Acórdão nº 00357/04 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 15 de Fevereiro de 2005 (caso None)
Magistrado Responsável | Casimiro Gonçalves |
Data da Resolução | 15 de Fevereiro de 2005 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
RELATÓRIO 1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença que, proferida pelo Mmo. juiz do TAF de Leiria, julgou procedente a impugnação deduzida por S... - Comércio de Pneus, Lda. e que, consequentemente, anulou a liquidação adicional de IRC e respectivos juros compensatórios do ano de 1994, no valor global de 17.317.604$00, ali em causa.
1.2. A recorrente Fazenda alegou o recurso, terminando por formular as Conclusões seguintes, ora submetidas a alíneas:
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A douta sentença proferida pelo juiz "a quo" fez incorrecto entendimento da matéria de facto, com as necessárias implicações daí decorrentes ao nível da aplicação das normas juridico-tributárias ao caso sub judicio.
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O relatório inspectivo explicita todo o percurso e raciocínio lógico cognoscitivo de forma acessível e congruente, possibilitando manifestamente ao impugnante apreender das razões que levaram às correcções, bem como dos critérios por que se guiou a inspecção tributária para atingir o apuro tributável notificado ao impugnante.
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O procedimento inspectivo mostra-se clara, suficiente e congruentemente fundamentado, à luz do exigido nos normativos fiscais aplicáveis.
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A inspecção tributária, na determinação das correcções indiciárias que posteriormente vieram a ser efectuadas, baseou-se em elementos recolhidos da vida societária da impugnante.
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A partir destes dados, foi possível apurar, através da análise comparativa dos testes de consistência efectuados e os valores declarados, que a margem bruta da actividade desenvolvida pela impugnante teria necessariamente de ser distinta da que resultava declarada pela impugnante.
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Destarte, estava verificado o pressuposto contido na segunda parte da d) do artigo 51° do CIRC, ou seja, a existência de fundados indícios de que a contabilidade da impugnante não reflectia a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido e explicitada a motivação pela qual, nos termos do artigo 81° do CPT estava impossibilitada a quantificação directa e exacta da matéria tributável.
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Sendo que, a partir da existência deste fundado indício, estava legitimado o recurso à aplicação de métodos indiciários e à sua consequente determinação, nos termos da já citada d) do artigo 51° do CIRC e 81° do CPT.
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Por tudo o que se tem vindo de firmar, forçoso será dissentir do sentido julgado pela douta sentença de que se recorre, porquanto as correcções levadas a efeito, nomeadamente por métodos indiciários, não merecem a menor censura nem ofendem os normativos jurídico-tributários aplicáveis ao caso sub judicio, sendo pelo exposto, estritamente cumpridoras da legalidade tributária a que a Administração Fiscal está vinculada.
Termina pedindo o provimento do recurso e a revogação da sentença.
1.3. A recorrida S... - Comércio de Pneus, Lda., apresentou contra-alegações, que termina formulando as Conclusões seguintes: I. Não foi correctamente cumprido o ónus de alegar e formular conclusões, relativamente à matéria de facto e de direito, com indicação das normas jurídicas violadas, o sentido com que deviam ter sido interpretadas e aplicadas e com especificação dos pontos de facto que se considera incorrectamente julgados, como se exige nos artigos 690° e 691° do Código de Processo Civil.
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A contabilidade da recorrida estava totalmente organizada, em ordem e em dia, não havendo indícios mínimos de qualquer fuga de registo dos actos patrimoniais relativos ao exercício, pelo que não se verificavam os pressupostos do então vigente artigo 51° do Código do IRC cuja aplicação é ilegal e estava vedada nas circunstâncias demonstradas.
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A douta sentença recorrida não merece qualquer censura visto que a Administração Fiscal não provou que existissem indícios de que a contabilidade da empresa recorrida não reflectia a sua exacta situação patrimonial.
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Ademais não está sequer referenciada a suspeita de que haja omissão de vendas ou contabilização de custos, que não tenham sido suportados ou contabilização de proveitos, nem a Administração Fiscal avança qualquer facto concreto que lance o descrédito sobre a contabilidade.
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Acresce que «a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real», nos termos do disposto no n° 2 do artigo 104° da Constituição da República Portuguesa.
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Cabia à Administração Fiscal comprovar de modo convincente que não era possível apurar o lucro tributável com recurso a métodos directos, o que não logrou fazer.
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Não tendo a recorrente mostrado que não era possível a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos necessários à determinação da matéria tributável pelos métodos directos utilizados pela recorrida, foi violado o regime jurídico previsto no artigo 51° do Código do IRC, na redacção coeva da acção inspectiva.
Termina pedindo a confirmação do julgado.
1.4. O EMMP pronunciou-se no sentido do provimento do recurso, por entender que do relatório dos serviços de fiscalização resulta que, após estes terem procedido a correcções técnicas, procederam ao cálculo, por amostragem, da margem de lucro, daí resultando valor diferente do declarado pelo contribuinte. Concludentemente, a contabilidade não merecia credibilidade o que justificava o recurso a métodos indirectos.
