Acórdão nº 638/09.0 PBFIG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Novembro de 2010

Magistrado ResponsávelELISA SALES
Data da Resolução17 de Novembro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I - RELATÓRIO O Ministério Público veio interpor recurso da sentença que condenou o arguido V... pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, n.º 1 do CP, na pena de 140 dias de multa, à razão diária de € 7,00 e, ainda no pagamento à demandante F... da quantia de € 500,00 a título de danos não patrimoniais.

E, da respectiva motivação extraiu as seguintes conclusões: 1- Ao condenar o arguido pelo crime de ofensa à integridade física p. e p. pelo art. 143°, n.º 1, do Cód. Penal, entendeu a sentença recorrida que a conduta do arguido não revestiu suficiente gravidade para integrar o crime de violência doméstica que era imputado na acusação ao arguído (cf. art. 152º, n.º 1, do Cód. Penal).

2- Entendeu ainda a sentença recorrida que o tipo legal de crime de violência doméstica exige uma gravidade intrínseca suficiente para contender com o bem jurídico tutelado, uma especial violência, 3- E que a conduta do arguido - desferiu duas bofetadas na cara à mãe dos seus filhos, na rua, à frente de terceiros, por causa de uma discussão relacionada com a filha, vítima essa que é Professora Universitária - não reveste tal gravidade.

4- Porém, ao interpretar os factos assim, qualificou-os a sentença recorrida erradamente, pois estamos perante a autoria material, sob a forma consumada, de um crime de violência doméstica p. e p. pelo art. 152°, n.º 1, do Cód. Penal.

5- Neste tipo legal de crime não se exige qualquer intensidade da conduta, como chegou a constar do Projecto de Lei, bastando um acto isolado, uma ofensa psíquica - a maioria, aliás, dos maus-tratos conjugais.

6- Termos em que a sentença deve ser alterada, condenando-se o arguido pelo crime de violência doméstica p. e p. pelo art. 152°, n.º 1, do Cód. Penal e em pena que reflicta este novo enquadramento penal e esta diferente perspectiva dos factos.

*O arguido respondeu, defendendo a improcedência do recurso.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer acompanhando o Ministério Público da 1ª instância, concluindo, assim, pela condenação do arguido pela prática do crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1 do CP, por que se encontrava acusado.

Os autos tiveram os vistos legais.

*** II- FUNDAMENTAÇÃO Consta da sentença recorrida (por transcrição): “ a) Factos provados 1. O arguido V… e a ofendida F… viveram em condições análogas às dos cônjuges durante cerca de 14 anos, em Buarcos, Figueira da Foz, partilhando, durante este período temporal, habitação, mesa e leito, tendo a sua coabitação terminado no final do mês de Setembro de 2008; 2. O arguido e a ofendida têm dois filhos em comum: I..., nascida a 12/09/1997, e T..., nascido a 03/11/2004; 3. No dia 22/07/2009, pelas 09H00, quando o arguido foi a casa da ofendida, sita na Rua …, em Buarcos, para levar a filha I... para passar férias com uma tia em Itália, como havia sido combinado pelos dois, gerou-se uma discussão entre ambos, junto às escadas de acesso àquela casa; 4. Durante a discussão o arguido abeirou-se da ofendida e desferiu-lhe duas bofetadas na cara; 5. Na sequência destes factos a ofendida sofreu dores, incómodos físicos, desgosto, vergonha, humilhação, nervosismo e constrangimento; 6. Agiu sempre o arguido de forma livre e voluntária, com plena consciência de que não lhe era permitido atingir a integridade física da mãe dos seus filhos, submetendo-a a violência física; 7. O arguido actuou sempre com a intenção concretizada de atingir a ofendida na respectiva integridade física; 8. Ao proceder assim, bem sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei; 9. O arguido tem uma licenciatura e aufere cerca de € 1.000,00 mensais como engenheiro de electrónica, por conta própria e ao serviço da empresa SG …, reside na casa pertencente a si e à ofendida, suportando mensalmente o pagamento de cerca de € 500,00 na amortização de um empréstimo bancário contraído para aquisição daquela casa e € 200,00 a título de pensão de alimentos, relativamente aos dois filhos e faz as refeições do almoço e jantar em casa dos pais; 10. O arguido é considerado, na comunidade onde vive, uma pessoa bem-educada, calma, sensata, respeitadora e um pai responsável e preocupado com os seus filhos; 11. O arguido não tem antecedentes criminais; 12. Em consequência dos factos acima descritos, por não se sentir capaz de conduzir o seu veículo automóvel, a assistente pediu a uma amiga para a levar a uma reunião à Universidade de Aveiro, onde é professora, e para a trazer de regresso à Figueira da Foz; 13. A assistente chegou atrasada a esta reunião de trabalho e teve que justificar a demora ao seu superior hierárquico, contando-lhe os factos ocorridos nesse dia; 14. A assistente é pessoa educada, sendo respeitada pelos colegas de trabalho e pelos seus alunos; 15. A assistente não cumpriu o prazo para entrega de tese de doutoramento na Universidade do Minho; b) Factos não provados - No decurso dessa discussão o arguido dirigiu-se à ofendida apelidando-a de ‘puta”, ‘”vaca”, e acusando-a de “andar com todos e levar na cona de todos”, afirmando também que o advogado da ofendida era um palhaço e que lhe iria tirar os filhos; - O arguido deu um murro no ouvido da ofendida, só tendo parado as agressões porque esta fugiu e se refugiou na sua casa; - A ofendida sofreu desgosto e medo tendo as agressões causado instabilidade emocional que se reflectiu na sua vida; - O arguido actuou sempre com a intenção concretizada de atingir a ofendida na respectiva saúde psíquica, bem como de lesar a sua integridade moral e dignidade pessoal, com plena consciência de que não lhe era permitido atingir a integridade psíquica da mãe dos seus filhos, submetendo-a a violência psíquica, humilhando-a e fragilizando-a publicamente; - Após a ocorrência dos factos praticados pelo arguido na pessoa da ofendida, esta viu agravada a depressão emocional, doença de que já estava quase curada; - Como tal situação se foi agravando, a...

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