Acórdão nº 3987/03.8TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Novembro de 2010

Magistrado ResponsávelSOUSA PEIXOTO
Data da Resolução16 de Novembro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : 1. O regime laboral comum contido na LCT e na LCCT não é aplicável aos contratos de trabalho celebrados com os treinadores profissionais de futebol, por, em alguns aspectos, nomeadamente no que diz respeito à temporalidade do vínculo, não se adequa às especificidades daquela actividade.

  1. Deve, por isso, entender-se que, nessa matéria, existe uma lacuna legislativa, por falta de regulamentação específica.

  2. Aceita-se que o regime do contrato de trabalho do praticante desportivo possa ser aplicável, por analogia, nos termos do art.º 10.º do C.C., aos contratos de trabalho dos treinadores profissionais, como este Supremo Tribunal tem vindo a decidir, mas, logicamente, essa aplicação analógica só terá lugar relativamente aos aspectos em que o contrato de trabalho seja omisso.

  3. Na falta de regulamentação legal expressa, nada obsta a que as partes fixem livremente o conteúdo do contrato e neles insiram as cláusulas que lhes aprouver, uma vez que o princípio da liberdade contratual consagrado no art.º 405.º do Código Civil o permite.

  4. Deste modo, nada obstava a que o autor e os réus tivessem celebrado, como celebraram, diversos contratos de trabalho a termo certo, o que torna os contratos perfeitamente autónomos entre si.

  5. E, nessa lógica, era perfeitamente lícito aos réus fazer cessar a relação laboral que, desde 1.8.1989, vinham mantendo com o autor, invocando a caducidade da mesma para o termo, em 30.6.2003, do último dos contratos que com ele tinham celebrado, não se verificando, por isso, uma situação de despedimento.

    Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça 1. Relatório Na presente acção, proposta no Tribunal do Trabalho de Lisboa, por AA contra o BB e a CC, …, o autor pediu que fosse decretada a “nulidade” do despedimento de que diz ter sido alvo por parte da segunda ré, em 30 de Junho de 2003, e que as rés fossem solidariamente condenadas a pagar-lhe, nos termos e montantes que referiu: (i) as prestações salariais vencidas e vincendas desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão; (ii) a indemnização de antiguidade, sem prejuízo de ele poder vir a optar pela reintegração no seu posto de trabalho; (iii) a indemnização pela violação do direito às férias vencidas em 1 de Janeiro de 2003; (iv) a retribuição de férias, de subsídio de férias e de Natal referentes ao ano da cessação do contrato (proporcionais); (v) e os juros moratórios vencidos e vincendos.

    Em resumo, o autor alegou que foi admitido ao serviço do primeiro réu, o BB, ao abrigo de um contrato de trabalho a termo, com início em 1.8.89 e termo em 31.7.91, para exercer as funções de treinador de futebol das equipas mais jovens, no exercício dessas funções se mantendo, de forma ininterrupta, desde então até 30 de Junho de 2003, devendo a relação laboral ser considerada sem termo – por ser nula a estipulação do termo aposta no referido contrato e nos outros dez que posteriormente vieram a ser celebrados entre o autor e os réus e por ao caso não ser aplicável o Contrato Colectivo que, em 9 de Novembro de 1996, veio a ser celebrado entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol, pelo facto do mesmo contrariar o disposto no regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT) – e a sua cessação, levada a cabo pela segunda ré, a CC, …, configurar um despedimento ilícito, por inexistência de procedimento disciplinar prévio.

    Na contestação conjunta que apresentaram, os réus requereram a intervenção acessória da Federação Portuguesa de Futebol, da Liga Portuguesa de Futebol Profissional e da Associação Nacional dos Treinadores de Futebol e pugnaram pela total improcedência da acção, sustentando, em resumo, a autonomia dos contratos de trabalho a termo celebrados com o autor, a validade do termo neles aposto e a aplicação do CCT celebrado entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol (ANTF), publicado no BTE 1.ª série, n.º 27, de 22.7.97, com Portaria de Extensão publicada no BTE 1.ª série, n.º 37, de 8.10.97, aos contratos outorgados a partir da época desportiva de 97/98, e, subsidiariamente, invocaram a prescrição dos créditos referentes aos contratos celebrados a partir de 1998 e o abuso do direito, quer na modalidade de venire contra factum proprium, quer na modalidade de supressio.

    Na resposta à contestação, o autor insistiu na tese de que o regime jurídico aplicável era o regime laboral comum e não o contido no aludido CCT e na falta de autonomia dos contratos, pois o que com eles se pretendeu foi dar continuidade à relação laboral iniciada em 1989, e defendeu a improcedência das excepções invocadas pelos réus, bem como o indeferimento do incidente de intervenção acessória por aqueles requerida.

