Acórdão nº 11756/02 de Tribunal Central Administrativo Sul, 16 de Fevereiro de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelCristina dos Santos
Data da Resolução16 de Fevereiro de 2005
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

João ...., com os sinais nos autos, inconformado com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, dela vem recorrer concluindo como segue: 1. A fundamentação da sentença recorrida assenta no pressuposto, - que, salvo o devido respeito, o Agravante entende não estar correcto - de que os sucessivos actos de processamento de vencimentos constituem meras operações materiais e não verdadeiros actos administrativos que, não tendo sido oportunamente impugnados, se consolidaram na esfera jurídica do funcionário.

  1. Acontece, porém, que o Mm° Juiz considerou provado que "O Despacho 14/90 é claro no que respeita à aplicação transitória, precária, condicionada, da escala indiciaria da PSP, dizendo expressamente que tal escala deixará de aplicar-se, a qualquer momento, desde que seja conhecida a tabela indiciaria própria dos Bombeiros Sapadores, altura em que serão também feitos os acertos, para mais ou para menos, a que houver lugar. Ou seja, aplica-se a escala indiciaria da PSP, mas apenas enquanto não for publicada a escala dos Bombeiros, prevendo-se já que o montante achado por equiparação com a escala da PSP venha a ser corrigido para mais ou para menos de acordo com a escala que viesse a ser aprovada para os Bombeiros." (sublinhado nosso).

  2. E, ainda, que, posteriormente à entrada em vigor da tabela indiciaria própria dos bombeiros, foram praticados pela Entidade Recorrida cerca de trinta e seis actos de processamento de vencimentos, através dos quais continuou a ser aplicada ao Recorrente a tabela indiciaria própria da P.S.P..

  3. Logo, não pode o Mm° Juiz considerar que, durante os três anos subsequentes à publicação da tabela indiciaria própria dos Bombeiros Sapadores, os cerca de trinta e seis actos de processamento de vencimentos constituem meras operações materiais, quando foram actos praticados voluntariamente pela Câmara Municipal que através deles, explicitamente, decidiu continuar a aplicar aos bombeiros a escala indiciaria da P.S.P. e, assim, não cumprir o seu anterior despacho.

  4. Pelo que, cada um desses sucessivos actos de processamento de vencimentos, constituem manifestações inequívocas da vontade unilateral e autoritária da Entidade Recorrida, no sentido de manter a aplicação da tabela indiciaria da PSP aos bombeiros, mesmo já tendo sido publicada a tabela indiciaria própria.

  5. Conforme tem vindo a ser pacificamente entendido pelo Supremo Tribunal Administrativo, os actos de processamento de remunerações não constituem simples operações materiais, mas antes actos jurídicos individuais e concretos, os quais se consolidam na ordem jurídica sob a forma de caso decidido ou caso resolvido, caso não sejam tempestivamente impugnados.

  6. No caso concreto, os cerca de trinta e seis recibos de vencimento consubstanciam verdadeiros actos administrativos, que, embora ilegais no momento da sua prática (por não aplicarem a tabela indiciaria própria dos bombeiros, quando esta já estava em vigor, contrariando, igualmente, o anterior despacho n.° 14/90), viram a sua anulabilidade sanada por não terem sido revogados atempadamente, nem deles ter sido interposto recurso no prazo legal.

  7. Ora a revogação de actos inválidos só pode ser feita no mesmo prazo do respectivo recurso contencioso ou até à resposta da Entidade Recorrida, prazo esse que é de um ano nos termos do art.° 28°/n.° 1/al.c) e 47° da L.P.T.A., e 18° da L.O.S.T.A.

  8. E é este o prazo que se aplica ao caso concreto e não o prazo de cinco anos previsto no art.° 40°, n.° l, do Decreto-Lei n.° 155/92, de 28 de Julho.

  9. Sendo certo que a sanação converte o acto ilegal em acto válido desde a sua origem, tais actos (os de processamento de vencimentos), por não terem sido revogados atempadamente, nem deles ter sido interposto recurso de anulação, passaram a ser verdadeiros actos administrativos válidos.

  10. Neste sentido inequívoco, vem o parecer da Procuradoria Geral da República n.° 20/94 de 2-5-1996 publicado no DR de 7-11-1996.

  11. Ademais, saliente-se que os acertos previstos no Despacho camarário n.° 14/90, eram acertos para o futuro, sem qualquer efeito retroactivo, ou seja, que nunca implicariam nem compensações nem devoluções.

  12. Ora, o Agravante não pode deixar de aceitar e de reconhecer que, a qualquer momento, poderia (deveria) passar a ser aplicada a tabela indiciaria própria dos Bombeiros, com os acertos necessários e efeitos para o futuro.

  13. Todavia, não pode aceitar que lhe possam ser exigidas reposições de quantias resultantes do facto da Câmara Municipal de Setúbal, voluntariamente e por sua culpa exclusiva, ter mantido a aplicação da tabela indiciaria da P.S.P., aos Bombeiros Sapadores, mesmo depois de conhecida a escala indiciaria própria, não obstante o seu anterior despacho.

  14. Acresce ainda, que, salvo o devido respeito pela opinião contrária, nunca se poderá considerar o acto ora impugnado como a rectificação de manifestos erros materiais, que, ao abrigo do regime especial previsto no art.° 148° do C.P.A., poderia ser feita a todo o tempo.

  15. Aliás, porque "Só há lugar à rectificação com o regime especial deste artigo se o erro for manifesto: caso contrário, terá de seguir-se o regime geral da revogação dos actos administrativos." (cfr. anotação ao art.° 148° do "Código de Procedimento Administrativo Anotado" da autoria de Diogo Freitas do Amaral, João Caupers, João Martins Claro, João Raposo, Maria da Glória Dias Garcia, Pedro Siza Vieira e Vasco Pereira da Silva, 3a edição, pág.263).

  16. Caso assim se não entenda, o que só por mera hipótese de raciocínio se admite, a classificação dos actos de processamento de vencimentos como verdadeiros actos administrativos estaria sempre sujeita a uma dualidade de critérios que os próprios doutos Tribunais Superiores deixariam ao dispor da Administração Pública para ser utilizada a seu bel-prazer.

  17. Ou seja, quando a Administração procede a pagamentos inferiores aos devidos legalmente, a Administração em sua defesa, pode alegar, e fá-lo-á seguramente, que tais actos administrativos, porque não impugnados atempadamente, se consubstanciaram em casos decididos, e, como tal, se tomaram irrecorríveis.

  18. No caso inverso, isto é, quando procede a pagamentos superiores e convém à Administração alterar o conteúdo desses mesmos recibos de vencimento, tendo em conta que esta é a única possível autora dos mesmos, alegará que se trata de um "erro manifesto", ou "(errada) actuação material dos serviços" (como é definida pela douta sentença ora revidenda) e rectificá-lo-á, como tal, a todo o tempo.

  19. Sempre sem conceder, segundo esta teoria, a classificação .dos actos de processamento de vencimentos como verdadeiros actos administrativos, os quais, consequentemente, se consolidam na ordem jurídica sob a forma de caso decidido ou caso resolvido, caso não sejam tempestivamente impugnados, - a qual tem vindo a ser perfilhada pela jurisprudência do S.T.A. - consistiria numa "arma" da Administração pública contra os funcionários, e não numa segurança ou garantia de estabilidade como seria suposto consistir. Efectivamente, não...

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