1.5. Corridos os Vistos legais, cabe decidir.
FUNDAMENTOS 2.1. A sentença recorrida julgou provados os factos seguintes:
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A impugnante foi alvo de uma acção inspectiva extraordinária - 2ª fase, que incidiu sobre os exercícios de 1991 a 1994.
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Pelos Serviços de Fiscalização Tributária foi elaborado o relatório de fls. 35 a 64, que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, onde consta, para além do mais, o seguinte: «2.3 - ORGANIZAÇÃO CONTABILÍSTICA Sendo uma sociedade, é obrigada a possuir contabilidade organizada, estando esta devidamente organizada e em dia, encontrando-se os documentos de suporte devidamente organizados. A contabilidade está centralizada na sede da empresa, sendo o seu responsável, como já foi referido, um dos sócios da empresa.
3 - ANÁLISE CONTABILÍSTICO-FISCAL (...) 3.1 - ANÁLISE HISTÓRICA (...) Segundo estes valores, verifica-se uma grande evolução no volume de negócios de ano para ano, quer em termos nominais, quer em termos relativos (na ordem dos 25% a 30%), a qual é acompanhada pela evolução dos custos em termos relativos (embora um pouco mais reduzida).
Verifica-se, igualmente, um aumento gradual bastante acentuado quer dos resultados contabilísticos quer do lucro tributável, que em nossa opinião, se deve à estrutura de custos em que a empresa assenta e à própria actividade desenvolvida.
Assim, pode-se facilmente constatar que, o aumento do volume de negócios só é acompanhado pelos custos variáveis, por via das existências vendidas, pois os restantes custos, nomeadamente, Fornecimentos e Serviços de Terceiros e Despesas com Pessoal (e mesmo as amortizações, se exceptuarmos o aumento em termos relativos no ano de 1994), praticamente mantêm os mesmos valores nominais nos últimos exercícios.
(...) Deste modo, podemos concluir que face a esta estrutura de custos, em que um aumento das vendas é acompanhado a nível de custos, pelo próprio custo dessas vendas, há a tendência para um aumento cada vez maior em termos nominais dos resultados líquidos.
3.2 - ANÁLISE DA ACTIVIDADE DESENVOLVIDA (...) 3.3 - Incorrecções Detectadas 3.3.1 - PNEUS e CÂMARAS DE AR As principais anomalias detectadas, dizem respeito à contabilização dos descontos e prémios que são concedidos pelas várias marcas fornecedoras de pneus e câmaras de ar, nomeadamente, no que diz respeito à observância do princípio da especialização dos exercícios, e ainda, no que diz respeito à natureza do desconto obtido relativamente à sua classificação contabilística.
Deste modo, verificaram-se duas situações: * a empresa contabiliza o valor do desconto e/ou prémio concedido por determinada marca no exercício em que recebe a comunicação do mesmo, normalmente através de nota de crédito, independentemente do exercício a que esses descontos ou prémios dizem respeito.
* os "prémios de pontualidade concedidos pela marca "MICHELIN", são contabilizados na conta 31.8 - "Descontos obtidos em compras", e não na conta 78 - Descontos financeiros.
Estes dois procedimentos são, em nossa opinião, incorrectos e susceptíveis de gerarem transferências de resultados de um exercício para outro.
(...) Para terminar este ponto, será de referir que o procedimento contabilístico utilizado no caso dos descontos de pontualidade atribuídos pela MICHELIN, permite à empresa apresentar uma margem de lucro superior àquela que resultaria se os créditos fossem considerados descontos financeiros.
Vejamos o seguinte exemplo: Uma empresa tem como margem efectiva de lucro 10% sobre o preço de custo. Esta empresa, e porque não facturou determinadas vendas, vê a sua contabilidade apresentar uma margem de 7%. Ao aperceber-se desta situação, e de modo a aumentar a margem de lucro declarada, contabiliza os descontos financeiros, não numa subconta da 78 - Proveitos Financeiros, mas na subconta 31.8 - Descontos obtidos em compras, diminuindo assim, o valor da conta 31 - Compras, e consequentemente, o custo das existências vendidas, permitindo assim, que a margem declarada se aproxime da real, omitindo vendas.
(...) Como se pode constatar, a contabilização dos descontos financeiros na conta 31.8, permitiu à empresa apresentar, nomeadamente, nos dois primeiros exercícios em análise, uma margem de lucro sobre o custo declarada mais aproximada (sendo mesmo superior nestes dois anos), da margem real praticada pela empresa, conforme se deduziu da amostragem realizada.
Deste modo, e como este procedimento, altera o valor do custo das existências vendidas, não sendo uma mera transferência entre contas, terá que se efectuar a respectiva correcção técnica.
Outra anomalia detectada diz respeito à valorização das existências, pois a mesma foi efectuada, em 1991 e 1992, com base nos preços de tabela, e como se referiu atrás, as diversas...
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