Acórdão nº 087674 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Fevereiro de 1997 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelRIBEIRO COELHO
Data da Resolução25 de Fevereiro de 1997
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acórdão n.º 7/97 SUMÁRIO: O tribunal não pode, nos termos do artigo 661.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, quando condenar em dívida de valor, proceder oficiosamente à sua actualização em montante superior ao valor do pedido do autor.

Processo 87674 - 1.ª Secção. - Acordam, em plenário, os juízes que compõem as secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça: A e mulher, B, recorrentes na revista n.º 86047 da 2.ª Secção deste Supremo Tribunal de Justiça, onde figurava como recorrida C, representada por D, não se conformaram com o acórdão aí proferido em 2 de Março de 1995 e dele interpuseram este recurso para o tribunal pleno, ao abrigo do disposto nos artigos 763.º e seguintes do Código de Processo Civil, invocando achar-se em oposição, relativamente à mesma questão fundamental de direito, com o decidido no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça proferido em 3 de Maio de 1990 na revista n.º 77920 da 1.ª Secção.

Opuseram-se à procedência do recurso os recorridos, que defenderam não existir a referida oposição; no entanto, a existência desta, ocorrida no domínio da mesma legislação, foi reconhecida já no acórdão preliminar proferido a fls. 41 e seguintes.

Seguidamente as partes alegaram - opinando os recorrentes no sentido da emissão de assento estabelecendo a natureza modal da cláusula que é centro da controvérsia e a recorrida em sentido oposto - e houve parecer do Exmo. Procurador-Geral-Adjunto no sentido de que se uniformizasse a jurisprudência nos seguintes termos: «1 - A doação pura, feita a pessoa que não tem capacidade para contratar, produz efeitos independentemente de aceitação, em tudo que aproveite ao donatário.

2 - É uma doação pura a que contém uma cláusula de reserva segundo a qual um doador estabelece a favor de terceiro o direito a receber vitaliciamente as rendas ilíquidas do bem doado, ficando os encargos daí resultantes a cargo desse terceiro.» Colhidos os vistos legais, cumpre decidir - com a ressalva de que, tal como já foi dito no acórdão preliminar, este recurso, dado o disposto no artigo 17.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, se destina à resolução, em concreto, do conflito existente, ficando também a valer como uniformização de jurisprudência, nos termos dos artigos 732.º-A e 732.º-B do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo mesmo decreto-lei.

Não sofre dúvidas, de facto, a existência da oposição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito. Ambos os acórdãos - recorrido e fundamento - debruçaram-se sobre a mesma cláusula inserta numa escritura outorgada em 9 de Janeiro de 1970 pela qual foi feita uma doação por E a sua filha C e divergiram sobre se essa cláusula continha um encargo modal - ideia abraçada pelo acórdão fundamento - ou se, pelo contrário, era uma obrigação pura por a prestação que nela se impugna à donatária assumir, antes, a natureza de uma reserva - orientação seguida pelo acórdão recorrido.

Assim, não havendo divergências sobre aquilo que foi o objectivo do doador ao estipular a mencionada cláusula, a divergência registada naqueles acórdãos não respeita tanto à interpretação da cláusula - como pretendeu a recorrida ao responder neste recurso - como, ao contrário, à sua qualificação jurídica, que, consoante o entendimento adoptado, se reconduziu num caso, e noutro não, à previsão do artigo 963.º do Código Civil - ao qual pertencerão as disposições legais que doravante vierem a ser mencionadas sem outra indicação -, estando em jogo, essencialmente, a interpretação deste normativo.

O presente recurso emerge de acção declarativa pela qual a ora recorrida pediu a condenação dos ora recorrentes a reconhecerem que havia caducado o arrendamento do 5.º andar direito do prédio urbano sito na Avenida de 5 de Outubro, 12 a 12-G, em Lisboa, e entregarem-lho imediatamente, devendo ainda pagar-lhe a indemnização de 500000 escudos mais 50000 escudos mensais desde Agosto de 1985 até efectiva entrega. E, sendo a acção contestada no sentido da sua improcedência, houve ainda reconvenção em que foi pedida a quantia de 5150000 escudos a título de indemnização por benfeitorias.

