Acórdão nº 01305/03 de Tribunal Central Administrativo Sul, 25 de Outubro de 2005
Magistrado Responsável | José Correia |
Data da Resolução | 25 de Outubro de 2005 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acorda-se, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo: 1.-J...
e MULHER, M...M..., com os sinais identificadores dos autos, recorreu para o T.CA da sentença do Mm°. Juiz do Tribunal Tributário de 1a Instância de Lisboa que lhe julgou improcedente a presente impugnação judicial que deduziram contra a liquidação da taxa urbanística operada pela CML no montante de 39 846 580$00, terminando as suas alegações com a formulação do seguinte quadro conclusivo: 1.ª A sentença recorrida não apreciou as questões referentes à revogação, pelos/actos impugnados, de actos constitutivos de direitos, à violação das normas de competência aplicáveis, à violação dos princípios gerais que regulam a actividade administrativa e a existência de erros de facto e de direito devido à inexistência de facto tributário, apesar de tais vícios terem sido invocados como tal na petição inicial.
2a A sentença recorrida é, por esse motivo, nula, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 668.°, n.° 1, al. d), primeira parte, do Código de Processo Civil.
3a A sentença subjudice não apreciou toda a matéria de facto relevante para a apreciação da legalidade dos actos impugnados, nomeadamente o facto de os serviços da Câmara Municipal não terem realizado no local identificado na al. a) da matéria de facto quaisquer infra-estruturas urbanísticas em benefício da construção objecto de licenciamento e o facto de os Recorrentes terem cedido uma parcela de terreno com a área de 231,76 m2 do prédio onde se situa a construção objecto de licenciamento destinada a ser afectada como passagem pública de peões e veículos da Rua Helena Felix, sem que tal cedência acarretasse qualquer benefício para a obra objecto de licenciamento, pelo que foi violado o art. 511.° do CPC aplicável, mutatis mutandis, ex vi do art. 2.°, al. e) do CPPT.
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Os mecanismos previstos nos artigos 31.° da LPTA e 22.° do CPT destinam-se a suprir vícios relacionados com uma deficiente comunicação ou notificação dos fundamentos da decisão e não vícios relacionados com a falta de fundamentação, sendo certo que não resulta da petição inicial que os Recorrentes tenham compreendido todo o processo cognoscitivo e valorativo que conduziu ao actos de liquidação da taxa.
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Aliás, o próprio tribunal a quo não se apercebeu, pelos fundamentos dos actos de liquidação subjudice, de qual a versão do RTMIEU que os serviços aplicaram no caso sub judice, pelo que na presente data os Recorrentes, o tribunal a quo e os próprios serviços que apreciaram a impugnação desconhecem se a taxa foi liquidada ao abrigo da versão original do RTMIEU ou da versão com as alterações introduzidas por deliberação da Assembleia Municipal de Lisboa de 27 de Maio de 1993.
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Nenhum dos actos de liquidação a que se reporta a presente impugnação refere quais as disposições legais aplicáveis que permitiram a liquidação do tributo em causa, tal como é exigido pelo disposto nos arts. 21.°, 82.° e 120.° do CPT e 268.°, n.° 3, da CRP, pelo que tais normativos foram manifestamente violados pelo tribunal a quo, que apesar disso não promoveu a anulação dos actos impugnados.
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A sentença recorrida considera que não constitui obstáculo à qualificação do tributo como taxa o facto de o seu pagamento não implicar para os Recorrentes a aquisição do direito à utilização individualizada ou efectiva de qualquer infra-estrutura urbanística, admitindo ainda a possibilidade de a contraprestação resultante do pagamento de uma taxa assumir a forma de prestação de serviços públicos indivisíveis.
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Tal orientação contraria a doutrina e a jurisprudência anteriormente fixada no STA e no próprio Tribunal Constitucional, a qual conclui que as taxas municipais pressupõem a atribuição de um benefício concreto e individualizado pelas entidades públicas que a lançam.
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A liquidação da taxa não vincula a Câmara Municipal a proceder em concreto à realização de qualquer construção, reconstrução ou ampliação de infra-estruturas urbanísticas primárias ou secundárias ou a realizar qualquer encargo de planeamento e ordenamento urbanístico, o que explica que, no caso concreto, não tenham sido realizadas pelos serviços camarários quaisquer infra-estruturas urbanísticas.
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A operação urbanística objecto de licenciamento não cai assim no âmbito de aplicação objectiva do RTMIEU, nos termos previstos no art. 2.°, n.° 2 do citado regulamento, pelo que o citado regulamento é inaplicável in casu tendo o presente normativo regulamentar sido violado pelo órgão a quo.
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Uma vez que a contraprestação será, sempre e em todo o caso, uma contraprestação meramente eventual cuja decisão de concretizar estará na inteira discricionariedade da autarquia, não se concebe como poderá o seu pagamento não ser desviado para o financiamento de serviços gerais da Administração nos termos em que tal está previsto para qualquer outro imposto.