    A intervenção acessória foi indeferida por despacho de fls. 181-184 que foi objecto de recurso de agravo a que o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento.

    No despacho saneador, relegou-se para final o conhecimento das excepções da prescrição e do abuso do direito, seleccionou-se a factualidade tida como assente e procedeu-se à elaboração da base instrutória.

    Realizado o julgamento, com gravação da prova, e dadas as respostas aos quesitos, foi, posteriormente, proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente, com base, resumidamente, na seguinte argumentação: - com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 305/95, de 18 de Novembro, que aprovou o contrato de trabalho do praticante desportivo, a relação laboral em apreço nos autos, iniciada em 1 de Agosto de 1989, deixou de ser regulada pelo regime laboral comum, passando a ser-lhe aplicável, por analogia, o regime contido naquele Decreto-Lei, razão pela qual o primeiro contrato celebrado após a entrada em vigor daquele diploma passou a ser “incontestavelmente pelo prazo nele mencionado e assim sucessivamente até ao último contrato celebrado”, sendo que o primeiro contrato celebrado depois do início de vigência do CCT também se passou a reger pelo referido instrumento de regulamentação colectiva, razão por que a comunicação da caducidade do último contrato celebrado não constitui, face à validade daquele contrato, um despedimento ilícito; - o autor não tem direito à reclamada indemnização por violação do direito a férias vencidas em 1.1.2003, por não se ter provado que os réus tivessem obstado ao gozo das férias; - o autor não tem direito aos proporcionais de férias e de subsídios de férias e de Natal referentes ao ano da cessação do contrato, dado que tais prestações lhe foram pagas.

    No que toca à prescrição e ao abuso do direito, a sentença não emitiu qualquer pronúncia acerca daquelas questões.

    Inconformado, o autor interpôs recurso da sentença, por continuar a entender que à relação laboral em apreço era aplicável a LCCT e não o DL n.º 305/95 nem o CCT celebrado entre a LPFP e ANTF, e por considerar que o M.mo Juiz tinha violado o disposto no art.º 12.º, n.º 1, do Código Civil.

    Fê-lo, todavia, sem sucesso, já que o Tribunal da Relação confirmou a sentença, por ter entendido que o regime jurídico aplicável à relação laboral em causa era o do contrato de trabalho do praticante desportivo e do contrato de formação desportiva, aprovado pela Lei n.º 28/98, de 26 de Junho.

    Mantendo o seu inconformismo, o autor interpôs o presente recurso de revista, tendo concluído as respectivas alegações da seguinte forma: I. Como questão prévia e considerando que nas anteriores instâncias se partiu do pressuposto errado de o Recorrente ser um treinador da área profissional, é, desde já, de notar que o Recorrente, ao longo dos quinze anos de serviços prestados para o BB, sempre foi um treinador de futebol da área de formação.

    1. A sua carreira não estava, assim, dependente ou condicionada pelos resultados das equipas que treinava e da sua classificação no final de cada época.

    2. O Recorrente fazia um trabalho de continuidade, de formação física e psicológica dos jovens que tinha a seu cargo e que acompanhava desde tenra idade até à adolescência. O Recorrente, enquanto treinador de futebol da área de formação, desempenhava uma tarefa em tudo idêntica à de um Professor, formando as crianças que tinha ao seu cuidado, para que estas viessem a ser jogadores profissionais de futebol.

    3. Assim, ao contrário do treinador da área profissional, que tem objectivos época a época, o treinador da área de formação tem objectivos de longo curso, de formação dos jovens integrados nas equipas jovens dos clubes de futebol.

    4. Salvo o devido respeito por douta opinião em contrário, no douto Acórdão recorrido está patente (i) um erro na determinação da norma aplicável: foi aplicada a Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, que estabelece o regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo e do contrato de formação desportiva, quando deveria ter sido aplicado o Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro (doravante LCCT) e o Decreto-Lei 49 408 de 24 de Novembro de 1969 (doravante LCT) e (ii) foi violada a norma jurídica resultante do artigo 12.º, n.º 1 e n.º 2, do Código Civil.

    5. Efectivamente, entenderam os Venerandos Desembargadores que no presente caso existia uma lacuna da lei que lhes permitia recorrer ao disposto na Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, para resolver o caso sub judice e, assim, considerar legítimo o despedimento sem justa causa de um trabalhador com quinze anos de antiguidade.

    6. Incorreram, salvo o devido respeito, em manifesto erro, uma vez que entre o Recorrente e o Recorrido BB foi instituída em 1 de Agosto de 1989 uma relação individual de trabalho, a qual tinha e manteve ao longo da sua duração, até 30 de Junho de 2003, perfeito cabimento na definição que nos é dada no artigo 1.º da LCT de contrato de trabalho.

    7. Assim...

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