consubstancia violação do dever de respeitar e tratar com urbanidade e probidade o empregador – previsto na alínea a)– e do dever de cumprir as prescrições de segurança, higiene e saúde no trabalho estabelecidas nas disposições legais ou convencionais aplicáveis – previsto na alínea i) – do nº 1 do art. 121º do CT, o comportamento da mesma trabalhadora que, posteriormente aos factos mencionados, interpela o sócio gerente da empregadora, dizendo-lhe que se entendesse que a devia mandar embora o poderia fazer, e, no dia seguinte, limpando com água o piso da entrada da sede da empregadora, não colocou, para o efeito, os avisos de informação de piso escorregadio, sabendo a mesma que a falta desse aviso era grave e não respeitava as normas de segurança das instalações.

V - Os comportamentos assumidos pela trabalhadora – descritos em III e IV – justificam a aplicação da sanção de despedimento numa óptica de adequação e proporcionalidade.

VI - Afirmando o recorrente, apenas em sede de recurso de apelação, a invalidade do processo disciplinar e o seu direito ao subsídio de alimentação, por este ser pago aos demais trabalhadores da empregadora, questões estas nunca invocadas na 1ª instância, é de concluir que delas está, em consequência, o Tribunal da Relação impedido de conhecer, não sendo as mesmas de conhecimento oficioso.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Reg. nº 1479.

Proc. nº 379/09.9TTMAI.

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: 1, B………. intentou, em 14.05.2009, a presente acção, com processo comum, contra C………., Lda., pedindo se declare a ilicitude do seu despedimento e, consequentemente, condenada a Ré a indemnizá-la na quantia de € 3.000,00, acrescida das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial e, ainda, a pagar-lhe a quantia global de € 13.392,24, tudo, acrescido dos juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese, que, em 15 de Julho de 2002, por contrato de trabalho a termo certo, com a duração de 6 meses, foi admitida ao serviço da Ré, com a categoria profissional de servente de limpeza, auferindo um vencimento mensal de € 450,00 ilíquidos, nunca lhe pagando a Ré qualquer subsídio de alimentação.

Por carta, datada de 10 de Fevereiro de 2009, a Ré moveu-lhe um processo disciplinar com base nos fundamentos indicados na nota de culpa, à qual respondeu, contestando integralmente as acusações formuladas e respectivos fundamentos.

Por carta, datada de 5 de Março de 2009, recebe nova nota de culpa da Ré, em que esta lhe comunica a intenção de proceder ao seu despedimento com justa causa, com base nos fundamentos indicados na mesma e à qual também respondeu, contestando integralmente as acusações formuladas e respectivos fundamentos, acabando por ser despedida, por carta datada de 1 de Abril de 2009, na sequência desse procedimento disciplinar.

Para além disso diz que, desde Dezembro de 2007, altura em que foi vítima de um acidente de trabalho, a Ré tinha intenção de a despedir: a Ré recusou comunicar tal sinistro à companhia de seguros, o que a levou a recorrer ao médico de família com vista a obter baixa médica e, após ter regressado à actividade laboral, a Ré constantemente a "perseguiu".

O seu despedimento é ilícito, porque assenta em motivos justificativos inexistentes, e mesmo que se considerem provados os factos descritos na nota de culpa, sempre a sanção disciplinar de despedimento seria excessiva face à culpa, gravidade e consequência do seu comportamento.

+++ A Ré contestou, alegando em suma, que o CCT aplicável ao sector da sua actividade não prevê o pagamento por parte das entidades patronais aos trabalhadores de qualquer valor a título de subsídio de refeição.

No que respeita ao processo disciplinar, defende que o despedimento é perfeitamente lícito, por se terem comprovado os factos constantes da nota de culpa, pois a Autora violou de forma constante e reiterada as regras de certificação da empresa Ré.

Acrescenta que a Autora não sofreu qualquer acidente de trabalho em Dezembro de 2007, sendo ainda falso que se tivesse negado a comunicar o alegado sinistro à Companhia de Seguros, sendo certo que aquela esteve de baixa médica de Dezembro de 2007 a Marco de 2008 por doença natural.

+++ Foi proferido o despacho saneador, seleccionada a matéria de facto assente e elaborada a base instrutória, com reclamação da Ré, totalmente atendida.

+++ Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi, posteriormente, proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente, condenando a Ré a pagar à Autora a quantia de € 1.282,50, referente aos três dias do salário do mês de Abril de 2009, férias e subsídio de férias de 2008, proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal de 2009.

No demais, foi a Ré absolvida.

+++ Inconformada com esta decisão, dela recorreu a Autora, formulando as seguintes conclusões: A- Do Processo disciplinar movido pela Ré, que culminou com o despedimento com justa causa da A.

  1. Salvo melhor opinião, não nos parece plausível, que os factos apurados no processo disciplinar e confirmados no decurso do presente pleito, devam ser motivo mais que suficiente para a Recorrida perpetrar o despedimento com justa causa da A., aqui recorrente.

  2. O art. 396º, nº 1, do C. Trabalho de 2003 recuperou integralmente o conceito de justa causa que constava do pretérito art. 9º, n.º 1, da LCCT, pressupondo para o efeito a verificação de dois requisitos cumulativos: 3. Um comportamento culposo do trabalhador violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, que seja grave em si mesmo e nas suas consequências, 4. Um nexo de causalidade entre esse comportamento e a impossibilidade da subsistência da relação laboral, reconduzindo-se esta à ideia da "inexigibilidade da manutenção vinculística".

  3. Exige-se para a verificação do segundo requisito uma "impossibilidade prática", com necessária referência ao vínculo laboral em concreto, e "imediata", no sentido de comprometer, desde logo e sem mais, o futuro do contrato.

  4. São critérios de apreciação da justa causa: o grau de lesão dos interesses do empregador – em que, sem embargo da previsão específica da alínea e) do n.º 3 do art. 396.º, não se exige a verificação de danos –, o carácter das relações entre as partes e entre o visado e demais trabalhadores e todas as outras circunstancias que relevem ao caso, a aferir no contexto da gestão da empresa (art. 396.º, n.º 2 do Código do Trabalho).

  5. Ao trabalhador assiste a faculdade de exprimir livremente as suas opiniões e críticas, mas impõe-se que tal direito seja exercido com respeito pelos deveres que para ele emergem do vínculo laboral, nos termos das obrigações contratualmente assumidas e da própria lei.

  6. A noção de justa causa de despedimento prevista no n.º 1 do art. 396.º do Código do Trabalho exige a verificação cumulativa de 2 requisitos: 9. Um comportamento ilícito e culposo do trabalhador, violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, grave em si mesmo e nas suas consequências; 10. Que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.

  7. Existe a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre o empregador e o trabalhador, susceptível de criar no espírito do primeiro a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral.

  8. Face à estrutura e princípios que regem os termos do processo disciplinar e a acção de impugnação de despedimento constantes do Código do Trabalho e aos princípios gerais do ónus da prova, constantes do Código Civil, cabe ao empregador, na acção de impugnação judicial do despedimento, a prova dos factos constantes da decisão de despedimento, isto é, integradores da respectiva justa causa.

  9. O empregador não está onerado com a prova de factos alheios à justa causa que invocou, nomeadamente com a prova dos invocados pelo trabalhador, tenham ou não sido por este alegados no processo disciplinar.

  10. O dever de lealdade previsto no Código do Trabalho, tem um alcance normativo que supera os limites do sigilo e da não concorrência, impondo ao trabalhador que aja, nas relações com o empregador, com franqueza, honestidade e probidade, em...

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