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Acresce que a doutrina e a jurisprudência dos nossos tribunais administrativos tem vindo a acentuar de forma pacífica que quando o montante da prestação exigida seja claramente desproporcional relativamente ao custo do serviço prestado, está-se perante um imposto e não uma taxa.
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No caso sub judice, os Recorrentes suportaram, em simultâneo: (i) o pagamento da taxa urbanística; (ii) a cedência gratuita de uma parcela. A exigência da referida cedência por parte da CML deveria, assim, ter sido considerada, em sede de liquidação, como um pagamento em espécie por eventuais infra-estruturas urbanísticas, que a citada TRIU visa compensar.
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Ao não ter sido ponderado na liquidação sub judice a cedência efectuada, a posição subjectiva dos Recorrentes foi, no caso concreto, afectada de forma claramente desproporcional pêlos actos de liquidação sub judice, em violação do art. 6.°, n.° 2 do RTMIEU 15.ª A sentença sub judice, ao não proceder à anulação dos actos de liquidação impugnada, não obstante tal liquidação (i) não conferir o direito à utilização individualizada ou efectiva de quaisquer infra-estruturas urbanísticas, (ii) não constituir qualquer obrigação de manter ou criar tais infra-estruturas para autarquia nos termos exigidos no art. 2.°, n.° 2 do RTMIEU e (iii) se revelar em concreto manifestamente desproporcional, fez uma errada interpretação do conceito de imposto e do princípio da legalidade constante dos arts. 106.° e 103.°, n.° 2, da CRP e 168.°, n.° 1, ai. i), da CRP e da base de incidência presente no art. 2.°, n.° 2 do RTMIEU, tendo desta forma violado os citados preceitos constitucionais e regulamentares.
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A sentença sub judice, ao julgar conformes com a Constituição as normas RTMIEU aplicadas pela entidade impugnada (cujo indicação precisa se desconhece em virtude da deficiente fundamentação) com vista à liquidação da taxa impugnada conformes com a Constituição, procedeu à aplicação de normas material e organicamente inconstitucionais, em violação do princípio da legalidade constante dos arts. 106.° e 103.°, n.° 2, da CRP e 168.°, n.° 1, al. i), da CRP, pelo que o tribunal ad quem, deve, assim, promover a desaplicação destas normas em sede de fiscalização concreta, nos termos dos arts. 204.° da Constituição e 70.°, n.° 1, al. b), da Lei do Tribunal Constitucional.
17a A sentença recorrida considerou que não haveria lugar no presente procedimento tributário a audiência do interessado uma vez que o CPT, em vigor à data da prática dos actos de liquidação impugnados, não contemplava essa possibilidade.
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Contudo, já antes da publicação da LGT se entendia que o direito de audiência prévia vale tanto no procedimento administrativo comum como nos especiais que o não consagram, quer aí se chegue pela via da aplicação directa da norma do artigo 100.° do CPA, por concretizadora do princípio constitucional da participação dos interessados na actividade administrativa, quer pela sua aplicação supletiva, prevista no n.° 6 do artigo 2° do CPA.
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A decisão sub judice, ao considerar inaplicável in casu o disposto nos artigos 8.°, 100.° e segs. do CPA violou, além destes normativos, o art. 6.°, n.° 2, do CPA, que determina a sua aplicação supletiva aos procedimentos tributários e o disposto no art. 267.°, n.° 4, da CRP (na versão em vigor à data da prática dos actos impugnados).
NESTES TERMOS, entendem que deverá ser dado provimento ao presente recurso, anulando-se ou revogando-se a sentença recorrida, com as devidas consequências legais, como é de JUSTIÇA! Não houve contra - alegações.
O EPGA emitiu o seguinte douto parecer ( fls. 57): "1. Vem o presente recurso interposto da sentença de folhas 500 a 521 que julgou improcedente a impugnação deduzida e manteve a liquidação em causa. São alegados os vícios de omissão de pronúncia por inapreciação dos vícios de falta de fundamentação ; erro na apreciação da matéria de facto ; erro na qualificação da natureza jurídica do tributo em causa e vício de forma por inverificação de audiência prévia de interessados.
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Todos os apontados vícios já o haviam sido em sede de recurso contencioso de anulação do despacho do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa de 14.03.95 sobre o qual foram proferidos os Acórdãos do T.C.A e S.T.A juntos aos autos , que concluíram pela falta de fundamento dos vícios apontados e cujos argumentos aqui damos por reproduzido.
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Subsistia assim a apreciação da alegada excepção da inexistência do facto tributário. No entanto, como bem se demonstrou na decisão recorrida, a obra em causa estava sujeita ao pagamento de um tributo cuja natureza jurídica reveste as características de taxa e não de imposto, não recaindo assim nenhuma inconstitucionalidade sobre a sua aplicação.
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Assim, inexistindo qualquer fundamento de facto ou de direito que suscite a revogação da sentença recorrida, sou de parecer que a mesma seja mantida julgando-se improcedente o presente recurso." Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
* 2.- Em sede de probatório o Mº Juiz do Tribunal « a quo» fixou a seguinte factualidade, a qual se reproduz na...
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