Acórdão nº 087641 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Outubro de 1996 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelLOPES PINTO
Data da Resolução15 de Outubro de 1996
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: A e mulher B, e C e mulher D, com os sinais dos autos, interpuseram recurso para o Tribunal Pleno do acórdão deste Supremo proferido em 1 de Fevereiro de 1995, no processo 84550 - 1. Secção - que movem a E e mulher F, Companhia de Seguros G, E.P., e Região Autónoma da Madeira, por o terem como lavrado em oposição com o acórdão deste Supremo proferido em 9 de Dezembro de 1993, publicado na CJSTJ I/3/174 e segs. Por seu acórdão de 5 de Dezembro de 1995, verificou este Supremo a oposição de decisões e definiu a questão fundamental - "o disposto no artigo 661 n. 1 do CPC proibe ou não uma condenação por dívida de valor em montante superior ao pedido, quando esse excesso resulte da sua actualização?" Pontos de partida comuns a ambos os acórdãos em oposição - a actualização oficiosa da dívida de indemnização e sua qualificação como de valor. Alegando, defendem os recorrentes a revogação do acórdão recorrido (considerando que o artigo 661 n. 1 do CPC constitui uma regra de proibição absoluta, não admitiu uma actualização que excedesse o montante do pedido - a ressalva a fazer impõe-se àquela regra), resolvendo-se o conflito no sentido do acórdão fundamento (este admitiu-a). Por seu turno, os recorridos pugnam pela manutenção do acórdão recorrido. Em seu douto parecer, pronunciou-se o Ministério Público naquele sentido - "não viola o disposto no artigo 661 n. 1 do Código de Processo Civil uma condenação por dívida de valor em montante superior ao pedido, quando esse excesso resulte da actualização monetária". Colhidos os vistos. Decidindo: 1 - Mantêm-se os pressupostos requeridos no artigo 763 do CPC, cuja ultravigência já foi reconhecida por este Alto Tribunal para os recursos pendentes à entrada em vigor do artigo 17 do diploma que aprovou a nova redacção do CPC, Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro - distribuído em 3 de Janeiro de 1996 (acórdão de 9 de Janeiro de 1996, processo 88196, 1. Secção), como é o caso dos autos. 2 - Uma das traves mestras do nosso processo civil declaratório é o princípio dispositivo pelo qual as partes dispõem do processo, como da relação jurídica material (Manuel de Andrade in Noções Elementares de Processo Civil, p. 347). Corolários deste princípio são, entre outros, a necessidade de impulso processual (CPC - artigo 264, n. 1), quer o inicial quer o subsequente, e a correspondência entre o requerido e o pronunciado, expressão de Calamandrei, ut M. de Andrade (op. cit., p. 348), sem esquecer a necessária relação entre a causa de pedir e o pedido (Vaz Serra in RLJ 109/314) exigida pelo disposto nos artigos 193 n. 2 alineas a) e b) e 498 n. 4 do CPC. O princípio do pedido, como se pronunciou este Supremo Tribunal (vd. ac. de 3 de Junho de 1993 in B. 428/562), é um princípio axial que atravessa todo o processo civil e se manifesta em diversos preceitos do CPC (designadamente os artigos 3 n. 1, 193 n. 2 alínea a), 467 n. 1 alínea d), e 661 n. 1) e se impõe a todos os tribunais independentemente do seu grau hierárquico. O artigo 661 n. 1 do CPC, ao dispor que "a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir", consagra a velha máxima ne eat judex ultra vel extra petita partium. Desta disposição apenas interessa aqui o limite estabelecido no aspecto quantitativo. Este limite afirma-se quanto ao valor global e não quanto ao parcial correspondente a cada uma das várias parcelas em que o quantum pedido se possa decompor. Ambos os acórdãos tiveram a dívida de indemnização como dívida de valor e, como tal, subtraída ao princípio nominalista do artigo 550 do CC mas passível de correcção monetária (artigo 551 do CC), e decidiram a sua actualização, conquanto não pedida, ex officio pois. Enquanto no acórdão fundamento essa actualização ultrapassou quantitativamente