Na 1.ª instância foi proferido saneador-sentença em que se julgou improcedente a acção, com absolvição dos reús do pedido, e estar prejudicado o pedido reconvencional; a decisão assentou em que, carecendo a doação do prédio a favor da autora de ser aceite pela sua representante legal com autorização do tribunal, e não tendo isso sucedido, aquela doação não produziu quaisquer efeitos.

A Relação alterou o decidido, o que foi confirmado pelo acórdão agora recorrido.

A factualidade para tanto considerada foi a seguinte: 1) Por escritura pública de 9 de Janeiro de 1970 E, reservando para si o usufruto vitalício, doou à ora recorrida C a nua-propriedade do prédio urbano sito na Avenida 5 de Outubro, 12 a 12-G, em Lisboa; 2) Clausulou-se que se o doador falecesse primeiro que sua mulher, D a donatária teria de entregar a esta, a título de renda vitalícia, o rendimento total e ilíquido do prédio; 3) Por sentença de 11 de Julho de 1970 foi decretada definitivamente a interdição da donatária e nomeada tutora a aludida D, sua mãe; 4) Por sentença de 14 de Dezembro de 1972 foi decretado o divórcio entre os referidos D e E; 5) Por acordo de 25 de Agosto de 1975 o referido E deu de arrendamento ao ora recorrente o 5.º andar direito do mesmo prédio; 6) Não foi pedida autorização judicial para aceitação da doação; 7) A tutora, por procuração notarial de 24 de Outubro de 1984, constitui mandatária F, conferindo-lhe os poderes legais que tem como tutora e de livre e geral administração.

Importa tomar conhecimento da cláusula em referência, aposta na escritura de doação pela qual o doador doou à sua filha o prédio urbano situado na Avenida de 5 de Outubro, 12, em Lisboa, reservando para si o usufruto vitalício do mesmo.

Dela consta que a doação era feita nos seguintes termos: «[...] com a cláusula modal de que, na hipótese de ele falecer primeiro que sua mulher, a donatária sua filha C, a título de renda vitalícia, terá de entregar a sua mãe, e enquanto ela for viva, o rendimento total e ilíquido do prédio cuja raiz acaba de ser doada, cujos encargos nessa hipótese ficarão a cargo da segunda outorgante. Se a representante legal de sua filha C for sua aludida mãe, esta cobrará os mesmos rendimentos como bens seus para todos os efeitos legais. Sobrevivendo ele a sua mulher, a liberalidade agora feita a favor de sua filha C prevalecerá como doação pura. Sua filha C, devido a certa anomalia psíquica, não está em situação jurídica de aceitar a doação da raiz do prédio da Avenida de 5 de Outubro, 12 a 12-G, tornejando para a Avenida da Praia da Vitória, 77 e 79, desta cidade de Lisboa, e em face da cláusula modal que ele doador estipulou é agora inaplicável o n.º 2 do artigo 951.º do Código Civil, por isso, a autorização para a aceitação da doação vai ser solicitada ao tribunal competente nos termos dos artigos 139.º e 140.º do Código Civil.» A circunstância de esta cláusula haver sido, expressamente, autoqualificada de modal não resolve, como é evidente, a questão, sabido, como é, que o tribunal é livre no que toca à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito - artigo 664.º do Código de Processo Civil.

Importa, pois, apurar o que é uma doação com cláusula modal e o que são as reservas apostas a uma doação, afigurando-se útil, a este propósito, fazer um breve panorama dos mecanismos legais contidos no Código Civil e com reflexo no conteúdo deste contrato.

I - A doação é definida no artigo 940.º como «o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberdade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente».

Ao falar na...

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