Acórdão nº 150/07.2TBVGS.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Novembro de 2010

Magistrado ResponsávelÁLVARO RODRIGUES
Data da Resolução18 de Novembro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I-Por acidente, para efeitos de contrato de seguro, deve entender-se «o acontecimento de natureza fortuita, súbita e imprevisível, exterior à vontade da vítima ou ao funcionamento do bem danificado, susceptível de fazer actuar as garantias do contrato de seguro» ( Rui Andrade, Vocabulário de Seguros, 2001, Instituto do Consumidor, pg. 10).

II- O acidente de caça há-de ser um acontecimento de natureza fortuita, súbita e imprevisível, ocorrido no exercício da caça, um acontecimento danoso emergente de porte, uso ou transporte de arma de fogo, legalmente classificada como de caça ou desencadeado por qualquer outro meio de caça directamente relacionado com o exercício venatório.

III- Impõe-se, portanto, uma conexão directa entre o meio de caça utilizado (arma de fogo, armadilha ou qualquer outro meio de perseguição, de captura ou de abate de espécie cinegética, susceptível de lesar a integridade física ou a vida das pessoas ou de danificar bens) e o resultado danoso ocorrido.

IV- Não basta, por isso, que tenha ocorrido um acidente em terreno de reserva de caça ou em que intervenha um cão de caça, para qualificar tal acontecimento como acidente de caça.

V- Não há aqui qualquer semelhança da situação sub judicio com o acidente in itinere a que se refere a alínea a) do artº 285º do Código do Trabalho (anteriormente regulado pela Lei nº 100/97, de 13 de Setembro – Lei dos Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais).

VI- Com efeito, a extensão do regime jurídico da sinistralidade laboral aos acidentes ocorridos no trajecto de ida para o local de trabalho ou de regresso deste, os denominados «acidentes de trabalho in itinere» (do latim, iter, itineris = caminho, trajecto) resultou da expressa vontade do legislador que o consagrou expressamente na lei, sendo fruto da evolução sócio-económica e política do Direito de Trabalho, sedimentado pelas lutas laborais, desde a Revolução Industrial até aos nossos dias, como emerge da lição da História Universal.

Decisão Texto Integral: Acordam no SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: RELATÓRIO AA e BB, intentaram, no Tribunal Judicial da comarca de Tabuaço, a presente acção com processo ordinário, contra CC Seguros, SA, pedindo que se declare «que o acidente que vitimou mortalmente o marido e pai dos AA não estava excluído do âmbito das coberturas do contrato de seguro de vida que ele tinha celebrado com a R., ser esta condenada a assumir todas as responsabilidades decorrentes desse mesmo contrato e nele previstas para o caso de morte, nomeadamente o pagamento do capital seguro de 100.000€ (cem mil euros) acrescido de juros de mora à taxa legal desde 23 de Outubro de 2006, até efectivo pagamento, sendo tal pagamento efectuado à CC do Vale do Távora, até ao montante em débito do empréstimo supra referido e o remanescente destinado aos AA, com as demais consequências.».

Alegam, em síntese, que a 1ª A., como cônjuge sobreviva, e o 2º A., como filho, são os únicos e universais herdeiros de BB.

Em meados de 2006 o referido BB celebrou com a R. um contrato de seguro individual de acidentes pessoais, que tinha como cobertura a morte ou invalidez permanente por um capital de 100.000€. O marido da Autora AA e pai do A. BB faleceu em 22 de Outubro de 2006, em consequência de afogamento num poço. A R. recusa-se a efectuar o pagamento por entender que a morte resultou de um acidente ocorrido na caça e ninguém informou o falecido que era necessária uma cobertura especial para a actividade venatória.

Alegam ainda que não se tratou de um acidente de caça, embora tenha acontecido num dia em que tinha ido caçar, tendo morrido afogado ao tentar salvar um cão que tinha caído a um poço, quando já estava de regresso a casa.

A R contestou, arguindo a nulidade do contrato de seguro, na medida em que o falecido declarou que não praticava desporto, sendo caçador, prestando assim falsas declarações o que leva à nulidade do seguro ou a sua anulabilidade, dado que se conhecesse as reais actividades do tomador de seguro, não teria celebrado o contrato nos termos e condições em que o fez. Sustenta ainda que o acidente resultou da prática da caça e, por isso, a sua cobertura está excluída, nos termos do art. 3º n.º2 das Condições Gerais da Apólice.

Os AA replicaram, alegando que a R. sabia que o falecido era caçador, concluindo pela improcedência da excepção arguida.

O processo prosseguiu os seus ulteriores termos e, realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgando a acção procedente, declarou que o acidente que vitimou mortalmente o marido e pai dos AA não estava excluído do âmbito das coberturas do contrato de seguro de acidentes pessoais (e não contrato de seguro de vida, como por lapso se escreveu, embora o referido contrato previsse o dano morte) que ele tinha celebrado com a Ré e, em consequência, condenou a Ré seguradora a assumir todas as responsabilidades decorrentes desse mesmo contrato e nele previstas para o caso de morte, nomeadamente o pagamento do capital seguro de € 100.000,00 ( cem mil euros) acrescido de juros de mora desde o evento lesivo (22.10.2006), até efectivo pagamento, sendo tal pagamento efectuado à CC do Vale do Távora, até ao montante em débito do empréstimo supra referido e o remanescente destinado aos AA.

Inconformada, interpôs a Ré, CC Seguros, SA, recurso de Apelação da mesma para o Tribunal da Relação do Porto que, por sua vez, julgou improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida.

Ainda inconformada, a mesma veio interpor recurso de Revista para este Supremo Tribunal de Justiça, rematando as suas alegações, com as seguintes: CONCLUSÕES l.a - Em face desta decisão, a ora recorrente não pode deixar de estar em desacordo, porquanto a mesma, se afigura injusta e insustentada na factualidade em que alegadamente se apoiou.

  1. - Provado está que o falecido, no dia 22 de Outubro de 2006, saiu de casa, com o único propósito de caçar, actividade que praticava...

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