o pedido, no acórdão recorrido negou-se essa possibilidade - embora, por força da intangibilidade do acórdão da Relação (os réus dele não interpuseram revista quanto ao segmento que naquele os condenava em montante superior - 23860000 escudos - ao pedido - 17460270 escudos), tivesse de aceitar um certo "excesso", revogou, no restante, o acórdão da Relação a fixar o valor de 28000000 escudos. Pedido é a pretensão do autor (artigo 467, n. 1 alínea d) do CPC), "é a enunciação da forma de tutela jurisdicional pretendida pelo autor e do conteúdo e objecto do direito a tutelar", "o direito para que ele solicita ou requer a tutela judicial e o modo por que intenta obter essa tutela (a providência judiciária requerida)" - aut. e op. cit., p. 107. O autor, ao concluir a sua petição (isto sem prejuízo da sua posterior modificabilidade, em sentido amplo, onde e quando for admitida), deve formular o pedido, "dizer com precisão o que pretende do tribunal - que efeito jurídico quer obter com a acção" (A. Varela in Manual de Processo Civil, p. 245, nota 1). A este se refere expressamente o artigo 498 n. 3 do CPC. Sem pedido não existe requisição da tutela jurisdicional para a pretensão processual individualizada, como escreveu M. Teixeira de Sousa citando Schonge-Schroeder-Niese (in BMJ 325/105). 3 - Decorre daqui que, em princípio, não pode o tribunal ultrapassar quantitativamente o pedido. Mas o tribunal conheceu oficiosamente de um facto (flutuações do valor da moeda). "Em eventualidades estritas, o tribunal pode apreciar oficiosamente matéria de facto. Os factos reconduzíveis a esta situação são os factos de conhecimento notório, aqueles que são conhecidos de uma opinião pública que os toma por indiscutíveis, e os factos de conhecimento judicial, aqueles que são conhecidos do tribunal pelo exercício da sua actividade jurisdicional" (M.T. de Sousa in BMJ 325/71). Uma tal situação, em que o tribunal se socorre do disposto no artigo 514 do CPC, autorizará uma excepção àquela regra contida no artigo 661 n. 1 do CPC (aqui, repete-se, apenas há que cuidar quanto ao limite quantitativo) e que mais não é que um mero corolário do princípio dispositivo? A. Varela afirma estar-se "numa área que constitui o núcleo irredutível deste princípio. Os tribunais são órgãos incumbidos de dirimir os conflitos reais formulados pelas partes, mas não constituem, no foro da jurisdição cível contenciosa, instrumentos de tutela ou curatela de nenhum dos litigantes" (op. cit., p. 675). Ao autor incumbe formular e definir a pretensão. É um direito que lhe assiste mas, ao mesmo tempo, é um ónus que sobre si impende e cuja insatisfação - total ou parcial - contra si reverte. No aspecto quantitativo - e apenas a este nos termos que reportar, o credor de uma dívida de valor não necessita de indicar a importância exacta em que avalia os danos, nem o facto de ter pedido determinado quantitativo o impede, no decurso da acção, de reclamar quantia mais elevada, se o processo vier a revelar danos superiores aos que foram inicialmente previstos (569 do CC; cfr. Vaz Serra in RLJ 108/235). A actualização não corresponde a um dano no sentido em que o toma a lei civil (dano, cujo objecto é concretamente, um bem jurídico, é essencialmente, a frustração de um ou mais fins - Gomes da Silva in "O dever de prestar e o dever de indemnizar", p. 123; o dano é um mal causado a um homem através dum bem que lhe seria útil - Castro Mendes in "Do conceito jurídico de prejuízo", p. 24; dano é a perda in natura que o lesado sofreu, em consequência de certo facto, nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar, é a lesão causada no interesse juridicamente tutelado - A. Varela in Das Obrigações em Geral, I/558). É antes um desenvolvimento inerente à natureza da dívida e, como tal, o pedido formulado pode ser modificado na própria audiência de discussão e julgamento (artigo 273, ns. 2 e 3 do CPC). As partes dispõem do processo, como da...

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